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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4026 Data: 10
de setembro de 2012
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O SABADOIDO
PÓS-INDEPENDÊNCIA
-Daqui a pouco o Daniel chega do trabalho.
- disse o Claudio com a maior tranquilidade do mundo.
-Como, são oito e meia da manhã?...
Ontem, foi o feriado de 7 de setembro?...
-Carlinhos, Daniel está colocando
dinheiro no bolso...
-Ele foi chamado para trabalhar pela
madrugada adentro?- perguntei para realçar a minha surpresa.
-Daniel quer ficar rico.
-Deixa-me ver onde ele está? - aparteou
a Gina com o celular já no ouvido.
-E, então, querido, já está perto?...
Alguns segundos depois, Gina desligava o
celular e nos informava que o táxi já passara por Guadalupe.
Ele virá com sono e, certamente, ocupará
o quarto e eu ficarei sem o seu computador justamente no momento em que
necessito tanto de uma internet rápida por ter ingressado no facebook. - imaginei.
Gina puxou conversa.
-Eu não entendo esse pessoal que
pretende aproveitar o feriadão pegando a estrada...
-Eu soube de engarrafamentos de 26 horas
da cidade de São Paulo ao litoral. – interferi.
-Lá, então, é uma coisa horrorosa...
Eles ficam horas e horas nas estradas, chegam na praia, molham a bunda e já
está na hora da volta, e passam por mais horas e horas de engarrafamento. –
ironizou a minha cunhada.
-Carlinhos, você leu o artigo do Rodrigo
Constantino na Globo de terça-feira
sobre a “esquerda caviar”?
-Não li, mas imagino quais são os
integrantes da esquerda caviar.
-Os filhos do Valter Moreira Sales,
Chico Buarque...
-Ele citou o Roberto Campos que denomina
esses esquerdistas de filhos de um adultério do Marx com a Coca-Cola.
-Mas esse artigo é a propósito de que? –
quis saber.
-Da exaltação que a esquerda caviar faz
do Freixo na eleição para prefeito.
-Cláudio, eu, que sou, no máximo, da
esquerda salmão, pensei em votar no Freixo com um objetivo apenas: evitar a
reeleição do Eduardo Paes por uma maioria esmagadora, mas quando soube que o candidato do PSOL é
favorável aos bailes funks, mudei rapidamente de ideia.
-Você não sofreu com a macumba do
vizinho aqui do lado?... – interveio a Gina.
-Voltando ao Freixo, o Dieckmann me
escreveu que votará nele porque o Eduardo Paes com 70% da votação, sem precisar
se reeleger, ficará solto sem nada fazer.
-Não, ele quer ser governador. –
discordou meu irmão.
-Falam no Pezão como próximo governador
do Rio de Janeiro, mas ele é apadrinhado pelo Sérgio Cabral, que se sujou com o
caso Delta do Fernando Cavendish.
-Se ele enfiar o Pezão na porta, chega a
governador. - não perdeu a Gina a piada.
Lembrei-me do livro que dei há uns dez
dias à minha sobrinha de doze anos e mudei de assunto.
-A Ana Clara, ao me agradecer o
presente, “Branca de Neve e o Caçador”, garantiu-me que o leria em uma semana,
mas não conseguiu. A mãe dela examinou o livro e reconheceu que a Ana Clara não
encontrará a mesma facilidade de outras leituras.
-Eu soube que ela viu o filme. - disse o
Claudio.
-Eu, com treze anos de idade, li “O
Guarany”... Li muitas obras do José de
Alencar, que usava uma linguagem rebuscada, não tanto como o Camilo Castelo
Branco. Eu não entendia o significado
das palavras, mas seguia adiante.
-Não leu os grandes mestres da
literatura universal com quatorze anos de idade? – ironizou meu irmão.
-O leitor tem de ter uma cultura apreciável
para entender um grande clássico, o que se obtém, na melhor das idades, com
mais de vinte anos. – manifestei-me.
-Eu, quando me entusiasmo com um livro,
e leio muito, sinto uma terrível dor de cabeça. – disse a Gina.
-Os romances que eu devorava, no
passado, em uma semana, hoje me exigem um mês.
O livro passou a ser um ansiolítico para mim, leio e o sono logo me
domina.
-Você está com o mesmo mal do Lula? - estocou-me o Claudio.
-A diferença é que a minha atração pelos
livros nunca esmoreceu; a idade é que diminuiu a minha capacidade de
leitura. Às vezes, eu escrevo para me
manter acordado. Quanto à Ana Clara, é louvável que ela leia nesta época em que
os petizes não trocam a tela do computador por nada.
Mal terminei de falar, o Daniel adentrou
cozinha adentro com a sua alegria costumeira.
-Não vou caminhar hoje. - afirmou,
enquanto depositava, na mesa, uma
pasta que lhe chegou à cintura
por causa da longa alça que pendia no ombro.
Se ele ainda cogitou em caminhar é sinal
de que não vai dormir e eu tenho chance de usar o cybercafé. – deduzi
esperançoso.
-Havia um bom lugar para se dormir lá?
-Carlão, eu dormi num sofá.
-Então, você dormiu como um vigia
noturno. - pilheriei.
-Houve um revezamento ente nós; eu dormi
das duas e vinte da manhã às quatro e vinte. Fui embalado pela serenata dos
gatos de Santa Cruz.
-Melhores do que os gatos do Cachambi. -
aditou a Gina.
-E, pelo que noto, deu para descansar bem.
- concluí.
-Vou tomar banho. – disse sem perda de tempo.
Sem cerimônia, sua mãe abriu a pasta e
retirou os vouchers do taxista.
-A Casa da Moeda o reembolsa?
-Sim, Carlinhos. - respondeu-me a Gina.
-Eu já disse, Carlinhos, o Daniel só
pensa em encher o bolso de dinheiro. Vai trabalhar na madrugada de hoje para
amanhã de novo. - informou meu irmão.
-Ele trabalha como programador?
Depois de a Gina me responder
afirmativamente, eu comentei que nem todas as pessoas no Brasil trabalham na
matéria em que se formaram, que a praxe é o desvio de função.
-Desvio de função com o Daniel houve nos
correios. - esbravejou a Gina.
Depois de alguns minutos, o Daniel
reapareceu de banho tomado.
-Daniel, entrei no Facebook.
-Não vai me dizer, Carlão, que você
comprou as ações do Facebook.
-Meu grau de loucura ainda não chegou ao
ponto de rasgar dinheiro. Acontece que eu aceitei um convite da Luciana, sua
prima, aceitei e, quando vi, umas trezentas pessoas de que eu desconhecia a
existência queriam ser minhas amigas.
-Agora é tarde, Carlão.
-Pois é, Daniel, preciso da sua ajuda,
pois nem o meu retrato eu coloquei no meu perfil.
-E que retrato você quer que eu coloque?
-Qualquer um, menos de um velho, pois o
Dieckmann (*) já fez isso.
E comentei:
-Mal sabe ele que já foi confundido pelo
Luca com o Seu Waldemar.
-E quem é o Seu Waldemar, Carlão?
-É o avô do Caio e do José.
(*) Imagine
só: o redator do seu O BISCOITO MOLHADO é preconceituoso o logo contra a
terceira idade. O retrato que o Dieckmann colocou no facebook e em todos os
locais em que uma foto é pedida é do Q, o chefe do Departamento de Pesquisas do
MI 6. Pesquisador inveterado, o Dieckmann o elegeu como seu patrono e é com
alegria que este Distribuidor enaltece o fato.
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