------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5218 Data: 27 de
outubro de 2015
------------------------------------------
SABADOIDO
Estávamos na cozinha eu, Claudio e Daniel.
-Carlão, o que vai acontecer se a Dilma deixar o
governo?
-Os humoristas vão perder uma excelente personagem.
-Porque não dá para fazer graça com o Lula; eu não
aguento nem ouvir a voz dele. - entrou na conversa o Claudio.
-Ele só inspira humor ferino como o boneco Pixuleco.
Falando nele, você quer de presente de Natal, Daniel.
-O boneco ou o Pixuleco, Carlão?
-Carlinhos, você foi ao Guanabara?- era a Gina que
aparecia.
-É, Carlão, não basta ser pobre, é preciso ir às
compras no Guanabara no mês do aniversário, seu e do supermercado.
Meu irmão interveio:
-E o Carlinhos é pobre?... Está cheio de ações da
Petrobras e da OGX. - ironizou.
-Nunca apostei um centavo no Eike Batista; ele era
exibido demais para me passar confiança.
Como eu falara com seriedade, tentei retornar à
descontração:
-Eu vi, no Facebook, vídeos dos consumidores na
liquidação das Casas Guanabara...
-Consumidores, aquilo era uma nuvem de gafanhotos; por
onde passava sumia tudo.- interrompeu-me a Gina.
-Principalmente a cerveja... atacaram um engradado com
caixas de doze latinhas de Skol, que estava envolto em papelão, e não sobrou um
gole. Um casal chegou a encher dois carrinhos de compra com essas caixas.
-Um carrinho de cerveja para cada. - pilheriou o
Claudio.
-Não; eles depois vão revender em quiosques ou numa
dessas biroscas por 5 reais a latinha, 8. - previu a Gina.
-Tanta luta por uma bebida que mais parece mijo de
gato (voltei-me para meu sobrinho), não é?
-Eu não gosto de cerveja alguma. - garantiu.
-A Skol só desce bem estupidamente gelada num dia de
calor de 40º. - disse o Claudio com o penacho de entendido em cerveja.
-Mas outubro não é apenas o mês do meu aniversário e
das Casas Guanabara, também é do Pelé. Postaram no Facebook um retrato dele com
felicitações pelos seus 75 anos de idade. Caramba!...
E prossegui:
-Os internautas comentaram salivando ódio do Pelé. As
críticas mais ferozes foram pelo fato de ele não ter reconhecido a filha que,
para agravar ainda mais a situação dele, morreu.
-E ele foi safado mesmo. - rugiu a Gina que prosseguiu
com palavras tão duras quanto a dos internautas a que me referi.
-Ele ainda veio com aquela história de olhar pelas
criancinhas pobres. - reportou-se o Claudio à fala do Pelé, patrulhado pelas
esquerdas, quando chegou ao milésimo gol em 1969.
-Quanto a essa filha que ele não reconheceu, soube,
não garanto a veracidade, que ela era evangélica e passava todo o dinheiro que
ganhava para um líder espiritual charlatão.
-Nada, Carlinhos – reagiu a Gina com veemência – ele
não reconheceu a filha porque ela era filha dele com a empregada e Pelé só
admitia relacionamentos com mulheres brancas.
Claudio, que geralmente discorda da Gina (na verdade,
há uma implicância mútua no terreno das ideias) concordou com ela.
-Não dá para defender o Pelé, Carlão, a não ser num
confronto com o Maradona. - desviou o Daniel a sua atenção do smartphone
para entrar na polêmica.
-Para mim, os créditos do Pelé são tantos que cobrem
os seus defeitos. As duas maiores alegrias que tive com o futebol foram com a
Copa de 58 e 70, e a contribuição do Pelé foi fundamental.
-Ele se acha a oitava maravilha do mundo. - voltou à
carga o Claudio apoiados pela mulher e o filho.
Voltei na história.
-Em 1957, o Pelé, cedido pelo Santos, jogou pelo Vasco
contra o Belenense de Portugal e fez 3 gols na vitória de 6 a 1. Entrevistado,
endeusou-se a si próprio como faria ao longo da vida. Nélson Rodrigues, numa
crônica, aplaudiu esse endeusamento, porque ele não se mostrava como os
brasileiros, em geral, que são “narcisos às avessas, que cospem na própria
imagem”; e previu que Pelé seria o grande nome da Copa do Mundo de 1958, na
Suécia.
-E por causa disso não vai reconhecer a filha?... Só
vai casar com mulher branca? - não se sensibilizou a Gina.
-O Pelé já teve problemas financeiros, pois foi
roubado pelo procurador dele, o Pepe Gordo e nem por isso, fez propagandas de
cigarro, de bebidas...
Daniel aproveitou a deixa para imitar o Pelé no
comercial da Vitassay, que “dá uma forcinha” na hora do sexo.
Com o ambiente mais descontraído, reportei-me às
notícias atuais do futebol em que jogadores como Platini e Beckenbauer, este,
principalmente, se envolveram com corrupção na Fifa, o que não é o caso do
maior atleta do século.
-Estou vendo aqui – mostrou o Daniel o celular – o
Romário abraçado ao Pelé desejando-lhe parabéns pelos seus 75 anos. Ele não
disse que o Pelé calado é um poeta?
-Mágoas não são para se guardar. - disse-lhe.
-Pelé calado é um Shakespeare. - afirmou meu irmão.
-”Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar
que o outro morra.-”, escreveu Shakespeare. - citei.
-Pelé fez propaganda da Skol, Carlão?
Percebi que o Daniel estava de gozação e não respondi,
mas não fugi do assunto cerveja.
-O Pasquale Cipro Neto tratou, numa crônica, da
propaganda que diz “Skol, a cerveja que desce redondo”.
-Ela não desce redondo, Carlão?
-Ele disse que muita gente pensa que o certo é
redonda, porque a cerveja Skol é do gênero feminino.
-Redondo, nessa frase, não é adjetivo.
-Isso, Daniel; é advérbio de modo: a cerveja desce
redondamente ou redondo.
-O nosso idioma é terrível. - comentou o Claudio.
-O que eu critico no Pasquale Cipro Neto é ele exemplificar,
geralmente, com letras da música popular brasileira, como se os letristas
fossem especialistas no idioma.
-É para que os leitores entendam com mais clareza. -
disse a Gina.
-Nesse caso específico, há um exemplo ótimo em Machado
de Assis; um conto que ele intitulou “Suje-se Gordo!”
-O quê?... Ele mandou o Jô Soares se sujar?
Daniel conseguiu arrancar as risadas que queria.
-Não há vírgula aí; ele quis dizer “suje-se
gordamente.” Nesse conto, um sujeito, como jurado, condena um réu que furtou
uma ninharia; depois, esse mesmo jurado é réu de um desvio de uma quantia
elevadíssima. O primeiro foi condenado, e o segundo, absolvido.
-Sempre foi assim no Brasil: os ladrões de galinha é
que vão para a cadeia. - manifestou-se a Gina.
-Esse conto do Machado de Assis retrata bem a
impunidade no Brasil. Há um trecho em que ele escreve: “Quer sujar-se? Suje-se
gordo!”
-E o Pasquale Cipro Neto me vem com letra de música. -
concluí.
-Sujar gordo é com o Lula. - disse meu irmão.
-No caso dele, é obesidade mórbida. - alfinetou a
Gina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário