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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5006 Data: 19 de dezembro de 2014
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REMINISCÊNCIAS DA MARINHA MERCANTE
A manchete dos jornais de hoje de todo o
mundo, o reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, me
conduziu às recordações do meu trabalho na Marinha Mercante.
No início da década de 80, um colega
nosso atendeu um telefonema e, em seguida, se dirigiu aos demais, preocupado:
-Um exportador tem carga para Cuba e
quer saber quais as embarcações brasileiras que fazem transporte para lá. Ele
disse que é urgente, pois está para fechar o negócio com os cubanos em poucas
horas.
-Ô
rapaz, o Brasil não tem relações com Cuba, isso é trote. - alertamos.
Às vezes, havia fogo amigo, ou seja,
trote entre nós mesmos. Uma ocasião, colocaram o seguinte recado na mesa da
secretária do almirante Luiz da Motta Veiga, o então chefe do Bureau de Fretes:
“o almirante pediu para telefonar com urgência para dona Ema solicitando dados
sobre sua próxima viagem”. Acompanhando essas palavras o número de um telefone
que era do Jardim Zoológico.
O Bureau de Fretes tinha um arquivista
que, de tão “eficiente” recebeu o codinome de “Arquivo Morto”. Certa vez, em reunião, na sua sala, com
vários representantes estrangeiros das conferências de fretes, Motta Veiga entreabriu
a porta e pediu ao Arquivo Morto o exemplar de setembro de 1978 da revista Maritime
Research.
-Maritime o quê? ...
A pergunta ficou no ar porque,
imediatamente, o almirante fechou a porta, voltando à reunião.
Arquivo-Morto coçou a cabeça e pegou o porta-fichário
que se achava sobre um armário. Coçou a cabeça pela segunda vez e pôs a correr
as fichas pelos dedos trêmulos, enquanto balbuciava a letra “M”. Eis que o
porta- fichário, para o seu estupor, falseou nas suas mãos e foi de encontro ao
solo. Soltou um palavrão e vendo as fichas com a ordem alfabética desfeita,
xingou de novo.
Quando o Arquivo-Morto coçou a cabeça
pela sexta vez, o almirante Motta Veiga abriu a porta e lhe disse:
-A reunião acabou; não precisa mais.
Saltando alguns anos, chegamos ao
Departamento de Marinha Mercante, um dos muitos nomes que a SUNAMAM recebeu
depois que foi extinta pelo Plano Verão do governo Sarney em 1989.
Paulo Octávio de Paiva Almeida, mais
conhecido pelas iniciais do seu nome – POPA – era o Coordenador-Geral de
Transportes Marítimos, CGTMAR. Os cultivadores do humor cáustico o chamavam à
sorrelfa, afinal, ele era o chefe, de “Orca, a baleia assassina”, porque era
gordo e agressivo. Com o passar dos anos, ficou menos agressivo e mais gordo,
mudando, por isso, de status, agora é “Jubarte Encalhada”.
Mas não é de hoje que vamos tratar, e
sim da Copa do Mundo de 1998 na França. Foi elaborado um bolão que abrangeu
essa Copa do jogo inaugural à decisão, foram aceitas apostas pecuniárias não só
dos funcionários da CGTMAR como dos seus parentes (filhos e pais). A cada
partida encerrada, o programador do bolão acionava bits e bytes e
saía uma nova lista com a colocação dos apostadores que buscavam o primeiro
prêmio (até o terceiro lugar, tinha-se direito ao valor rateado.
Essa lista era afixada junto à ombreira
da porta da cozinha no caminho para a sala do chefe. Com isso, todas às vezes
que alguém passava pelo corredor, dirigindo-se para lá, ouvia a pergunta:
-Qual o bolão que você vai ver?
Quando o POPA perdeu o cargo, foi de
servidor a servidor se despedir; quando me abraçou, cochichou-me no ouvido: “Eu
adorava o Biscoito”. Não aludia, certamente, ao Biscoito Molhado, porque tem
zero de caloria.
Substituiu-o o Dieckmann que, comparado
com a corpulência do seu antecessor, era, no máximo, robusto.
Dieckmann apresentou, como cartão de
visitas, um pacote de medidas: reuniões todas as segundas-feiras, às 8h 30min
da madrugada (para muitos). E mais: quem se atrasasse seria recepcionado com
uma tremenda vaia, inclusive ele. Muitos passaram a chegar cedo com a esperança
de vaiar o próprio Dieckmann, mas, morador de Sana Teresa e tendo o relógio da
Central do Brasil como despertador (do seu quarto de dormir se avistava o dito
cujo), não se atrasava nunca, mesmo que o mencionado dito cujo falhasse, o que
acontecia a toda hora.
Como entrou no nosso ambiente sem
conhecer os seus subordinados, pôs em prática ideias inovadoras que poderiam
provocar tragédias, como a que descreveremos no parágrafo seguinte:
-Numa reunião, para que todos os
presentes pudessem meditar sobre as melhores medidas para ativar o
funcionamento do órgão, no caso, burocrático, pediu que se apagassem as luzes
durante dez minutos. “Minha Nossa Senhora!” Temi, quando tudo foi iluminado,
ver colegas com gargantas cortadas e com punhais cravados nas costas.
Em outra reunião, Dieckmann nos ensinou
a respirar, argumentando que, com uma má respiração, a fala sai entrecortada, o
que prejudica a comunicação, não só no trabalho como na vida social. Assim,
fez-nos pôr a mão na barriga para levantá-la, quando inspiramos e descê-la ao
expirarmos. Mesmo respirando pelo diafragma, o pessoal continuou sem se
entender.
Já estávamos na ANTAQ quando o Natan
caiu estatelado no chão. Antes, uma pequena introdução para melhor compreensão
dos leitores.
Bresser Pereira, ministro da
Administração do governo FHC, seguindo o modelo de países mais avançados, criou
as agências no Brasil. Fomos, então, do Departamento de Marinha Mercante para a
ANTAQ. Lá, nos primeiros meses de 2002, apareceram uns doze terceirizados,
supostamente com qualificação, que nós chamávamos de “Homens de Preto”, do
filme MIB – Men In Black.
Natan, que estudara no Pedro II, no
Colégio Naval, Escola Naval, vivera anos e anos nos Estados Unidos, talvez
fosse o mais capacitado dos Homens de Preto, porém, as vicissitudes da vida,
que o levaram a se entupir de remédios, danificaram a sua lucidez.
Numa manhã, sentado à sua mesa, engrolou
as palavras, despencou da cadeira e foi ao chão. Depois do “Deus nos acuda”,
constatou-se que sofrera uma queda da pressão arterial.
-Bem pior foi a queda do índice da bolsa
de Wall Street, perdi quase tudo. - diria ele, após o desmaio, à reportagem do
Biscoito Molhado.
Com alguma dificuldade, era corpulento,
foi levado para a saleta mais próxima, onde permaneceu deitado, à luz de boate,
até a sua pressão se normalizar.
Nesse ínterim, seus colegas relaxaram e
o relaxamento foi tanto, que começaram as piadas, que o Natan, com aquela
barriga descomunal, estava grávido. Daí, surgiu uma dúvida: qual era a conjugação do verbo parir na primeira
pessoa do presente do indicativo; uma metade garantia que era “eu paro”, a
outra, discordava. A Internet foi descartada como fonte de consulta,
lembraram-se, então, do Houaiss, mimo que agraciou o Dieckmann nas festas do
fim do ano 2001.
Dieckmann era, agora, gerente-geral de
Outorgas, colocou o dicionário sobre uma mesinha da sua sala e avisou que ele
estava franqueado a todos que quisessem consultar as suas páginas. Precisou o
desmaio do Natan para que houvesse a primeira consulta depois de tanto tempo.
Como sofremos no dia a dia com a
canícula do verão que se avizinha, vale relembrar o Barão (ele era a cara da
cédula de 1000 cruzeiros). Barão era ascensorista do prédio onde se localizava
a SUNAMAM na década de 80. Um dia, subíamos no elevador dele, suando por todos
os poros, quanto um passageiro afirmou com convicção: “Adoro este tempo”.
Assim que saltou do elevador, o Barão
comentou em voz alta:
-”É pobre até no gosto.”
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