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terça-feira, 4 de setembro de 2012

2215 - marxando além


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4015                                        Data: 27 de agosto de 2012
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66ª  VISITA À MINHA CASA

 -Karl Marx!- surpreendi-me com a sua presença em minha casa
Depois de recobrar o fôlego, prossegui.
-Apesar de não ser marxista, estou exultante com a sua visita.
-Eu também não sou marxista.
-Imaginei que não baixasse em Del Castilho e sim na Coreia do Norte ou em Cuba.
-Esses países nada tem a ver com as minhas ideias. - zangou-se.
-Mesmo no Brasil, eu nunca julgaria que viesse à minha casa e sim a uma reunião do PT.
-Essa turma quer ficar perto do cofre e, consequentemente, longe de mim.
-Marx, uma emissora da BBC, na Inglaterra, realizou uma pesquisa, em 2004 e você foi eleito o maior filósofo de todos os tempos.
-A maioria desses eleitores, julgo, não leu mais de 50 páginas de “O Capital”.
-Desculpe-me a sinceridade, Marx, mas eu vou dizer...
-Seja sincero, mesmo se você estiver errado naquilo que vai dizer.
-Eu vou dizer que, guardadas as devidas proporções, esses eleitores me lembram aqueles que elegeram John Lennon o maior compositor do milênio.
-John Lennon... soube dele, no além, não sabia nem ler uma partitura.
-Perdeu-se na identificação dos temas de uma composição de 20 minutos de Ravel, que George Martin colocou para ele ouvir. - acrescentei.
-Colocaram-me como o maior de todos os filósofos?... Tenho uma insuperável admiração por Aristóteles, cujas ideias, muitas delas, persistem depois de 2 400 anos.
-Mesmo a Igreja, na época em que foi a instituição mais poderosa do mundo, ou seja, na Era Medieval, ajustou-se às ideias aristotélicas com a Escolástica de São Tomás de Aquino, Santo Anselmo, Abelardo, Pedro Lombardo...
-E você estudou Escolástica na escola?
-Eu tive um professor da História do Pensamento Econômico, que foi aposentado compulsoriamente pela ditadura militar, na UERJ, marxista...
                 -Não me fale dos marxistas. - interveio com os braços agitados.
                 -Ensinou-me esse professor que a Escolástica foi um ensino filosófico que foi ministrado na Europa do século X ao XVI; era fundado nos conceitos gramaticais, lógicos, silogísticos e ontológicos provenientes das ideias de Aristóteles.
                -Desconfio que o seu professor não se aprofundou muito na matéria.
                -Muitos pensadores tentaram, também, ajustar a filosofia marxista à Igreja Católica. Nélson Rodrigues os chamava de padres de passeata.
               -Padres de passeata?!... - soltou Karl Marx uma gargalhada que ondeou a sua vasta barba.
               -Você escreveu que a religião é o ópio do povo e vieram os marxistas colocar badulaques no seu texto desvirtuando o seu sentido.
              -O que os cristãos fizeram com Cristo? O que os marxistas fizeram com Marx? - bradou.
Como o visitante se exaltara, procurei um tema mais ameno.
              -Nos anos 70 do século XX, a turma da Rua Chaves Pinheiro resolveu alugar a quadra de futebol de salão do Lar de Júlia, nos dias de sábado e domingo. O dinheiro seria revertido para as crianças. Quando uma das responsáveis pelo orfanato nos perguntou pelo nome do nosso time, um engraçadinho respondeu: “Seguidores de Marx”. A senhora não ouviu direito: “Seguidores de Marcos?... Seguidores de São Marcos. Que beleza!”
             -E vocês ficaram conhecidos como “Seguidores de São Marcos”? - indagou com a expressão marota.
              -Pelas patuscadas que realizamos dentro e fora da quadra de futebol de salão do Lar de Júlia, acredito que éramos, na realidade, “Seguidores de Groucho Marx”.
             -Divirto-me muito com “Os Irmãos Marx” no além-túmulo.
             -Marx, você era um apreciador dos romances de Balzac?
              -Eu, que estudei muito em livros técnicos a apropriação de renda pelos burgueses, lia sobre essa questão de uma maneira muito mais agradável nas obras de Balzac.
             -Balzac declarou que faria com a pena o que Napoleão fizera com a espada. - interferi.
             -Eu pretendia ler muitos mais livros de Balzac do que li, porém, a minha atividade de escritor, tanto de livros como de jornais, escassearam o meu tempo.
            -Karl Marx, você nasceu na cidade de Tréveris que, na época, 1818, pertencia a Prússia?
             -Sim, pertenci a uma família de origem judaica de classe média e fui o segundo de nove filhos. Minha mãe era holandesa, judia e se chamava Henriette   Pressbur; meu pai, Herschel Marx, era advogado e conselheiro de Justiça.
             -Desculpe-me a curiosidade nazista, mas a minha intenção é inteiramente oposta: seu pai também era judeu?
            -Meu pai descendia de uma família de rabinos, mas se converteu ao cristianismo luterano por causa das restrições impostas a integrantes da etnia judaica no serviço público. Disseram-me, na minha família, que quando isso aconteceu, eu estava com seis anos de idade.
            -Sabe como o meu professor deu início à aula sobre Karl Marx?...
            -O professor que foi aposentado compulsoriamente pelo regime militar?...
           -Sim.
           -Não era o Fernando Henrique Cardoso?
            -Não; Fernando Henrique Cardoso era marxólogo e o meu professor era marxista.                                                                                                  
            -Que me estudem, como os marxólogos, mas que não mudem as minhas ideias, como os marxistas. - clamou.
Posso dizer agora como foi o início da aula?
           -Você guardou os apontamentos do caderno escolar sobre mim de cor?
          -São mais de 30 anos, evidentemente que não. Sigo um conselho de Machado de Assis sobre guardar os papéis velhos. Assim, eu ainda tenho alguns cadernos da época da faculdade.
           -Vamos lá! Como seu professor de História do Pensamento Econômico iniciou a aula sobre mim?
           -”Chegou a Alemanha atrasada à industrialização. No princípio do século XIX, surgem lá as ideias dos liberais franceses. As universidades alemães estavam convulsionadas pelos ideais de liberdade. É quando nasce Marx. Era filho de um advogado, funcionário público. Seu pai era liberal que conhecia as obras de Voltaire, Rousseau, Diderot etc, e transmitiu esse conhecimento ao filho.
          -Li muito Voltaire, principalmente. Era a minha época de leitor voraz.
          -Anos depois, você teve de dividir a sua voracidade de leitor com a de escritor.
          -O que mais disse seu mestre sobre mim?- mostrou-se curioso.
          -Disse que você fez seu curso básico em Tréveris, com professores liberais. Com a Renânia sendo anexada a Prússia, começou a opressão contra os renanos e a educação passou a ser reprimida.
           -Quando iniciei meus estudos escolares, em 1830, eclodiram revoluções em diversos países europeus. Eu ingressei mais tarde na Universidade de Bonn para estudar Direito e, no ano seguinte, parti para a Universidade de Berlim.

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