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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4025 Data: 09
de setembro de 2012
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OS TÁXIS NA VÉSPERA DO FERIADÃO
Entrei no táxi 017 do Dedão do Arqueiro
Inglês. Como ele sempre está disponível para uma conversa, não perdi tempo.
-O centro da cidade hoje, uma hora e
meia atrás, estava tumultuada; sirene de bombeiros, barulho de helicóptero...
-Havia uma manifestação por lá. -
interrompeu-me.
-Um colega de trabalho, na falta de um
rádio, procurou saber o que havia pela internet.
-Mas a internet fornece notícias com
essa rapidez? - mostrou-se cético.
-Ele disse que um prédio de 21 andares
da Visconde de Inhaúma havia sido interditado, por volta do meio-dia e meia,
porque foram ouvidos barulhos ameaçadores de rachaduras.
-Rapaz, andam batendo muito no chão
naquela redondeza. - enfatizou.
-As rachaduras não tinham sido ainda
encontradas.
-Se há fumaça, o fogo aparece. - disse
ele.
Sem tomar fôlego, fez-me uma pergunta
retórica:
-Sabe o prédio da Petrobras que
construíram pelos lados da Cruz Vermelha?
E prosseguiu:
-Levantaram aquilo em tempo recorde .
Uma construção portentosa de aço e vidro que rachou as vidraças dos edifícios
próximos e não sei até que ponto mexeu com a estrutura deles.
Deixou-me no meu destino e, duas horas
depois, mais ou menos, eu soube pelo noticiário do rádio que o tumulto fora
provocado, na realidade, por funcionários públicos em greve que pretendiam
acuar a Presidente da República, que tinha ido premiar os alunos da Olimpíada
de Matemática, no Teatro Municipal.
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Peguei, no dia subsequente, o táxi 124,
que vejo antes das 6 horas da manhã, na Rua Van Gogh, quando me dirijo a pé ao
metrô de Del Castilho e nunca viajo nele na volta do trabalho.
-Rua Modigliani. - avisei.
Seria uma corrida silenciosa, se ele não
reclamasse do despertador, que o acordou intempestivamente.
-Não faz três dias que o meu despertador
tocou. Levantei-me da cama atônito, cansado, sentido que não dormira nada. Fui
conferir a hora: duas e meia da manhã. Com a cabeça de volta ao travesseiro,
compreendi tudo: a faxineira, que estivera lá em casa, resolveu limpar o meu
despertador. E mais: arrancou, com a vassoura, uma pecinha do meu telefone, que
ficou mudo por um tempo. - desabafei.
-Eu mesmo faço a faxina da minha casa.
Pego esfregão, balde d' água, sabão, e vou em frente. Arranco
teias de aranha dos cantos mais escondidos, arrastando cama e guarda-roupas.
Examinei-o discretamente, vi que era
forte e não tinha mais de quarenta anos de idade, e lhe fiz esta pergunta:
-Não recorre a ninguém para realizar
esse serviço?
-Nem para cozinhar. Eu mesmo preparo a
minha comida.
E arrematou, já na Rua Modigliani.
-Se uma mulher faz esse trabalho por
você, quer casar.
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No dia que se seguiu fui para casa no
táxi do Botafoguense.
-O Botafogo joga, mais sofrimento... -
mostrou-se apreensivo.
-Se começo a ficar irritado, assistindo
a um jogo do Botafogo, mudo imediatamente de canal. Há sempre alguma coisa para
se ver; por exemplo, aos domingos, no mesmo horário do Campeonato Brasileiro, a
ESPN transmite o Campeonato Espanhol.
-Ao vivo?
-Apesar das cinco horas de diferença
entre os dois países, sim, pois os jogos na Espanha começam bem tarde. Os
locutores comentavam que um jogador já marcou um gol num dia e outro no dia
seguinte.
-Mesmo sofrendo, eu vejo o Fogão. -
insistiu no seu amor ao clube.
-E as opções não são apenas o futebol,
há o US Open, as paraolimpíadas.
-Pois é; as paraolimpíadas, que agora
chamam por outro nome. Eu vi o corredor brasileiro, que deu uma atropelada de
cavalo puro-sangue e derrotou o adversário que participou
das Olimpíadas.
E emendou uma pergunta:
-Você viu como ele ficou despeitado, não
aceitando o cumprimento do brasileiro?
-A fama que o Oscar Pistorius alcançou,
por ter disputado competições com atletas sem deficiência física, numa
olimpíada, subiu-lhe à cabeça. Colocou em dúvida a prótese utilizada pelo Alan
Fonteles.
-Isso! Alan Fonteles é o nome do
brasileiro. - interferiu o Botafoguense.
-O comitê internacional limita a altura
dos atletas biamputados com prótese. Eles têm um método para fazer esse cálculo
e o brasileiro se enquadrou. O Oscar Pistorius se desculpou, depois.
Deixou-me o Botafoguense na Rua
Modigliani expressando o seu otimismo com a melhora do Seedorf e o lançamento
dos garotos no time de cima do Botafogo.
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6 de setembro. No cimo das rampas,
avisto apenas um táxi. Torço febrilmente
para que ele saia do ponto comigo. Pela Lei de Murphy, minha chance é zero.
Penso em Pangloss, o filósofo Leibniz, caricaturado por Voltaire, que dizia que
vivemos no melhor dos mundos. Pela Lei de Pangloss, minha chance é de 100%. É
verdade que não existia táxi na época de Voltaire, Leibniz e, muito menos,
Pangloss.
O táxi permanece no mesmo lugar, e só
falta uma rampa.
-Não saia daí... Não saia daí... Não
saia daí... - repito esta frase como um mantra.
Consigo agora vislumbrar o número do
táxi: 140. Não há um só passageiro do metrô, além de mim, que se encaminhe para
o ponto dos taxistas. O meu adversário só
poderia surgir de um chamado pelo rádio da cooperativa. Ufa! Não
chamaram. Entro no táxi.
-Só há o senhor aqui? – indaguei.
-Muitos foram levar passageiros
para Rodoviária e estão presos no
engarrafamento.
-É véspera de feriadão.
-Eu já tive de ir lá, na Rodoviária,
mais cedo e fiquei preso, por um bom tempo, no trânsito. Ainda bem que apareceu
o senhor.
-A recíproca é verdadeira. - afirmei com
toda sinceridade.
E perguntei em seguida:
-É melhor, neste dia, rodar por aqui?
-Nem fala! As pessoas que querem ir para
longe sabem que há táxis aqui, na Domingo de Magalhães e vêm nos pegar.
Passageiros fiéis, como o senhor, ficam prejudicados com isso.
Reportei-me ao Paizão.
-Há um senhor que começa a rodar por
volta das quatro e meia da tarde e larga pela meia-noite. Algumas vezes, eu sou o seu primeiro passageiro do dia.
-É o Demerval. - identificou-o.
-De dias como hoje, o Demerval foge. -
prosseguiu.
-Ele, com 78 anos, está muito bem.
-Está ótimo. - concordou.
-Quem também trabalhava de noite era o
Gaguinho, não o Claudio, mas o Messias.
-Messias morreu; tinha coração de boi e
não se cuidava.
-Na Rua Modigliani, antes de saltar do
táxi, agradeci pela corrida, e ele agradeceu também.
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