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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4016 Data:
28 de agosto de 2012
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66ª VISITA À
MINHA CASA
2ª PARTE
-Sobre a minha fase estudantil, o que o
seu marxista lhe ensinou? - quis saber Karl Marx
Com o caderno de páginas amareladas pelo
tempo, li:
-”Interessou-se Marx pela Filosofia e
pela História e ingressou na Universidade de Bonn. A cidade era um centro
literário
e
lá se matriculou no curso de Direito;
dedicou-se, porém, a fazer versos para a mulher com quem iria se casar, Jenny
von Westphalen...”
As reminiscências incontidas do
enamorado Marx interromperam o fluxo das minhas palavras.
-Minha Jenny!... Nós nos gostávamos desde o início dos meus
estudos universitários. Ela era filha de um barão da Prússia. Como as famílias
Marx e Westphalen discordavam da nossa união, o noivado foi mantido por um bom
tempo em sigilo.
-Na Universidade de Berlim, você tomou
conhecimento do ideário do filósofo Hegel, que era professor e reitor.
-Hegel foi uma das minhas grandes
influências. - admitiu.
-Você ingressou no Clube dos Doutores.
Quando perdeu o interesse pelo Direito e se voltou para a Filosofia, participando
do movimento Jovens Hegelianos. Com 23 anos de idade, você obteve o título de
doutor em Filosofia com a tese “Diferenças da filosofia da natureza em
Demócrito e Epicuro”.
-O lastimável nesse período de jovem
estudante foi o falecimento do meu pai, precisamente em 1841.
-Não pôde seguir a vida acadêmica e se
tornou redator-chefe da Gazeta Renana em 1842?
-Sim, Zeitung Rheinische era um
jornal da província de Colônia. Meses depois, conheci Friedrich Engels, que foi
à redação. Ele foi um amigo para toda a vida.
-Com a série de artigos publicada contra
o governo prussiano, a Gazeta Renana foi fechada.
-Fiquei sem emprego e mudei-me para
Paris, mas antes...
Colocou ênfase nas reticências, o que me
fez supor que me desafiava para um jogo de adivinhação.
-Você se casou com Jenny von Westphalen?
-Sim; se a filha de barão da Prússia não
me seguisse, eu não sei se teria ânimo para dar início a uma vida nova em terra
estrangeira, mesmo que fosse Paris.
-Do seu casamento com Jenny, nasceram
quantos filhos?
-Se eu contar um natimorto, seis;
Franziska, Edgar, Eleanor, Laura, Jenny, Longuet e Guido.
-Franziska, Edgar e Guido não suportaram
a miséria em que viviam e morreram ainda crianças.
À minha observação, ele manteve um silencio constrangedor.
-Bem, há autores que afirmam que a sua
vida, em Paris, foi de péssimas condições materiais. Por outro lado, as
crianças eram vulneráveis a muitas doenças no meado do século XIX.
-Minhas filhas, que eram netas de barão,
chegaram a ter aulas de piano, canto e desenho.
-Em Paris, Karl Marx, você conheceu a
Liga dos Justos que, anos depois, transformar-se-ia na Liga dos Comunistas.
-Lá, em 1844, reapareceu Friedrich
Engels, que veio me ver. Era mais do que amizade, comungávamos o mesmo ideário,
demos início a um trabalho conjunto que durou enquanto vivi.
-Engels era filho de um rico industrial
de Barmen, Alemanha, possuidor de fábricas em Manchester, Inglaterra.
-O meu principal colaborador vivia
extremamente chocado com a miséria dos trabalhadores das fábricas do seu pai.
Ele desenvolveu um estudo interessante sobre a classe operária na Inglaterra.
-Ele foi enviado pelo pai, em 1842, com
22 anos de idade, para acompanhar as fábricas de linha de costura.
Marx retomou a palavra para falar do
amigo.
-Ele aderiu às ideias da esquerda desde
estudante, aproximou-se, por isso, de mim, e trocamos muitas correspondências.
Teve de assumir, por alguns anos, a direção de uma das fábricas do pai, em
Manchester, quando observou a situação em que viviam os operários. Escreveu “A
Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, que foi publicada em 1845.
-No ano anterior à publicação, ele o
encontrou em Paris.
-Também conheci os socialistas a que
chamei de utópicos, Proudhon...
-Proudhon disse “Toda propriedade é um
roubo”. – aparteei.
-Ele ficou mais famoso por uma frase do
que pelos seus livros, o que foi justo.
-Ele escreveu um livro “A Filosofia da
Miséria”, que o contrariou tanto que você contra-atacou com outro livro que, já
no título, demonstrava a sua repulsa a Proudhon.
-Sim, escrevi “A Miséria da Filosofia”.
-O que alguns estudiosos perguntam,
Marx, era o porquê de tanta fúria.
-O socialismo tinha de ter bases
científicas, não poderia ficar solto no ar, ser utópico.
-Sim, mas o seu ideário socialista se
formou na França.
-Sem dúvida.
-E lá, em Paris, também conheceu o
anarquista Bakunin?
-De fato, ele era refugiado do czarismo.
Lembrei-me, então, de um pensamento do
anarquista russo: “Assim, sob qualquer
ângulo que se esteja situado para considerar essa questão, chega-se ao mesmo
resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz
por uma minoria privilegiada. Essa minoria, porém, dizem os marxistas,
compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão
logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a
observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo,
mas a si mesmos e suas pretensões de governa-lo. Quem duvida disso não conhece
a natureza humana.”
Evidentemente que não expressei esse
pensamento de Bakunin, pois não pretendia tirar a tranquilidade do visitante.
-Em Paris, intensifiquei meus estudos
sobre os socialistas utópicos, a economia política e a história da França, e
coloquei minhas reflexões nos “Manuscritos de Paris”, que ficaram mais
conhecidos como “Manuscritos Econômico-Filosóficos”.
-Engels disse que você aderiu ao ideário
socialista nessa obra.
Como se mantivesse silencioso,
prossegui:
-Mesmo da capital francesa, você
desancava o regime político alemão, o que levou o governo alemão a pedir a sua
expulsão da França.
-Fui expulso em 1845, com a minha
família, e segui para Bruxelas. Engels me acompanhou.
-Em 1848, espocaram revoltas na maioria
dos países europeus, e você escreveu o Manifesto Comunista.
-Eu e Engels.
-Ficou famosa a conclamação:
“Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser
vossos grilhões”.
E prossegui:
-Nesse ano de 1848, foi expulso da
Bélgica?
-Sim, e fui para Colônia, onde fundei o
jornal Nova Gazeta Renana. Por razão dos meus ataques, fui também expulso de lá.
-E como você viveu até 1848?
-Vivi confortavelmente com o dinheiro do
meu trabalho e da herança do meu pai. Em 1849, iniciou-se a minha crise
financeira. Voltei para Paris, mas o governo da França me proibiu de fixar
residência. Cogitei a Inglaterra, mas me faltava dinheiro.
-Sei disso; Ferdinand Lassale promoveu
uma campanha de arrecadação de donativos a seu favor, teve êxito e você
conseguiu migrar com a sua família para Londres. – concluí.
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