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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4011 Data:
22 de agosto de 2012
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SABADOIDO
DE PAUL A
PAUL
Há quinze minutos que eu conversava com
o Cláudio e nenhum ruído que denunciasse a presença do Daniel me chegava aos
ouvidos.
Será que foi convocado para trabalhar
também neste sábado?
Eu poderia dirigir esta pergunta ao meu
irmão, mas resolvi retardar uma resposta que seria decepcionante para mim.
Claudio previa os votos de condenação do
ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão, enquanto eu falava do
impedimento do ministro César Peluso em votar por causa da aposentadoria
compulsória.
A Gina, por quem eu passara, quando
rumei para a cozinha, apareceu diante de nós com uma piada sobre as dores de
coluna do ministro que falava de pé. Bem, Eça de Queirós escrevia de pé, mas
não foi o grande escritor que me veio à mente naquele momento e sim o Daniel,
que talvez estivesse dormindo. Mais uma vez, contive a minha curiosidade e nada
perguntei sobre o meu sobrinho.
De repente, a porta feita de uma chapa
fina de metal estrondou com fortes batidas.
-Você fechou a porta com o Daniel lá
fora? - reclamou o Cláudio da mulher.
Daniel, que abrira o portão com a sua
chave, encontrou nessa porta fechada um obstáculo para a sua passagem.
-Ainda bem que teremos um sábado, aqui,
mais alegre. - pensei com meus botões.
Mal a Gina desimpediu essa porta, meu
sobrinho apareceu na cozinha com suas facécias e com o cabelo cortado.
-Cortou com o irmão do Fonseca?
-Sim. - respondeu à mãe.
-Ele sempre corta mal.- criticou, como
criticaria até o Barbeiro de Sevilha.
-E o programa antivírus, Carlão?
-Sou analfabeto em assuntos de
Informática. A única coisa que eu sei é que não subscreveria as ações do
Facebook a 38 dólares, que hoje valem 19 dólares.
-Irei de tarde à sua casa para instalar
o programa. – prometeu.
Meu sobrinho foi ao seu quarto, enquanto
o diálogo mudava do julgamento do mensalão para a greve do funcionalismo
público.
-Você acha que a Dilma cede?
-Gina, se ela suportou porrada de
torturadores, você pensa que ela não vai aguentar a pressão de uns
sindicalistas que só pensam em encher mais os bolsos de dinheiro em detrimento
de outras prioridades do país?
-Mas ela deu com as línguas nos dentes
sob tortura no regime militar.
Sem desenvolver esse tema lançado pela
oposição acirrada do meu irmão, prossegui.
-Muitos grevistas do meu trabalho voltaram,
temem o corte do ponto e a obrigação de compensarem os dias parados.
-Carlão, o cybercafé está aberto. – anunciou o Daniel.
Diante da tela do computador, deparei-me
com uma mensagem do meu amigo virtual de nome ecológico, Evandro Verde, sobre
as chacretes com o título “O tempo é cruel”. Surgiram, primeiramente, as
garotas que dançavam no programa do Chacrinha exibindo a sua plasticidade em
roupas sumárias. Veio-me então à mente o Seu Eugênio, morador da Rua Chaves
Pinheiro, que não perdia um programa do Chacrinha apesar do Chacrinha. Na
passagem de uma imagem para outra, eu via, agora, as chacretes transcorridos
25, 30 anos; elas estavam tomadas pelas dobras da gordura, pelas rugas. Julguei
que não era só a passagem do tempo a culpada por aquela feiura, também
contribuiu uma vida sem freios, de entrega às tentações, como Dorian Gray.
Tirou-me dos meus pensamentos o meu
sobrinho, que anunciou sua caminhada pelas ruas do bairro.
Em seguida, o chamado insistente do
Vagner se fez ouvir; aliás, eu comentei, horas antes, com o Claudio a metralhadora
de ansiedade do Vagner, no portão,ao chegar, e ele me disse que o Souzinha,
cunhado do Luca era bem pior, disparava uns 20 Cláudios em 30 segundos.
Cliquei, agora, num vídeo que mostrava o
tsunami que adveio do último grande
terremoto no Japão filmado do céu. Uma tragédia de proporções bíblicas. Se algo
parecido ocorresse no Brasil, seria dada como concretizada a profecia de
Antônio Conselheiro, em Canudos: “O sertão vai virar mar e mar vai virar
sertão.”
Luca chegou pouco depois do Vagner e os
dois, juntamente com o Claudio, deram início a mais uma sessão do Sabadoido.
Do cybercafé
do Daniel, eu os escutava falando da festa de encerramento das Olimpíadas de
Londres, quando o nome do Beatle Paul McCartney foi citado.
-Veja, Claudiomiro, o nome Paul é
francês. Vê-se esse nome na França como Jean-Paul Sartre...
-Sim, mas há ingleses e americanos com o
nome Paul.
Se lá já estivesse, eu tentaria falar da
última invasão sofrida pela Inglaterra, em 1066, quando os normandos marcaram a
Inglaterra irremediavelmente com a influência francesa. Sem esquecer a St Paul’s Cathedral, monumental obra do
barroco anglicano, em que o arquiteto Christopher Wren pretendeu uma obra que
rivalizasse com a Catedral de São Pedro, em Roma. O provável, contudo, é que nada falasse se
lá já estivesse.
Quando cheguei à antiga garagem do fusca
da Gina, notei que o Luca estava preocupado, subindo num pedaço de concreto
para olhar para a rua.
-O que houve? – quis saber.
-O sujeito que vende mate colocou uma
mesa de escritório no meio da calçada, junto ao meu carro. – informou-me.
-Deixa para lá, Luca. – sugeriu meu
irmão.
Voltou-se à conversação e o assunto
passaria por outro Paul, o Paul Anka.
-Eu julgava que “My Way” fosse do Paul
Anka, mas foram dois franceses que compuseram essa canção.
-Luca, o Elio Fischberg lhe disse isso
quando o visitamos na sua casa.
-Não foi no hospital?... Porque o meu
médico tinha mania de falar em
Frank Sinatra e nessa música... Mas não importa!...
-Paul Anka fez a versão. - interveio meu
irmão.
E
o Luca retomou a palavra:
-O Frank Sinatra estava caído, bem por
baixo, quando gravou “My Way” e, então, ressurgiu.
-Luca, eu acredito que Frank Sinatra
ressurgiu com uma canção que vem sendo cantada pelo senador cassado Demóstenes
Torres, “Let me try again”. Canção, aliás, bem chatinha. - manifestei-me.
Claudio foi convocado para tirar a
dúvida, mas ele não demonstrou certeza sobre a música que relançou o cantor
Frank Sinatra ao sucesso. Mas não importa, porque ele, uma das personalidades
mais destacadas do mundo dos espetáculos, esteve caído, mesmo, foi na época em
que ficou enamorado da atriz Ava Gardner, quando tentou o suicídio.
-Cadê o garoto, foi trabalhar de novo no
sábado?...- demonstrou o Luca inquietação.
-Daniel foi caminhar. - disse o pai
dele.
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