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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4999 Data: 07 de dezembro de 2014
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140ª VISITA À
MINHA CASA
PARTE II
-Olivia, a sua mulher, lhe mostrou
novos caminhos, apesar de você já ser um viajante calejado, em 1868, quando
noivaram.
-Ela pertencia a uma família abastada e
liberal; por meio dela, conheci abolicionistas, ativistas dos direitos humanos
e da igualdade social. Nós éramos vizinhos da Harriet Beecher Stowe, de
frequentar a casa, em Hartford, Connecticut.
-A autora da “Cabana do Pai Tomás”?
-Um romance que contribuiu
extraordinariamente pela causa dos negros escravos. - comentou.
-Anos depois, o Pai Tomás viraria o
paradigma, na visão crítica dos esquerdistas, do negro de alma branca. Mas essa gente não sabe contextualizar; não
sabem ver que, naquela época, os negros eram considerados bens semoventes como
o gado.
-Irritar-se com os ignorantes é
desperdício de energia; o melhor é tratá-los com sarcasmo. - aconselhou-me.
-Você, quando casou, não foi logo para
Hartford, em Connecticut?
-Casamos em 1870 e vivemos na cidade de
Buffalo, em Nova York, até o ano seguinte. Em 1871, fomos para Hartford, onde
moramos por dezessete anos.
-Nessa cidade, nasceram os seus filhos?
-Susy, em 1872; Clara, em 1874 e Jean,
em 1880. Para divertir os petizes, eu inventava jogos e história. Fizemos um
teatro amador...
-Não só divertia como educava.
Depois desse meu comentário, fiz a
pergunta:
-Foi em Hartford, nesse ambiente de
felicidade, que você escreveu os seus mais afamados romances?
-Escrevi “As Aventuras de Tom Sawyer”,
“O Príncipe e o Mendigo”, “A Vida no Mississippi”, “As Aventuras de Huckleberry
Finn”, “Um Ianque na Corte do Rei Arthur”...
Interrompi Mark Twain com as minhas
reminiscências.
-Meu pai colecionava e lia as revistas
dos personagens do Walt Disney, sem falar nos gibis do Bolinha e da Luluzinha,
da Marge Henderson. Justificou-se para mim dizendo que, sendo obrigado a ler
durante horas e horas no trabalho letras diminutas, porque era revisor, não
tinha mais ânimo para pegar um livro. Ele, no entanto, abria exceções para “As
Aventuras de Tom Sawyer” e “As Aventuras de Huckleberry Finn”, que lia às
gargalhadas.
E fiz um acréscimo?
-Ele gostava mais de “As Aventuras de
Huckleberry Finn”; muitos o consideram “o maior romance americano”. William
Faulkner considerava você o pai da literatura americana.
-Muitos enalteceram esse livro. -
limitou-se a dizer.
-“As Aventuras de Huckleberry Finn”,
aparentemente era um livro para jovens, mas lá está a fábula da América que se
reurbaniza e se industrializa contrapondo-se à vida de liberdade na natureza. O
seu romance retratava as aspirações da sociedade americana e o leitor logo se
identificou.
Notando que se constrangia com os
elogios, passei para outro tópico da sua biografia.
-Você não se restringiu apenas à literatura
nos seus anos de vida?
-A ciência, tecnologia e pesquisas
científicas sempre me fascinaram. Conheci o inventor Nikola Tesla e me reuni
com ele, em seu laboratório, inúmeras vezes.
-Sei que poucos anos antes da sua
morte, Thomas Edison o visitou, em sua casa e o filmou. Esse registro histórico
foi para o curta metragem “O Príncipe e o Mendigo.
-Isso foi em 1909. - precisou.
-Você
inventou alguma coisa no campo das ciências?
-Patenteei três invenções: tiras
ajustáveis e destacáveis para vestimentas, meu intuito era substituir os
suspensórios; um jogo de curiosidades históricas...
-E qual foi o seu terceiro invento?
-Um bloco de recados autocolantes.
-Esse bloco é de uma enorme praticidade
para quem trabalha em escritório.
-Na minha invenção, o adesivo precisava
ser umedecido antes do uso. Depois, foi aperfeiçoado, mas não por mim.
-O dinheiro que você ganhava com a
literatura ia para as pesquisas científicas?
-Arruinei-me quando investi muitos
dólares no que parecia ser “uma maravilha mecânica”, o Page Compositor.
-O que é isso?
-Um invento desenvolvido por James W.
Paige, que pretendia substituir a escrita. Veio o linotipo, e o Page
Compositor se tornou irremediavelmente obsoleto no nascedouro.
-O linotipo foi inventado na Alemanha,
não é isso?- perguntei-lhe.
-Sim, por Ottmar Mergenthaler. Ele
fundiu em bloco cada linha de caracteres tipográficos, composta de um teclado,
como a da máquina de escrever. Numa mesma máquina, ele fundiu três partes
distintas: composição, fundição e teclado. Ele foi mais engenhoso do que James
W. Paige.
-Perdeu muito dinheiro?
-Perdi os lucros dos meus livros e
grande parte da herança da minha esposa.
-Quando foi isso?
-Entre 1880 e 1894.
-Também perdi muitos dólares com a
minha editora.
-Não sabia que você tinha sido editor. -
revelei a minha ignorância.
-A publicação das memórias do Ulysses
S. Grant fez sucesso, mas, depois, tive prejuízo com a biografia do Papa Leão
XIII; apenas 19 cópias foram vendidas.
-É compreensível que o leitor americano
nutrisse curiosidade por aquele que liderou as tropas vencedoras na Guerra da
Secessão e que, depois, se tornaria presidente dos Estados Unidos. O fato de
ele ter um fraco (que fraqueza!) pela bebida alcoólica instigava a curiosidade
de todos. Mas o Papa Leão XIII?!...
-Contei com os católicos que viviam nos
Estados Unidos, que não eram poucos, pelo visto, sentiram-se mais atraído pelas
histórias do nosso presidente beberrão.
-Com
literatura e ciência não compaginando, o que você fez para se soerguer
financeiramente?
-Leituras em público e muitas
palestras. Também foi de fundamental importância para mim um amigo que conheci
quando estava num buraco abissal: o financista Henry Huttleston Rogers,
-Ele era seu admirador?
-E também um dos diretores da Standard
Oil.
-Emprestou-lhe dinheiro?
-Muito mais do que isso; orientou-me.
-Convenceu-me a entrar com pedido de
falência. Depois, aconselhou-me a transferir os direitos autorais de minhas
obras para a minha mulher, Olívia; eu evitava, assim, que os credores se
apossassem deles.
-Tornaram-se grandes amigos?
-Sim; frequentávamos um ao outro. Ele
se sentia bem no mundo intelectual que lhe apresentei.
-Era um mecenas?
-Através de mim, conheceu Helen Keller
a quem auxiliou com dinheiro parte do seu estudo.
-Helen Keller, a escritora e conferencista
cega e muda?... Também fizeram um filme sobre ela, “O Milagre de Anne
Sullivan.”
-Espero que tenha sido um grande filme,
pois ela merecia.
-Com esse amigo da Standard Oil, você
pôde descansar em paz.
-E o meu amor-próprio?!... Parti, em
1894, para uma excursão pelo mundo para proferir palestras e, com elas, ganhar
os dólares necessários para quitar todos os meus débitos.
-O fato de ser mundialmente famoso o ajudava.
- comentei.
-A minha condição de falido me isentava
de tanto trabalho, mas eu tinha de me sentir bem comigo mesmo. Seis anos
depois, eu já havia ganhado o suficiente para saldar todas as minhas dívidas.
Retornei aos Estados Unidos em 1900.
-A vida não lhe sorriu durante esses
anos.
-A morte da minha filha Susy, de
meningite, em 1896; da minha esposa Olivia, em 1904; e do meu filho Jean, em
1909; deixaram-me devastado.
-Você perdeu a alegria que contagia
todo o mundo até hoje.
-Era 1910; cometa de Halley se
aproximava da Terra para me levar.
-Quando ele voltou, em 1986, foi um
fiasco, tinha o brilho esplendoroso dos anos em que o trouxe e o levou.
-Não escutou as minhas palavras, Mark
Twain já havia partido.
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