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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

2743 - o sindicalista agitador


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4993                                       Data: 26  de  novembro de 2014

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COUTINHO, SEM PELÉ, NO RÁDIO MEMÓRIA

2ª PARTE

 

Com a ausência do Sérgio Fortes, lá estava o Simon Khoury, mas com a presença dele, também estaria. O apresentador do “Noturno”, da extinta Rádio Jornal do Brasil, não se prende a essas formalidades.

Jonas Vieira trouxe, como convidado, uma personalidade que tem de ser mais conhecida, como vimos no desenrolar no programa: Jorge Coutinho. Este lembrou, primeiramente, o que o trio que lá estava fizeram na Roquette Pinto, levando a emissora ao terceiro lugar em audiência.

Foi interrompido por uma reminiscência do Simon Khoury:

-Eu e o Jorge Coutinho nos aventuramos a trabalhar na peça “Os Rapazes da Banda”; eram oito viados. Logo no primeiro ensaio, gritaram “Fora”para nós e nos aconselharam um curso na Socila para aprendermos a ser viados.

-Você aprendeu rápido. - disse-lhe o Jonas Vieira.

-Nós tínhamos de imitar o Jonas. - devolveu o Simon Khoury.

A peça, que era estrangeira, seria proibida no Brasil.

-Oito viados, hoje, seriam a glória. - contextualizou o Jonas Vieira.

Depois, o titular do programa informou que o seu convidado é presidente do Sindicato dos Artistas.

-Já estou no terceiro mandato.

-É um agitador, no bom sentido, cultural.  No teatro Opinião, o Jorge Coutinho comandou um programa de grande repercussão. - assinalou o Jonas Vieira.

-Foram mais de onze anos no Teatro Opinião. - suspirou saudoso.

Citou dois ou três companheiros que saíam da UNE para o Teatro Opinião e prosseguiu:

-Nós demos uma guinada, unimos a zona norte, os compositores populares, com a zona sul. Quando escuto a Maria Betânia, eu me pergunto: Quem diria que ela surgiu no Teatro Opinião. Ela cantava “Carcará”, do João do Vale, e eu lhe aconselhava a colocar um lápis na boca para que a sua dicção fosse perfeita.

Neste momento do depoimento do Jorge Coutinho, ocorreu-me que eu guardava rolhas de garrafas de vinho para a minha sobrinha que, trabalhando como fonoaudióloga, pedia que seus pacientes falassem com elas entre os dentes. Demóstenes, que era gago, se tornou o maior orador grego treinando com pedras na boca. Mas isso é outra história. Maria Betânia colocava dois erres nas palavras com um só e punha quatro nas que tinham dois.

-Quem diria que o Cartola foi muito mais gravado no Teatro Opinião. O Zé Keti, que deu nome ao teatro...

E Jorge Coutinho, entusiasmado, pôs-se a trautear: “Podem me prender/ podem me bater/ que eu não mudo de opinião...”

Listou mais artistas:

-João do Vale, Nélson Cavaquinho, Ademilde Fonseca... tanta gente boa.

-Foi lá que eu ouvi, pela primeira vez, o Lupicínio Rodrigues. - interveio o Jonas Vieira.

-Ele vem ao Rio com o patrocínio da Última Hora. Não tínhamos dinheiro para bancar a passagem dele.

-Justamente, e eu fui fazer a matéria sobre o Lupicínio Rodrigues para a Última Hora. Eu era repórter da Última Hora.

Jonas Vieira se entusiasmou com as recordações.

-Eu fui o primeiro a entrevistar a Maria Betânia; ela chegou para substituir a Nara Leão.

-A Nara ficou dodói, entraram a Odete Lara, a filha do Vinícius de Moraes, e não dava certo... Há um retrato meu com a Nara Leão no corredor da Roquette Pinto que estou louco para achar.

Da suavidade vocal da musa da Bossa Nova, Jorge Coutinho voltou ao que chamou de vozeirão da Maria Betânia.

Como a memória do Jonas Vieira estava bem afiada, interrompeu seu convidado.

-Era uma tarde de quinta-feira, chovia à beça, quando eu entrevistei pela primeira vez a Maria Betânia.

-Faria hoje? - o tom do Simon Khoury era de quem estava sisudo.

-Hoje, ela é inalcançável. - disse o Jonas.

Ainda bem – pensamos nós do Biscoito Molhado. A sisudez do Simon Khoury persistia.

-Ela não tem nada para dizer.

A palavra retornou ao convidado do programa:

-Eles ficam famosos e esquecem. Jorge Aragão, ao contrário, num programa de televisão, falou de mim. Eu nem me lembrava mais que fiz shows com ele no Teatro Rival. O Zeca Pagodinho também reconhece a gente. Ele aparecia de bermuda, canela fina, com um copo de cerveja, ao meio-dia, para um show que começava ao meio-dia. Mas há artistas, por exemplo, que dizem não conhecer o Simon Khoury e cansaram de pedir especiais a ele para serem entrevistados.

De novo o Simon Khoury:

-Suely Franco, Toni Ramos, Fernanda Montenegro... grandes artistas que são palpáveis, que falam com você. Eu não tenho a menor vontade de entrevistar essa senhora que tem de botar um lápis na boca...

-A Betânia chegou muito dura, ele veio direto da Bahia para cá. São coisas da vida. Foi no Teatro Opinião que muitas coisas boas aconteceram:. Candeia, Clarinha Nunes, Leci Brandão. Eu tenho orgulho disso.

Foram momentos que o agitador cultural não podia deixar cair no esquecimento:

-Virou um filme e eu, que era sempre contra os Estados Unidos, fui a um festival em Nova York e fiquei fã dos Estados Unidos, quero voltar sempre. Passaram lá o filme, foi uma coisa fantástica. Muita gente fazia pergunta, queria saber o que era aquilo.

-Os americanos são extraordinários neste sentido, querem saber de tudo.- aflorou a admiração do Jonas Vieira pelo grande país do norte.

-Jorginho, vamos ouvir um pouco de música? - propôs.

Simon Khoury tinha sido escalado como discotecário, o seu ponto forte.

-Eu trouxe uma gravação de 1963, do Henry Mancini, de um fox de Duke Ellington.

Ao pronunciar o nome do fox, Simon Khoury arrancou gargalhadas.

-Isso é japonês. -  zombou o Jonas Vieira do inglês macarrônico do discotecário.

Reinou, por minutos, absoluta, a música.

-”C Jam Blues” - identificou o Jonas Vieira o nome da composição e prosseguiu:

-Quando ouvi, pela primeira vez, Duke Ellington, fiquei deslumbrado; o mesmo aconteceu quando ouvi Beethoven. Ele sempre foi meu ídolo. Simon Khoury, você está de parabéns.

-Eu e o Jorge Coutinho.

 Voltou-se para o seu convidado:

-Jorge Coutinho, como vai o sindicado?

-Está bem; nosso secretário é o Mílton Gonçalves. A sede é nossa, conseguimos pagar por ela. É bom a garotada se sindicalizar, o telefone é 2220 8147. O sindicato fica na Alcino Guanabara, em cima do Teatro Dulcina, 18º andar, a partir das 11h. Temos dentistas, fonoaudiólogos, clínica geral, Ruth Cardoso é a nossa diretora; há muita gente boa.

E arrematou:

-Eu tenho responsabilidade com os 76% dos votos que recebi.

 

 

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