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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4014 Data: 26
de agosto de 2012
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SENTANDO NO
TÁXI
Quando entrei no táxi do Paizão, ele
olhou o relógio.
-Quatro e meia da tarde; minha primeira
corrida do dia.
-Eu chego ao trabalho uma hora antes
para antecipar a minha saída “a las cinco de la tarde”, assim, evito o metrô
ainda mais lotado, como já lhe disse algumas vezes.
Paizão, que gosta de falar, se animou.
-Uma passageira pega o ônibus da
integração, na zona sul, salta na estação General Osório e vem de lá até Maria
da Graça, de pé, no metrô, em seguida, entra no meu carro e diz com alívio:
“Enfim, vou sentar.”
-Sentar é coisa séria. - assinalei com a
voz solene.
-É sempre bom descansar o esqueleto num
banco confortável. - manifestou-se sem perceber que eu pretendia enveredar o
tema para a história.
-O aparentemente simples ato de
sentar-se teve uma importância incrível na luta pela integração racial nos
Estados Unidos.
Sem esperar por uma pergunta do Paizão,
que talvez não viesse, prossegui:
- Rosa Parks, uma negra de Montgomery,
no Alabama, cansada de um dia de trabalho, recusou-se a dar lugar a
um branco num ônibus, em 1955. O motorista parou o veículo e ela foi presa.
Liderados por Martin Luther King, os negros boicotaram os ônibus dessa linha e
de outras, que sofreram um grande prejuízo financeiro. O caso do boicote aos
ônibus de Montgomery chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos.
-O que nós, brasileiros, temos com isso?
– interrompeu-me o Paizão.
-Ora, a integração racial diz respeito a
todos. Essa revolta levou, poucos anos depois, ao presidente John Kennedy a
enviar leis ao legislativo que ampliariam os direitos sociais e a integração
racial.
-Por que é homenageado aqui?... –
aparteou-me de novo.
-O presidente Kennedy?...
-A Avenida Martin Luther King?...
-Martin Luther King comandou os negros
de uma maneira pacífica, como Gandhi liderou os indianos pela independência do
Reino Unido. Nada mais justo que recebesse homenagens também aqui, no Brasil.
Já Malcolm X, que foi um líder rancoroso dos negros americanos, não tem a mesma
aceitação pelos cidadãos do mundo civilizado.
Enquanto eu falava, vislumbrei no rosto
do Paizão que ele ainda não estava convencido com as nossas homenagens às
personalidades estrangeiras.
-Veja o Nélson Mandela; ficou décadas
preso e, quando foi solto, almoçou com o seu carcereiro. Como primeiro mandatário
da África do Sul, não deixou que o ressentimento dos negros aflorasse.
O rosto do Paizão, no entanto,
continuava crispado. Deixou-me na Rua Modigliani, mas sem se queixar da
homenagem feita ao pintor italiano em Del Castilho.
No dia subsequente, não divisei táxi
algum da rampa da estação de Del Castilho; para piorar, uma moça se encontrava
sentada no banco de espera com um celular no ouvido.
-Terei de esperar e já como uma pessoa à
minha frente.- previ com mau humor.
Mais perto do ponto, tive uma alegre
surpresa: dois táxis aguardavam passageiros e o primeiro era o 009.
Abri a porta do carro do Cláudio,
conhecido por Gaguinho e, antes de entrar, atentei para a moça do celular.
-Imaginei que não houvesse táxi e que
aquela moça do banco aguardasse por um.
-Talvez ela esteja com tempo, pois não
me é desconhecida. - manifestou-se.
Ao lembra-me que, da última vez,
Gaguinho se achava apressado para levar o filho da Rua Luiza Vale a Madureira,
onde ele jogaria handebol, mudei de assunto.
-E o seu filho com o handebol?
-Rapaz, surgiu a possibilidade de ele
jogar handebol pela Castelo Branco, no 2º grau e receber uma bolsa de estudo de
100%. - levado pela emoção, Cláudio gaguejou mais do que o costume.
-Os colégios passaram a investir também
nos esportes?- perguntei.
-Não há problema de meu filho prosseguir
no Fluminense, mas, na escola, só poderá jogar handebol pela Castelo Branco.
-E ele poderá, em seguida, partir para a
faculdade. Dizem que o curso de Educação Física da Castelo Branco é bom.
Ainda gaguejando muito, interveio:
-Não existe só Educação Física na
Castelo Branco, há outras matérias.
-Sim – concordei – há outras
disciplinas.
-Se ele conseguir essa bolsa de estudo,
será ótimo para mim; terei ima folga no meu orçamento.
-Vamos torcer. - disse, enquanto saltava
do táxi na minha rua.
No dia
seguinte, fui conduzido pelo 045, o táxi do Gordinho. Mal as rodas do
seu veículo começaram a girar, fomos retidos por um caminhão-baú com o pisca
alerta acionado, que obrigava dois carros à nossa frente não ultrapassarem os 15 km/h .
-O motorista procura, certamente, o
número de alguma casa. - supôs o Gordinho.
Parece o Trenzinho do Senna. - comparei.
-O Aírton Senna?
Como ele demonstrava curiosidade,
desenvolvi o tema.
-No circuito travado da Hungria, o
Aírton Senna dirigia um Fórmula 1 sem muita potência, e, no entanto, não
deixava os adversários com carros bem
mais potentes o ultrapassarem. Nélson Piquet, que já se tornara seu desafeto,
cunhou, então, esse termo: “Trenzinho do Senna”. Nesse autódromo da Hungria, em
1986, o Nélson Piquet realizou uma ultrapassagem sobre o Aírton Senna numa
manobra que o Jackie Stewart comparou com
um looping feito num Boeing 737. (*)
-Grande piloto foi o Nélson Piquet! -
exclamou o Gordinho, enquanto conseguia deixar o caminhão-baú para trás.
-Na comemoração dos dez anos do terceiro
título do Nélson Piquet, só a ESPN realizou um programa apologético, a TV Globo
não lhe dedicou uma imagem. Ele não vivia de bajulações mútuas com o Galvão
Bueno.
O Gordinho me interrompeu porque o assunto
lhe interessava.
-A imprensa, da mesma maneira que coloca
lá em cima, coloca lá em
baixo. Lembra-se do Zico quando voltou da Itália enrolado com
o leão de lá?
-O imposto de renda que ele não pagou
enquanto jogava pelo Udinese. - respondi.
-Isso. Ele andou arredio com os
repórteres quando eles tocavam nesse assunto. Esqueceu-se o Zico que começou no
futebol magricela que, embora craque, precisou da imprensa para ser projetado
na carreira. Quando foi lembrado disso, mudou o comportamento com os repórteres,
-A facção de torcedores, que o João Saldanha
denominou de FLA-IMPRENSA tinha, de fato, um crédito muito grande com o Zico. -
comentei antes de ficar em silêncio até a nossa chegada na Rua Modigliani.
(*) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO sofre de memória seletiva. Viu,
entretanto, a manobra do Piquet ao vivo e jamais a esquecerá.
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