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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5211 Data: 15 de
outubro de 2015
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SABADOIDO
-Carlão, lembra quando você foi multado por excesso de
velocidade no Túnel Rebouças?
-Claro que me lembro; havia vários carros ladeando o
meu, de repente, um flash. Notei que todos os carros foram ficando para
trás.
-A notificação da multa veio com a fotografia, bem
nítida, do seu FIAT com o número da chapa. Lembra isso, Carlão?
-Lembro; você aproveitou e fez uma montagem no
computador: eu recebendo a bandeirada e a Ferrari do Schumacher atrás de mim.
-Eu não poderia perder a deixa, Carlão.
-Você zombava muito dos seus conhecidos pelo
computador, agora, então, com o Facebook para divulgar...
-Eu tenho que zoar, Carlão. O que eu sofri quando o Fluminense
caiu para a 2ª divisão e, depois para a 3ª... A minha vingança é maligna.
-Eu me lembro de um jogo em que o Flamengo perdeu de 4
para o Palmeiras e você colocou uma gargalhada estridente de um porco, que é o
símbolo palmeirense.
-Eu vou lhe explicar, Carlão. - Daniel e, agora,
atuava como professor de uma comédia.
-No campeonato brasileiro de 2004, o Palmeiras meteu 4
a 0 no Corinthians. Os torcedores colocaram no e-mail a figura de um porco
soltando uma tremenda gargalhada com a camisa do Corinthians. O que fiz eu?
Arquivei esse vídeo, faço uma montagem, mudando a camisa para Flamengo, Vasco e
Botafogo, e, quando eles levam de 4, solto no Facebook.
-Derrota do Fluminense, nem pensar, não é Daniel?...
-Mas não é só isso: eu tenho um saco de gozações
arquivadas no computador e posto no Facebook no momento certo; e não é só sobre
futebol, não.
-Eu sei Daniel, eu sei... já comprovei várias vezes
que o seu repertório de maldades sobre os mais diversos assuntos é inesgotável.
-Maldades, Carlão?... - fingiu perplexidade.
-E gozações com versos, Daniel?
-Ninguém mais é poeta, Carlão, todos, agora, são
internautas.
-Eu sei. Se alguém for caçoar de outro com versos,
passa de atiradeira à vidraça.
-É verdade. - citou um dos seus bordões.
-Mas, Daniel, no futebol, se gracejava com rimas. “É
canja, é canja/ É canja de galinha?/Arranja outro time / Pra jogar na nossa
linha”.
-Há muitos anos
que os torcedores não cantam isso. Eles fazem rimas com palavrões, quanto mais
cabeludos melhor.
-Mas isso não é gracejo entre torcedores, é grosseria.
- assinalei.
De repente, os olhos do meu sobrinho faiscaram.
-Recordo-me agora, Carlão, de versinhos de torcedores
sem palavrões. Lembra quando o Flamengo tinha o ataque com Sávio, Romário e
Edmundo, que os rubro-negros afirmavam
que era o maior ataque do mundo?
-Claro, década de 90, eles jogaram contra o Vasco e
perderam, e não foi de pouco. “Maior ataque do mundo/maior ataque do mundo/
para um pouquinho, descansa um pouquinho/ Sávio Romário, Edmundo.” - cantaram
dezenas de milhares de vascaínos no velho Maracanã.
-Carlão, essa é a versão oficial; os torcedores do
Vasco cantaram assim: “Maior ataque do mundo/maior ataque do mundo/ joga um
pouquinho, cheira um pouquinho/ Sávio Romário, Edmundo.”
-Seja como for, Daniel, foi, talvez, o último momento
de inspiração dos torcedores de futebol.
-Se você fala de inspiração poética, talvez.
-Antigamente, faziam-se muitas gaiatices em versos,
mesmo quando o assunto era sério, quase trágico. Exemplo: O jornalista e
romancista Pardal Mallet se desentendeu com o Olavo Bilac e os dois duelaram.
-Alguém morreu?
-Pardal Mallet saiu ferido na barriga pelo florete do
poeta. Fizeram, então, uns versinhos.
-Recita aí?
-Daniel, eu nunca mais vi esses versos; sei que
terminava com um trocadilho infame. Era mais ou menos assim: “Mallet, como
águia/ Quis voar/ Voar; pois é... / Pardal mal é.”
-Eu mostraria no Facebook um pardal espetado servido
numa bandeja... sei lá, talvez eu bolasse outra imagem.
-Nessa questão, sempre fui antiquado, se assim querem me
rotular. Eu fazia as gozações em versos, geralmente, redondilhas maiores. Você
estudou isso no ensino médio, não foi?
-Sei; redondilhas maiores são versos com métrica de
sete sílabas; e as redondilhas menores, cinco sílabas.
-Na faculdade, eu escrevi versinhos que retratavam
vários professores. Na nossa festa de formatura, pediram-me que fossem lidos.
-E você leu?
-Não, porque eu não tinha bebido o suficiente. Não
consigo ser o centro das atenções, sóbrio, ainda mais numa festa.
-Com todo o mundo bêbado, é fácil, Carlão.
-Daqueles versos todos, só me lembro, hoje, da
quadrinha que fiz sobre o Armênio, nosso professor de Econometria, que falava e
ninguém entendia nada. Não havia fonoaudióloga que desse jeito nele. Aqui, vai
a quadrinha:
“Na Armênia, foi esfolado
O santo Bartolomeu.
Eu também sou santo: o Armênio
Esfolou co' o nervo meu.”
-Não está ruim, Carlão.
-Havia um colega de serviço, na Marinha Mercante, que
era homossexual...
-Homossexual, Carlão?
-Contam que ele, no carnaval, saiu de pareô calçando
sandálias Karina. A turma gritou bicha e ele contra-atacou: “Isto é para quem
tem dinheiro”. Prosseguindo: ele contava feliz da vida, para nós, um seu caso
com o filho de um médico, ortopedista muito famoso nos anos 50, 60, creio que
nos anos 40 também. Quando eles romperam, esse nosso colega dava pena.
-Entrou numa depressão profunda?
-Isso, Daniel. Depois de muito sofrimento, ele se
enamorou de um engenheiro do DNER, hoje DNIT.
-Ele, então, deu uma repaginada no visual.
-Eu, assistindo ao drama dele, escrevi uns versos que
guardei de cor apesar de tantos anos terem se passado. Aqui vão eles:
“Com alegria de menina,
Calçou sandália Karina
E gritou todo faceiro:
“Isto é pra quem tem dinheiro”.
Querendo corpo de atleta,
Recorreu a uma dieta:
Vivia comendo aqui
Rodelas de abacaxi.
Mas não se sabe o porquê
Entrou em fase deprê;
Não estava mais risonho,
Tudo lhe era enfadonho.
Cabisbaixo e abatido,
Vivia o que tinha sido.
Tomado pela apatia,
Não vivia o novo dia.
Sua expressão era amarga,
Parecia que uma carga
Grande, de causar assombros,
Carregasse nos seus ombros.
Mas, então, tudo mudou,
Um novo amor encontrou.
Agora, saltita em festa,
Como Bambi na floresta.”
-Carlão, são precisamente vinte e quatro versos.
-O número exato, Daniel, o número exato.
-É isto aí.
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