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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

2747 - Insensatez multifacetada


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4997                                            Data: 04  de  dezembro de 2014

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RÁDIO MEMÓRIA DIA 30 DE NOVEMBRO

PARTE II

 

Falando sobre o filme argentino “Relatos Selvagens”, Sérgio Fortes foi chamado pelo titular do Rádio Memória de volúvel. Ele, como se estivesse no palco do Teatro Municipal e não no Estúdio Jonas Vieira, pôs-se a cantar a ária mais famosa do Rigoletto, de Verdi:

“La dona é mobile

qual piuma ao vento,

muta d' accento e de pensiero.”

A tradução simultânea saía da boca do próprio tenor, o que comprova o que dizem seus amigos: possui talento multifacetado. (*)

-A mulher é mutável como uma pluma ao vento, muda de ideia, de pensamento...

Um pouco mais adiante, quando o Jonas Vieira revelou que a Doris Day era a sua cantora preferida, ele devolveu:

-Jonas, eu tenho aqui um levantamento do que você disse sobre os seus favoritos: cantoras são 126, e cantores, 132.

Há entre esses dados e os colhidos pelo instituto de pesquisas Data Biscoito uma pequena discrepância; são 543 as suas cantoras preferidas, e 87, os cantores.

Esquecemos, mas nunca é tarde para acertar as coisas, o Homem-Calendário informou que 30 de novembro é o Dia do Síndico.

-Do cínico?!...

Bem, se o síndico também foi eleito com a propina da Petrobras, o Jonas Vieira não ouviu mal.

A primeira atração musical desse domingo coube ao Sérgio Fortes que, antes de soar a primeira nota de “The Way You Look Tonight”, de Dorothy Fields e Jerome Kern, enalteceu o Fred Astaire.

-É o supercantor entre os não cantores; afinadíssimo, uma voz peculiaríssima.

Sérgio Fortes teria usado mais superlativos do que José Dias, personagem do Dom Casmurro, de Machado de Assis, se o Peter não tivesse movido as carrapetas e colocado a gravação no ar.

Embevecido, Jonas Vieira traduziu trechos da letra.

-O Jerome Kern mostrou à Dorothy Fields a música que havia colocado na sua letra e ela chorou copiosamente. - manifestou-se o Sérgio Fortes.

Jonas Vieira escolheu a segunda atração:

-Hermínio Bello de Carvalho uniu Sílvio Caldas e Elizeth Cardoso, e nós vamos ouvir com eles, de Ataulfo Alves “Tristezas Não Pagam Dívidas”.

Desculpem a nossa falha técnica. - diria o Cid Moreira - mas não era ele, e sim o Jonas Vieira, quem pediu desculpas pela troca do Sílvio Caldas pelo Ismael Silva.

-Na empolgação, eu me enganei. A gravação é de 1971, feita na Avenida Rio Branco; foram dois CDs maravilhosos do Sílvio Caldas com a Elizeth Cardoso.

Sérgio Fortes voltou, musicalmente falando, para os Estados Unidos.

-Jonas, quando lançaram o disco “Duetos” do Frank Sinatra, eu entortei o nariz, pensei que fosse uma coisa meio comercial... Vamos ouvir primeiramente ele com a Natalie Cole em “They Can´t Take That Away From Me”.

Peter acionou as carrapetas e veio a música anunciada.

-Jonas, o Frank Sinatra já havia morrido quando fizeram este CD de duetos. Eles juntaram as gravações; não é a mesma orquestra, os músicos não são os mesmos... Fizeram uma mixagem em que você não percebe as emendas.

-Muito depois da morte do Nat King Cole saiu uma gravação da Natalie Cole cantando com o pai. - lembrou o Jonas.

Em seguida, saiu do terreno musical para entrar nas páginas policiais:

-Um absurdo: a casa do Zelito Viana foi outra vez assaltada.

Sérgio Fortes aparteou e falou de um amigo, já falecido, que morava em frente da casa do cineasta, que lhe dizia, vinte anos atrás, que assaltaram a casa do Zelito Viana. Quando Sérgio Fortes revelou o nome desse amigo, Skipper, lembrei-me logo dele e do seu pseudônimo, Tio Frank (**). Ele enviava mensagens eletrônicas para nós, seus sobrinhos, às vezes com conselhos, como, para exemplificar,  o e-mail com a notícia que o leite de soja provocava danos à masculinidade. “Sobrinhos, cuidado com o leite de soja. Tio Frank”.

Jonas Vieira investiu contra a estrutura da sociedade brasileira em que os assaltantes presos logo são soltos por advogados de porta de xadrez, por chicaneiros.

-Eles são soltos para assaltar de novo e matar; e os policiais, que são mal vistos, ficam enxugando gelo. - bradou.

Voltou para a música.

-Se alguém ouviu falar em Francisco Matoso...

Esperei que Jonas Vieira dissesse “eu dou um doce”, mas ele parou a frase no meio.

-Sei que é cantor de uma seresta do disco do meu pai.

-O Francisco Matoso é um emérito compositor que deu ao Sílvio Caldas uma das coisas mais lindas do cancioneiro do Brasil.

E prosseguiu:

-Mente ao Meu Coração”, que o Sílvio regravou com a Elizeth. Escutem.

Depois da audição, declarou:

-Isso é do tempo em que havia cantores no Brasil, porque músicos, têm. 

Antes da “Pausa para Meditação” do Fernando Milfont, Jonas Vieira agradeceu o presente que recebeu do cronista:

-Depois de anos e anos de pão-durismo, ele me deu um presente: uma garrafa de uísque; e não foi só isso, um chá de hortelã inglês.

-Foi um projeto integrado: hortelã depois do uísque.

E acrescentou o Sérgio Fortes:

-Uísque tomado de uma talagada só.

Jonas Vieira, dizem os seus companheiros de copo, citados quando o convidado do programa foi o Jorge Coutinho, não bebe uísque como os cowboys do cinema, degusta. Mais uma prova que, nesse domingo, Sérgio Fortes estava com a veia satírica estufada.

Meditou-se, pela locução do José Maurício, sobre a alma e o espírito, o que levou o Jonas Vieira, na hora dos comentários após a pausa, a citar “A Alma Imortal”, do rabino Nilton Bonder, livro que considera fundamental.

Volta a parte musical tão ansiada pelos ouvintes, ainda mais que a cantora era a Kiridinha Te Kanawa do Sérgio Fortes.

-Trago um disco em que Kiri Te Kanawa interpreta músicas de Michael Legrand. É um compositor razoável esse tal de Michael Legrand; obra pequena, apenas 200 trilhas sonoras para o cinema; canções?... poucas, acima de 1000.

-Um compositorzinho. - concordou o Jonas.

-”I Will Say Good Bye”, uma música linda que a Kiri abraçou e passou a cantar sistematicamente, porque ela está deixando a carreira, e esta música é uma síntese da artista.

A voz melíflua da Kiridinha de todos nós reinou absoluta naquela manhã.

-E você, Jonas?

Jonas Vieira escolheu o bolero “Quizás, Quizás, Quizás”, de Osvaldo Farrés, com um cantor mexicano que nem o Google sabe quem é. Assim sendo, só Deus sabe, mas Deus se encontrava em Búzios cometendo infrações no trânsito e a nossa reportagem não pôde consultá-lo. Mas passemos a palavra para o titular do Rádio Memória.

-Vamos ouvir esse bolero com o cantor mexicano, desconhecido no Brasil, José Mijares.

Após a audição, Jonas Vieira prosseguiu:

-Hoje, amanheci com vontade de ouvir “Quizás, Quizás, Quizás”, ouvi, então, em casa, com a Doris Day.

Sérgio Fortes citou a gravação do Nat King Cole, que todos conhecem.  Com todo o espanhol macarrônico do cantor de técnica insuperável, é bem melhor do que “Perhaps, Perhaps, Perhaps”. Depois, anunciou a sua escolha:

-Para não dizerem que não apresentei Cole Porter, “Easy To Love”, com a orquestra de Ray Noble.

Agora, o Jonas Vieira:

-Eu tenho duas cantoras preferidas: Carmen Miranda e a deusa Doris Day. Ela vai cantar “Corcovado”, de Tom Jobim.

Um paradoxo: Doris Day, que sofreu o diabo com a neurastenia dos seus maridos (foram quatro), possuía uma das vozes mais relaxantes da história da música, voz de acalmar até os crocodilos do Nilo. Seus maridos deveriam ter ouvido seus discos.

 -Ela é a sua queridinha, não é, Jonas?

-Fico todo escamado. - brincou.

-Eu vou de Gregorio Barrios: “Mira Que Luna”.

Depois de os ouvintes mirarem a lua, Jonas Vieira se desgarrou do campo musical.

-Dormir nu faz bem a saúde. Eu descobri isso há uns meses, e, agora, os cientistas confirmaram com um estudo que diz fazer bem ao coração e trazer outros benefícios.

Sérgio Fortes, que é um radical, aparteou:

-Vou passar a andar nu pelas ruas.

Pelo menos com uma folha de parreira, Sérgio.

-Para encerrar o programa de hoje: Doris Day.

-É uma paixão. - provocou o Sérgio Fortes.

 -”Insensatez”, de Tom Jobim, na voz da nossa deusa, encerrou o Rádio Memória do dia 30 de novembro de 2014.

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO informa: o próprio Sergio Fortes, em atividade literária, antes dessa fase radiofônica, cunhou a frase – talentos multifacetados terão sérias contas a ajustar no Juízo Final. Credo!

 

(**) Trata-se de um caso extremamente peculiar: o pseudônimo do pseudônimo. Praticamente um pseudônimo neto, ou sua derivada segunda. Que coisa!

 

 

 

 

 

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