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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4015 Data:
27 de agosto de 2012
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66ª VISITA À
MINHA CASA
-Karl
Marx!- surpreendi-me com a sua presença em minha casa
Depois de recobrar o fôlego, prossegui.
-Apesar de não ser marxista, estou
exultante com a sua visita.
-Eu também não sou marxista.
-Imaginei que não baixasse em Del Castilho e sim na
Coreia do Norte ou em Cuba.
-Esses países nada tem a ver com as
minhas ideias. - zangou-se.
-Mesmo no Brasil, eu nunca julgaria que
viesse à minha casa e sim a uma reunião do PT.
-Essa turma quer ficar perto do cofre e,
consequentemente, longe de mim.
-Marx, uma emissora da BBC, na
Inglaterra, realizou uma pesquisa, em 2004 e você foi eleito o maior filósofo
de todos os tempos.
-A maioria desses eleitores, julgo, não
leu mais de 50 páginas de “O Capital”.
-Desculpe-me a sinceridade, Marx, mas eu
vou dizer...
-Seja sincero, mesmo se você estiver errado
naquilo que vai dizer.
-Eu vou dizer que, guardadas as devidas
proporções, esses eleitores me lembram aqueles que elegeram John Lennon o maior
compositor do milênio.
-John Lennon... soube dele, no além, não
sabia nem ler uma partitura.
-Perdeu-se na identificação dos temas de
uma composição de 20 minutos de Ravel, que George Martin colocou para ele ouvir.
- acrescentei.
-Colocaram-me como o maior de todos os
filósofos?... Tenho uma insuperável admiração por Aristóteles, cujas ideias,
muitas delas, persistem depois de 2 400 anos.
-Mesmo a Igreja, na época em que foi a
instituição mais poderosa do mundo, ou seja, na Era Medieval, ajustou-se às
ideias aristotélicas com a Escolástica de São Tomás de Aquino, Santo Anselmo,
Abelardo, Pedro Lombardo...
-E você estudou Escolástica na escola?
-Eu tive um professor da História do
Pensamento Econômico, que foi aposentado compulsoriamente pela ditadura
militar, na UERJ, marxista...
-Não me fale dos marxistas. - interveio com os braços agitados.
-Ensinou-me esse professor que a Escolástica foi um ensino filosófico
que foi ministrado na Europa do século X ao XVI; era fundado nos conceitos
gramaticais, lógicos, silogísticos e ontológicos provenientes das ideias de
Aristóteles.
-Desconfio
que o seu professor não se aprofundou muito na matéria.
-Muitos
pensadores tentaram, também, ajustar a filosofia marxista à Igreja Católica.
Nélson Rodrigues os chamava de padres de passeata.
-Padres
de passeata?!... - soltou Karl Marx uma gargalhada que ondeou a sua vasta
barba.
-Você
escreveu que a religião é o ópio do povo e vieram os marxistas colocar
badulaques no seu texto desvirtuando o seu sentido.
-O
que os cristãos fizeram com Cristo? O que os marxistas fizeram com Marx? -
bradou.
Como o visitante se exaltara, procurei um tema mais
ameno.
-Nos
anos 70 do século XX, a turma da Rua Chaves Pinheiro resolveu alugar a quadra
de futebol de salão do Lar de Júlia, nos dias de sábado e domingo. O dinheiro
seria revertido para as crianças. Quando uma das responsáveis pelo orfanato nos
perguntou pelo nome do nosso time, um engraçadinho respondeu: “Seguidores de
Marx”. A senhora não ouviu direito: “Seguidores de Marcos?... Seguidores de São
Marcos. Que beleza!”
-E
vocês ficaram conhecidos como “Seguidores de São Marcos”? - indagou com a
expressão marota.
-Pelas
patuscadas que realizamos dentro e fora da quadra de futebol de salão do Lar de
Júlia, acredito que éramos, na realidade, “Seguidores de Groucho Marx”.
-Divirto-me
muito com “Os Irmãos Marx” no além-túmulo.
-Marx,
você era um apreciador dos romances de Balzac?
-Eu, que estudei muito em livros
técnicos a apropriação de renda pelos burgueses, lia sobre essa questão de uma
maneira muito mais agradável nas obras de Balzac.
-Balzac declarou que faria com a pena o que
Napoleão fizera com a espada. - interferi.
-Eu
pretendia ler muitos mais livros de Balzac do que li, porém, a minha atividade
de escritor, tanto de livros como de jornais, escassearam o meu tempo.
-Karl
Marx, você nasceu na cidade de Tréveris que, na época, 1818, pertencia a
Prússia?
-Sim, pertenci a uma família de origem judaica
de classe média e fui o segundo de nove filhos. Minha mãe era holandesa, judia
e se chamava Henriette Pressbur; meu pai, Herschel Marx, era advogado
e conselheiro de Justiça.
-Desculpe-me a curiosidade nazista, mas a
minha intenção é inteiramente oposta: seu pai também era judeu?
-Meu pai descendia de uma família de rabinos,
mas se converteu ao cristianismo luterano por causa das restrições impostas a
integrantes da etnia judaica no serviço público. Disseram-me, na minha família,
que quando isso aconteceu, eu estava com seis anos de idade.
-Sabe como o meu professor deu início à aula
sobre Karl Marx?...
-O professor que foi aposentado
compulsoriamente pelo regime militar?...
-Sim.
-Não era o Fernando Henrique Cardoso?
-Não; Fernando Henrique Cardoso era marxólogo
e o meu professor era marxista.
-Que me estudem, como os marxólogos, mas que
não mudem as minhas ideias, como os marxistas. - clamou.
Posso dizer agora como foi o início da aula?
-Você guardou os apontamentos do caderno
escolar sobre mim de cor?
-São
mais de 30 anos, evidentemente que não. Sigo um conselho de Machado de Assis
sobre guardar os papéis velhos. Assim, eu ainda tenho alguns cadernos da época
da faculdade.
-Vamos lá! Como seu professor de História do
Pensamento Econômico iniciou a aula sobre mim?
-”Chegou a Alemanha atrasada à
industrialização. No princípio do século XIX, surgem lá as ideias dos liberais
franceses. As universidades alemães estavam convulsionadas pelos ideais de
liberdade. É quando nasce Marx. Era filho de um advogado, funcionário público.
Seu pai era liberal que conhecia as obras de Voltaire, Rousseau, Diderot etc, e
transmitiu esse conhecimento ao filho.
-Li
muito Voltaire, principalmente. Era a minha época de leitor voraz.
-Anos
depois, você teve de dividir a sua voracidade de leitor com a de escritor.
-O que
mais disse seu mestre sobre mim?- mostrou-se curioso.
-Disse
que você fez seu curso básico em Tréveris, com professores liberais. Com a
Renânia sendo anexada a Prússia, começou a opressão contra os renanos e a
educação passou a ser reprimida.
-Quando
iniciei meus estudos escolares, em 1830, eclodiram revoluções em diversos
países europeus. Eu ingressei mais tarde na Universidade de Bonn para estudar
Direito e, no ano seguinte, parti para a Universidade de Berlim.
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