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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

2749 - no rabo do cometa


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4999                                            Data: 07  de  dezembro de 2014

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140ª  VISITA À MINHA CASA

PARTE II

 

-Olivia, a sua mulher, lhe mostrou novos caminhos, apesar de você já ser um viajante calejado, em 1868, quando noivaram.

-Ela pertencia a uma família abastada e liberal; por meio dela, conheci abolicionistas, ativistas dos direitos humanos e da igualdade social. Nós éramos vizinhos da Harriet Beecher Stowe, de frequentar a casa, em Hartford, Connecticut.

-A autora da “Cabana do Pai Tomás”?

-Um romance que contribuiu extraordinariamente pela causa dos negros escravos. - comentou.

-Anos depois, o Pai Tomás viraria o paradigma, na visão crítica dos esquerdistas, do negro de alma branca.  Mas essa gente não sabe contextualizar; não sabem ver que, naquela época, os negros eram considerados bens semoventes como o gado.

-Irritar-se com os ignorantes é desperdício de energia; o melhor é tratá-los com sarcasmo. - aconselhou-me.

-Você, quando casou, não foi logo para Hartford, em Connecticut?

-Casamos em 1870 e vivemos na cidade de Buffalo, em Nova York, até o ano seguinte. Em 1871, fomos para Hartford, onde moramos por dezessete anos.

-Nessa cidade, nasceram os seus filhos?

-Susy, em 1872; Clara, em 1874 e Jean, em 1880. Para divertir os petizes, eu inventava jogos e história. Fizemos um teatro amador...

-Não só divertia como educava.

Depois desse meu comentário, fiz a pergunta:

-Foi em Hartford, nesse ambiente de felicidade, que você escreveu os seus mais afamados romances?

-Escrevi “As Aventuras de Tom Sawyer”, “O Príncipe e o Mendigo”, “A Vida no Mississippi”, “As Aventuras de Huckleberry Finn”, “Um Ianque na Corte do Rei Arthur”...

Interrompi Mark Twain com as minhas reminiscências.

-Meu pai colecionava e lia as revistas dos personagens do Walt Disney, sem falar nos gibis do Bolinha e da Luluzinha, da Marge Henderson. Justificou-se para mim dizendo que, sendo obrigado a ler durante horas e horas no trabalho letras diminutas, porque era revisor, não tinha mais ânimo para pegar um livro. Ele, no entanto, abria exceções para “As Aventuras de Tom Sawyer” e “As Aventuras de Huckleberry Finn”, que lia às gargalhadas.

E fiz um acréscimo?

-Ele gostava mais de “As Aventuras de Huckleberry Finn”; muitos o consideram “o maior romance americano”. William Faulkner considerava você o pai da literatura americana.

-Muitos enalteceram esse livro. - limitou-se a dizer.

-“As Aventuras de Huckleberry Finn”, aparentemente era um livro para jovens, mas lá está a fábula da América que se reurbaniza e se industrializa contrapondo-se à vida de liberdade na natureza. O seu romance retratava as aspirações da sociedade americana e o leitor logo se identificou.

Notando que se constrangia com os elogios, passei para outro tópico da sua biografia.

-Você não se restringiu apenas à literatura nos seus anos de vida?

-A ciência, tecnologia e pesquisas científicas sempre me fascinaram. Conheci o inventor Nikola Tesla e me reuni com ele, em seu laboratório, inúmeras vezes.

-Sei que poucos anos antes da sua morte, Thomas Edison o visitou, em sua casa e o filmou. Esse registro histórico foi para o curta metragem “O Príncipe e o Mendigo.

-Isso foi em 1909. - precisou.

 -Você inventou alguma coisa no campo das ciências?

-Patenteei três invenções: tiras ajustáveis e destacáveis para vestimentas, meu intuito era substituir os suspensórios; um jogo de curiosidades históricas...

-E qual foi o seu terceiro invento?

-Um bloco de recados autocolantes.

-Esse bloco é de uma enorme praticidade para quem trabalha em escritório.

-Na minha invenção, o adesivo precisava ser umedecido antes do uso. Depois, foi aperfeiçoado, mas não por mim.

-O dinheiro que você ganhava com a literatura ia para as pesquisas científicas?

-Arruinei-me quando investi muitos dólares no que parecia ser “uma maravilha mecânica”, o Page Compositor.

-O que é isso?

-Um invento desenvolvido por James W. Paige, que pretendia substituir a escrita. Veio o linotipo, e o Page Compositor se tornou irremediavelmente obsoleto no nascedouro.

-O linotipo foi inventado na Alemanha, não é isso?- perguntei-lhe.

-Sim, por Ottmar Mergenthaler. Ele fundiu em bloco cada linha de caracteres tipográficos, composta de um teclado, como a da máquina de escrever. Numa mesma máquina, ele fundiu três partes distintas: composição, fundição e teclado. Ele foi mais engenhoso do que James W. Paige.

-Perdeu muito dinheiro?

-Perdi os lucros dos meus livros e grande parte da herança da minha esposa.

-Quando foi isso?

-Entre 1880 e 1894.

-Também perdi muitos dólares com a minha editora.

-Não sabia que você tinha sido editor. - revelei a minha ignorância.

-A publicação das memórias do Ulysses S. Grant fez sucesso, mas, depois, tive prejuízo com a biografia do Papa Leão XIII; apenas 19 cópias foram vendidas.

-É compreensível que o leitor americano nutrisse curiosidade por aquele que liderou as tropas vencedoras na Guerra da Secessão e que, depois, se tornaria presidente dos Estados Unidos. O fato de ele ter um fraco (que fraqueza!) pela bebida alcoólica instigava a curiosidade de todos. Mas o Papa Leão XIII?!...

-Contei com os católicos que viviam nos Estados Unidos, que não eram poucos, pelo visto, sentiram-se mais atraído pelas histórias do nosso presidente beberrão.

-Com  literatura e ciência não compaginando, o que você fez para se soerguer financeiramente?

-Leituras em público e muitas palestras. Também foi de fundamental importância para mim um amigo que conheci quando estava num buraco abissal: o financista Henry Huttleston Rogers,

-Ele era seu admirador?

-E também um dos diretores da Standard Oil.

-Emprestou-lhe dinheiro?

-Muito mais do que isso; orientou-me.

-Convenceu-me a entrar com pedido de falência. Depois, aconselhou-me a transferir os direitos autorais de minhas obras para a minha mulher, Olívia; eu evitava, assim, que os credores se apossassem deles.

-Tornaram-se grandes amigos?

-Sim; frequentávamos um ao outro. Ele se sentia bem no mundo intelectual que lhe apresentei.

-Era um mecenas?

-Através de mim, conheceu Helen Keller a quem auxiliou com dinheiro parte do seu estudo.

-Helen Keller, a escritora e conferencista cega e muda?... Também fizeram um filme sobre ela, “O Milagre de Anne Sullivan.”

-Espero que tenha sido um grande filme, pois ela merecia.

-Com esse amigo da Standard Oil, você pôde descansar em paz.

-E o meu amor-próprio?!... Parti, em 1894, para uma excursão pelo mundo para proferir palestras e, com elas, ganhar os dólares necessários para quitar todos os meus débitos.

-O fato de ser mundialmente famoso o ajudava. - comentei.

-A minha condição de falido me isentava de tanto trabalho, mas eu tinha de me sentir bem comigo mesmo. Seis anos depois, eu já havia ganhado o suficiente para saldar todas as minhas dívidas. Retornei aos Estados Unidos em 1900.

-A vida não lhe sorriu durante esses anos.

-A morte da minha filha Susy, de meningite, em 1896; da minha esposa Olivia, em 1904; e do meu filho Jean, em 1909; deixaram-me devastado.

-Você perdeu a alegria que contagia todo o mundo até hoje.

-Era 1910; cometa de Halley se aproximava da Terra para me levar.

-Quando ele voltou, em 1986, foi um fiasco, tinha o brilho esplendoroso dos anos em que o trouxe e o levou.

-Não escutou as minhas palavras, Mark Twain já havia partido.

 

 

 

 

 

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