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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5007 Data: 21 de dezembro de 2014
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SUSPENSE NO SABADOIDO
-Assistiu ao “Hitchcock”, Claudio?
-A que filme dele?
-Refiro-me ao filme que realizaram
sobre a vida dele.
-Esse que o Telecine vem levando: Não.
-Na verdade, fizeram um corte
temporal...
-Corte Temporal?!... Isso é jargão de historiador.
- aparteou.
-Consideram apenas o tempo da vida dele
em que filmou “Psicose”.
-Esse filme levou no Cine Cachambi.
-Não
me esqueci, Claudio. “Psicose” mais “E Deus Criou A Mulher” foram os únicos
filmes que o Secreta impediu a minha entrada no cinema.
-Mas ele deixou a Suzete entrar. -
citou a nossa irmã.
-Ela viu “Psicose” porque acompanhou a
Dona Salete do apartamento acima do nosso.
-Eu sei, Carlinhos, a vizinha do 202.
-Suzete e Dona Salete foi uma rima e
uma solução, pois conseguiu entrar no cinema mesmo com 15 anos de idade.
-Depois, ficou com medo de tomar banho.
-Não foi nada disso, Claudio.
-Tudo bem; mas a Janet Leigh confessou
que, depois dessa cena, não conseguiu mais tomar banho de chuveiro sem ficar
apreensiva.
-Nesse “Hitchcock”, do Telecine, como a
Janet Leigh não demonstrava o pavor na intensidade desejada pelo Hithcock, ele
pegou o facão e desferiu várias apunhaladas de cima para baixo.
-O Anthony Perkins como o assassino
Norman Bates... não é este o nome do personegem?
Depois de eu confirmar, prossegui:
-Como Norman Bates, ele esteve muito
bem. Creio que foi o melhor papel da carreira dele, embora eu não tenha
assistido ao “Processo”, de Orson Welles.
-O Norman Bates, doentiamente ligado à
mãe, tinha uma sexualidade fora dos padrões; Alfred Hitchcock convocou, então,
o Anthony Perkins para vivê-lo na tela.
-Hitchcock tinha um olho clínico, pois,
naquela época, os atores escondiam a sua preferência sexual por homens. -
comentou.
-Quanto às mulheres, Alfred Hitchcock
sempre preferiu as louras.
-Janet
Leigh, Grace Kelly, Joan Fontaine, Kim Novak, Doris Day, Tippi Hedren...
-Tippi Hedren?!... - estranhei.
-A personagem principal de “Os
Pássaros”.
-Sei que o filme é baseado num livro da
Daphne du Maurier, autora também de “Rebecca”, que Hitchcock também transformou
em celuloide.
-Nós vimos “Rebecca” no Cine Cachambi,
Carlinhos.
-Dizem que Daphne du Maurier plagiou o
romance “A Sucessora”, de Carolina Nabuco. Não houve, porém, processo judicial.
Após esse meu comentário, Claudio
retomou a palavra.
-A esposa do Alfred Hitchcock não
estranhava de ele só colocar louras como protagonistas das suas fitas?
-Numa briga de casal, ela bradou que
sempre suportou os amores platônicos dele pelas atrizes, portanto, ele não
tinha o direito de sentir ciúmes dela.
-Ela gostava de homens louros? -
brincou meu irmão.
-Essa fita prendeu a minha atenção
desde a primeira cena porque começa com aquele seriado televisivo de
suspense...
Entusiasmado, Claudio me interrompeu:
-Eu assistia a todos “Hitchcock
Apresenta”, só não sei precisar o canal, mas acredito que seja o 13, a TV Rio.
-Quando ouvi a música-tema desses
seriados, estremeci na cadeira: “Há mais de vinte anos que não ouço essa joia
musical!”
-Qual era?
-”Marcha Fúnebre para uma Marionete”,
de Gounod. Só descobri o nome depois de pesquisas; a música, mesmo depois desse
tempo todo, eu poderia assoviar nota por nota.
-Não assovia, não, Carlinhos. -
suplicou.
-Quem também nutria amores platônicos
pelas atrizes das suas obras era o Nélson Rodrigues.
-Não duvido. - disse o Claudio.
-O Ruy Castro conta que a Maria Della
Costa...
-Outra
loura. - cortou-me meu irmão.
-Quando ela se preparava para pisar o
palco, o Nélson Rodrigues entrava no camarim dela e lhe dizia: “Como vai
proeminente figura?” Não era proeminente, mas vai esse adjetivo, já que a
memória não me ajuda.
-E o que ela respondia?
-Senta, Nélson Rodrigues.
-Ele sentava para dar instruções a ela
de como representar a sua personagem?
-Não, Claudio; ele ficava para contemplá-la
embevecido. A atriz era sua musa, como a Claudia Cardinale no “Fellini Oito
e Meio”.
Nesse instante, meu sobrinho surgiu na
cozinha.
-Daniel, chegou a propósito. Estamos
aqui numa terrível polêmica: quem foi a atriz principal de “Os Pássaros”, de
Alfred Hitchcock?
Meu sobrinho sacou o celular do bolso
da bermuda, tocou o dedo aqui e ali, e, em menos de um minuto, respondeu:
-Melanie Daniel.
Sem tomar fôlego, manifestou-se:
-Daniel?”... Que negócio é esse? Nós
somos atores, não, atrizes.
-Procure “Tippi Hedren”. - pediu-lhe o
Claudio.
Acionado de novo o celular, veio a
explicação.
-”Tippi Hedrin” era o nome artístico da
Melanie Daniel. Agora sim, a coisa se acertou. Meu nome não pode ser de atriz.
-Eu não erro em matéria de cinema. -
vangloriou-se meu irmão.
-E você, Daniel, qual o último filme a
que assistiu: - perguntei-lhe.
-”Pompeia”.
-Eu também vi, mas na televisão,
animado pelo enredo histórico. Ao perceber que era cinema-catástrofe, não havia
mais tempo para eu fugir, tive de ir até o fim.
-Não gosta de cinema-catástrofe,
Carlão?
--Tenho ojeriza a efeitos visuais e,
nesse caso, há uma overdose. Películas com muitos efeitos visuais têm muita
casca e pouco miolo.
-Há “Os Últimos Dias de Pompeia”, do
Sérgio Leone. - evocou meu irmão.
-No dia anterior à decisão do
campeonato carioca de 1960, Fluminense e América, vi um cartaz com o nome dessa
fita, num cinema de São Cristóvão e disse para a minha mãe que, no domingo,
acabaria Pompeia.
-Infelizmente, Carlão, não acabou.
-O goleiro do América não foi o
Pompeia, e sim, o Ari. Ele até espalmou um pênalti batido pelo Pinheiro, que,
pegou o rebote, e meteu o gol, mas não bastou. - trouxe à tona essas tristes
reminiscências para os tricolores meu irmão.
-Depois, o América empatou, mas o
empate dava o título ao Fluminense. Então, o Nilo bateu uma falta, o Castilho
bateu roupa, como dizia o Oduvaldo Cozzi e o Jorge, que era lateral direito,
enfiou o gol do título.
-Como você se lembra disso tudo.
-Porque seu avô queria dar chinelada na
televisão, Daniel.
-Era o primeiro campeonato do Estado da
Guanabara; a Capital Federal já havia sido transferida para Brasília. -
assinalou meu irmão.
E a conversa mudou das telas do cinema
para os campos de futebol.
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