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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

2748 - a vapor


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4998                                            Data: 06  de  dezembro de 2014

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140ª  VISITA À MINHA CASA

PARTE I

 

-Pretendia voltar a esta vida aquém-túmulo em 1986 – disse-me Mark Twain logo que surgiu à minha frente.

-Já sei, por causa do cometa Halley.

-Vim com ele e, com ele, parti.

-O filme que fizeram sobre sua vida salientou o que pôde essa sincronia cósmica entre você e o cometa.

-Então, realizaram um filme sobre mim? Quando eu morri, em 1910, o cinema ainda engatilhava com aqueles atores mudos.

-Mas, em 1945, ele já corria o mundo. Na sua biografia em celuloide, um excepcional ator o personificou, quando adulto e idoso, Fredric March.

-O garoto Samuel Clemens viveu em mim por toda a minha vida.

-Ah, sim; o Mark Twain foi o pseudônimo que escolheu para escrever as suas histórias.

-Meu verdadeiro nome ficou praticamente esquecido. Mark Twain, no jargão dos barqueiros do Mississippi significava “duas marcas” na medição da profundidade do rio.

-Você o usou pela primeira vez quando escreveu a história da corrida de sapos a dinheiro?

-História verídica; houve fraude, eu e o dono do sapo em que apostei fomos lesados por patranhas do proprietário do ganhador e exigimos uma nova disputa. Pus tudo isso no conto The Celebrated Jumping Frog of Calaveras County.

-Como trabalhador, você começou como tipógrafo.

-Meu início foi, na realidade, como aprendiz de gráfica, a tipografia veio depois. Meu pai se foi, devido a uma pneumonia, quando eu tinha 12 anos de idade, e fui à luta.

-Você, pouco depois, escrevia artigos e textos humorísticos para o Hannibal Journal, que pertencia ao seu irmão Orion.

-Isso até os 18 anos; deixei a minha pequena cidade Hannibal e fui trabalhar como tipógrafo em Nova York, Filadélfia, Cincinatti e Saint Louis.

-Você trabalhava todos os dias?

-Não, nos fins de semana, eu frequentava as bibliotecas públicas e lia tudo vorazmente. Creio que, numa escola convencional, eu não aprenderia tanto.

-Quando você retornou ao seu estado natal?

-Voltei para o Missouri com 22 anos de idade.

-Você amava o rio Mississippi desde guri, quando brincava com seus amigos Tom Sawyer, Huckleberry Finn e Jim, este um menino escravo. Amava tanto os barcos a vapor que transitava neles, que, contrariando os desejos da sua mãe viúva, largou seu trabalho de aprendiz de pintor para pilotar um desses vapores.

-Não foi exatamente isso que aconteceu. - contestou.

-Narrei trechos do filme a que aludi, mas Hollywood sempre edulcora a realidade.

-Meu sonho era, de fato, conduzir um barco a vapor pelo meu amado Rio Mississipi; para tanto, depois de voltar para o meu estado, pus-me em ação para concretizar esse sonho. Estudei cada metro dos 3.200 quilômetros de extensão do rio, durante dois anos e recebi a minha licença de piloto em 1859.

-Li que não era um mau salário para um rapaz de 24 anos: 72.400 dólares anuais.

-Fazer o que gosta e ainda ganhar para isso, é o melhor dos mundos, no entanto, não foi, porque topei com uma tragédia.

-O seu irmão caçula Henry?...

-Eu o convenci a seguir a mesma profissão minha. Eu consegui uma vaga de ajudante para Henry, no Pennsylvania,  o barco a vapor e, num fatídico dia, meu irmão morreu.

-Foi uma fatalidade. - tentei consolá-lo.

-Enquanto vivi, carreguei esta morte na consciência, mas não consegui largar a pilotagem pelo Mississippi.

-Então, Mark Twain, chegou a Guerra Civil Americana.

-Tive de lutar do lado dos Confederados porque o Missouri era um estado escravagista. Esta guerra, porém, não me motivou. Eu, com alguns amigos de farda, deserdamos da companhia mal transcorreram duas semanas. Escrevi sobre isso no ensaio The Private History of a Campaign That Failed.

-E o que você fez nessa situação difícil?

-O meu irmão Orion foi nomeado secretário do governador do Território de Nevada. Juntei-me a ele e seguimos para o oeste; fiquei numa cidade mineira de Virgínia onde me tornei minerador. Sem achar uma só pepita, consegui trabalho no jornal de lá, Territorial Enterprise.

-Foi aí que usou pela primeira vez o pseudônimo Mark Twain?

-Sim, e não na história do sapo. Depois, segui para São Francisco, Califórnia, trabalhando ainda como jornalista. O conto humorístico sobre a corrida dos sapos, de que já falamos, se tornaria o meu primeiro êxito literário. Com a publicação no The Saturday Press, de Nova York, tornei-me famoso por todo o país.

-As pessoas precisavam rir depois de tantas desgraças. - comentei.

-As portas foram abertas para mim. Pouco depois, eu viajava, como repórter do Sacramento Union para as Ilhas Sandwich.

-Hoje, são o estado americano do Havaí.

Mark Twain retomou a palavra:

-Esse nome Sandwich já caía em desuso no fim do século XIX. O comandante inglês James Cook descobriu as ilhas em 1778, e as batizou com esse nome para homenagear John Montagu, o Primeiro Lord do Almirantado da Marinha Real Britânica, que patrocinara a sua viagem.

-John Montagu era o Conde Sandwich? Aquele que, não querendo sair da mesa de jogo, pediu ao serviçal que lhe trouxesse um pedaço de carne entre duas fatias de pão, para não se lambuzar e, assim, inventou o sanduíche? - indaguei.

-Isso; os americanos trocaram o nome do lugar, mas não há um só dia em que eles esqueçam o sanduíche. - arrematou.

E mais viagens vieram para você:

-Talvez porque gostavam dos meus relatos de viagem, pois outro jornal patrocinou, logo em seguida, minha ida à Europa e ao Oriente Médio.

-E como gostavam! Você era muito demandado para dar palestras.

-Numa dessas viagens, você travou conhecimento com aquele que seria seu cunhado: Charles Langdon.

-Ele me mostrou uma fotografia da irmã, e eu me apaixonei na hora.

-Como Tamino por Pamina na ópera “A Flauta Mágica”, de Mozart.

-Não me fala em ópera que me vem à mente “Tristão e Isolda”, de Wagner a que assisti na Europa. Foram mais de quatro horas de tortura para mim.

-Li seu texto sobre essa noite na ópera; muito engraçado, porém injusto com a obra daquele que foi um divisor de águas na história da música.

 -Divisor de águas, para mim, era o vapor navegando pelo rio Mississippi. Como vê, não perdi o humor mesmo morto.

 

 

 

 

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