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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2762 - Fim de ano é sempre assim.




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5012                                       Data: 29  de  dezembro de 2014
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REMINISCÊNCIAS DA MARINHA MERCANTE
PARTE II

Dia 28 de dezembro foi o Dia da Marinha Mercante. Vamos, então, evocar algumas coisas que ficaram na nossa retentiva.
A SUNAMAM era um feudo da Marinha de Guerra. Um comandante que lá chegasse não ocuparia um cargo subalterno, mas esse não foi o caso do comandante Viegas, que era estagiário, o mesmo cargo meu quando lá apareci em 1979.
Logo entendi essa discrepância: ele era matusquela.
-De todos os malucos da SUNAMAM, ele é o maior de todos.- disse-me uma colega de faculdade que chegou um mês antes de mim.
Eu o via, passando pelo corredor, sobraçando sempre o mesmo livro intitulado “Buracos Negros”, e guardava cautelosa distância dele. Mas não adiantou, colegas gozadores lhe disseram que eu era um brilhante economista, capaz de esquematizar todas as linhas de produção de farinha de peixe, desde a pesca até a chegada da mercadoria ao seu destino final.
Produzir farinha de peixe era a ideia fixa do comandante Viegas. Por mais que eu lhe dissesse que a História do Pensamento Econômico era a minha especialidade, que eu levaria qualquer investidor ao fracasso, ele não deixou de me abordar durante um bom tempo, pedindo os meus pareceres sobre seus planos para produzir e até mesmo exportar farinha de peixe.
Mas não era só eu que sofria com as crises do comandante Viegas; certa vez, ditou à secretária do almirante Motta Veiga  um carta endereçada ao ministro Mário Andreazza. Ela não o contrariou, afinal, ele era, acima de tudo, comandante. Sobre o que versava essa certa?... Isso mesmo: farinha de peixe, a necessidade de o Brasil obter divisas para aliviar o Balanço de Pagamentos com a exportação desse produto.
Havia também o comandante Esdras, que levava os primeiros óculos do próximo que visse jogado numa mesa, para ir às reuniões, mas não era só isso. Ele não era comandante, mas se apresentava com essa patente. Certa vez, o comandante Parga Nina, então chefe do Bureau de Fretes, atendeu um telefonema dirigido a ele.
-”Como?!... Quer falar com o comandante Esdras... comandante, advogado, médico, engenheiro, ele é um homem de muitos anéis. Não, não está aqui.”
Doutor Esdras, na realidade, era advogado. Anos antes da chegada do Parga Nina à SUNAMAM, o almirante Motta Veiga incumbiu o doutor Esdras  a aquisição de livros técnicos sobre a Marinha Mercante, quase todos na língua inglesa, com a verba vinda da Diretoria Financeira para esse fim.
Como eram muitos os cheques e poucos os livros, Motta Veiga estranhou e foi até a Livraria Leonardo da Vinci. Lá, descobriu que o doutor Esdras se passava por ele. Os funcionários antigos me contavam outras histórias escabrosas com o doutor Esdras que, no entanto, não o afastavam das suas funções, o que só ocorreria com o comandante Parga Nina em 1981. Até então, processos com as reivindicações da Eucatex queimavam nas nossas mãos.
-Coisas do Maluf é com o doutor Esdras. - alertavam-me.
Eram também com o Celso Pitta, porém,  o futuro prefeito de São Paulo não trabalhava mais na SUNAMAM, quando lá cheguei em 3 de setembro de 1979.
Transcorreram mais de dez anos, a SUNAMAM passou a ser chamada de STA – Superintendência de Transportes Aquaviários – e nós fomos apresentados ao computador.
Vigia a famigerada reserva de mercado, a Lei da Informática, Lei  nº7232, de 29 de outubro de 1984, alvo de pesadas críticas dos brasileiros lúcidos, principalmente, do Roberto Campos.
Assim, no lugar do “Lotus 1,2, 3”, tínhamos de nos contentar com o “Samba”; em vez do “Database”, “o “Dialog”; e,  substituindo o “Word”, o “Fácil”. Uma lástima.
Depois do curso que fizemos com esses programas nacionalistas, colocaram um computador numa saleta do nosso andar, décimo-primeiro. O mesmo era dividido entre os funcionários do Bureau de Fretes e os da Divisão de Granéis. Nós tínhamos o computador à disposição durante o período da manhã, e o pessoal do granel durante a tarde.
Quando havia algum problema com os “bits” e “bytes”, era convocado o Jorge Ano Bom, lotado na Informática, para nos socorrer. Certa vez, eu mesmo me atrevi a resolver uma dificuldade, não seguindo o sábio provérbio romano: “Não vá o sapateiro além dos sapatos”.
Que desgraça que eu fiz!
Covardemente, fugi do local do crime. Quem se deparou com aquela burundanga chamou o Jorge Ano Bom. Ele, coitado, suou para deixar o computador apto para o uso novamente.
-Mexeram na formatação; conseguiram essa façanha.- informou, mas como era de boa índole, em momento algum procurou saber quem fora o culpado.
Pouco tempo depois, ele saiu da Informática e veio trabalhar junto a nós na Navegação, trazido pelo comandante Palhares.
Transcorridos uns vintes anos  requentei esse caso com ele.
-Sim, mexeram na configuração do computador.
-Fui eu, Jorge.
Ele sorriu e eu fiquei mais descansado com a minha consciência.
E o Dieckmann voltou. Explico: antes da Divisão de Granéis, nós dividíamos o andar com a Diretoria de Engenharia. Com a edição do Decreto-Lei nº 2055 de 1983, da Presidência da República, que reestruturou a SUNAMAM, a Engenharia foi uma das diretorias extintas. Dieckmann se mudou para outro setor, e, pouco depois, saiu para outras plagas. Transcorrido mais de uma década, a SUNAMAM, depois de receber alguns nomes, era agora o Departamento de Marinha Mercante; foi quando ele voltou.
-Quem é esse tal de Dieckmann? - perguntou o POPA, quando soube que ele empalmaria o seu cargo de Coordenador-Geral da Marinha Mercante.
Essa pergunta foi feita praticamente por todos que aguardavam o novo chefe. As colegas noveleiras disseram, logo, que ele era pai de uma promissora atriz da TV Globo. Bastou para que os mais imaginosos aventassem a hipótese que ele era uma indicação do doutor Roberto Marinho.
Quando se soube que o servidor do seu endereço eletrônico era globo.com, cresceu o número de pessoas que imaginavam que o Dieckmann fosse ligado  aos donos das Organizações Globo. Nessa altura dos acontecimentos, os mais crédulos já diziam que o Dieckmann era benquisto por Dona Lily de Carvalho Marinho.
Evidentemente que esses rumores chegaram até ele, que nada falava, fazia cara de paisagem,  ou de samambaia, conforme dizia a Tia Carla, nossa professora do MBA.
Em dezembro de 1999, uma reportagem na primeira página do segundo caderno do Globo convenceu os mais céticos. Nessa reportagem, via-se em letras garrafas que o primeiro grande evento do segundo milênio seria a exposição de carros antigos e o Dieckmann, como colecionador, tinha o seu nome em destaque. Viriam os carros de Santos Dumont, da Isadora Duncan, de Gabriela Bezanzoni, Giacomo Puccini, Ciccillo Matarazzo, etc, etc.
Firmou-se, então, a convicção que o nosso chefe tinha um padrinho poderosíssimo.
E o grande evento? - perguntarão os leitores.  Bem, parece que ficou para o terceiro milênio. 

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