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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5004 Data: 16 de dezembro de 2014
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SABADOIDO DAS CRACUDAS À CAIXINHA DE NATAL
-Eu não lhe disse que o gol foi do
Roberto?
Meu irmão aludia a um gol marcado no
dia 12 de dezembro de 1964. Explico: Claudio e eu vínhamos, alguns
Sabadoido atrás, que não constaram da ata devido a ausência do Vagner,
falando da decisão do Campeonato Carioca do ano citado. Vamos reproduzir,
então, alguns trechos desses diálogos para melhor entendimento.
-Carlinhos, você leu no “Globo Há 50
Anos”, que o Botafogo vai jogar contra o Flamengo?
-Recordo-me, Claudio, que na semana
dessa partida, um dirigente do Flamengo, Fadel Fadel, caso a memória não me
traia, cruzou com o Nílton Santos no Leblon, onde o jogador morava, e lhe
disse: “Nós vamos ganhar do Fluminense no próximo domingo, não vamos?”
Resposta da Enciclopédia do Futebol: “Vamos, e, no domingo seguinte,
ganharemos do Flamengo.”
-Carlão, não vai me dizer que o
Botafogo ganhou do tricolor? - interveio o Daniel.
-Ganhou e o rubro-negro passou a
liderar o campeonato de 1964 no seu final.
-A decisão foi entre Fluminense e
Bangu, em duas partidas, com o Fluminense campeão. - antecipou-se meu
irmão.
-Isso porque se consumou o que o
Nilton Santos dissera. - frisei.
-O Botafogo ganhou de 1 a 0 gol do Roberto.
- afirmou ele.
-Roberto?!... É verdade que ele
participava do melhor time de juvenis da história do alvinegro, que o
Jairzinho já havia subido para o time principal, mas o Roberto... -
mostrei-me dubitativo.
-Foi o Roberto. - ratificou.
Dois Sabadoidos depois, mal eu pisei
o chão da cozinha, meu irmão bradou:
-Eu não disse que o gol foi do
Roberto?
Daniel que, como o pai, já lera o “Há
50 Anos” do Globo que, nesse dia o entregador enviara cedo (a caixinha de
Natal explica) se manifestou.
-Carlão, se o Flamengo ganhasse,
seria bicampeão, se fosse empate, haveria um supercampeonato, como em 1958,
entre a dupla Fla-Flu e o Bangu; derrotado, o Flamengo estaria aniquilado.
O Botafogo foi cruel.
Enquanto meu sobrinho falava, eu
corria os olhos por aquele memorável jogo.
-Escreveram, nessa reportagem de
1964, no Globo, que as lágrimas dos flamenguistas inundaram o Rio de
Janeiro.
E acresecentei:
-Nilton Santos e Nélson Rodrigues,
que viu o Fluminense campeão, numa crônica, mesmo depois de derrotado pelo
Botafogo, acertaram em cheio.
-Não falei que o gol foi do Roberto?
- repetiu, mais uma vez, meu irmão.
Pretendíamos tratar da melhor de
três com o Bangu, mas a entrada de uma falante Gina tirou o foco do
futebol.
-Está sabendo, Carlinhos, que o Lar
de Júlia será um centro de recolhimento de cracudas? É o que dizem...
-Vocês ficarão a menos de 50 metros
das cracudas? - perguntei.
-Não será pior do que as batucadas
da casa ao lado e das brigas da Lourdes com o Rubinho que vieram antes da
umbanda. - comentou meu irmão.
-As cracudas falam baixo, uma delas
me chamou de viado, dia desses, de madrugada, quando eu rumava para a
estação de Del Castilho do metrô.
-Por que ela lançou tamanha calúnia?
- perguntou-me o Daniel com o seu usual jeito cômico.
-Porque não lhe dei dinheiro para
comprar crack; mas, como disse, ela mal bulbuciou o viado.
-Nem força para falar elas têm, por
isso, eu não me preocupo com essa vizinhança.
-Batuque de atabaques com cantos
africanos, pega pra capar entre a Lourdes e o Rubinho, estamos cascudos. -
afirmou o Claudio.
-Alguns peladeiros de futebol de
salão, na quadra o Lar de Júlia, foram precursores dos cracudos, pareciam
zumbis jogando. - falei em tom bem humorado.
-Poucos peladeiros, a grande maioria
era agitada. - contrapôs meu irmão.
-O Mazzola da Rua Estevão Silva, por
exemplo, tinha nome de craque, mas não jogava nada.
-Houve dois Mazzola craques, o
italiano e o brasileiro, que, quando largou o Palmeiras pelo Milan, passou
a ser chamado na Itália de Altafini para não haver confusão. - seguiram as
palavras do Claudio às minhas.
-Vagner e Pirulito, em certa
partida, gozaram tanto o Mazzola, dizendo que ele jogava sem a bola, como o
Tostão, que tirou o tênis do pé e disse que os dois iam engoli-lo.
-O que aconteceu?... Eles engoliram
o tênis sem ketchup? - interessou-se o Daniel.
-O Vagner, que era mais ouriçado,
respondeu belicamente, mas o Pirulito redobrou as gozações e tudo terminou
em paz.
E concluí:
-Nós dávamos um péssimo exemplo para
os órfãos do Lar de Júlia.
-Com as cracudas, vocês poderiam
repetir tudo o que fizeram, porque elas já seguiram todos os péssimos exemplos.
- comentou o Daniel.
-Acredito que o Lar de Júlia, agora,
será um centro de recuperação dessas viciadas, portanto, o ambiente delas
tem de ser tranquilo.
-Não faria bem a elas assistir a
minha briga com o Maninho, a do Luca com o Kung Fu, a do Seu Renato com o
Sérgio, a do Mazzola com o Vagner e o Pirulito. - concordei com a Gina.
-Hora do meu carro tomar banho. -
anunciou o Daniel a sua saída para a rua.
-Resolveu o problema com o cartão do
Santander, Carlinhos? - quis saber a Gina.
-Aquele que surgiu porque me tornei
cliente Van Gogh, ficando sem a orelha e sem o dinheiro?... Está resolvido.
-Já tem acesso, então, à sua conta
do Santander.
-Tenho, Claudio, mas nessa semana,
fui, lá pelas 9 da manhã, retirar dinheiro do caixa eletrônico do Banco do
Brasil, o que faço há anos, quando aconteceu algo inédito comigo.
-Você tem de se benzer, Carlinhos. -
previu a Gina coisa ruim,
-Deixa o Carlinhos contar, Gina.
E contei.
-Teclei para retirar 200 reais, e
veio a mensagem de sempre “Aguarde. Contagem de cédulas”, acompanhada daquele barulho de máquina contando
cédulas. Quando o barulho cessa, levanta, normalmente, uma espécie de tampa
com o dinheiro sacado.
-O dinheiro não apareceu? -
suspeitou a Gina.
-Não apareceu, mas retornou o barulho
de máquina contando cédulas; fiquei, então esperançoso. Nada. Resumindo: a
coisa se repetiu umas quatro vezes.
-Carlinhos, isso era porque o
computador pensou que você estava retirando dinheiro da Petrobras e estava
tomando fôlego para lhe entregar toda a dinheirama de uma vez.- brincou meu
irmão.
Continuei sem entrar no espírito de
brincadeira.
-Chamei um vigilante fardado a uns
10 metros de mim e ele me disse, depois de me perguntar o valor do saque, para
ver se, no extrato, os 200 reais foram retirados da minha conta. Nesse
ínterim, sai o dinheiro, ou melhor, ele é cuspido do caixa eletrônico e cai
no chão. Peguei as notas, contei e lhe disse que faltavam 40 reais.
-E o guarda? - indagou a Gina.
-Disse que eu estava nervoso e, sem
sair do meu lado, pediu para contar as cédulas de novo. Contei e percebi,
então, que duas notas de 50 reais, novinhas, estavam coladas uma na outra.
Vieram a mais 10 reais.
-Carlinhos, para você, 10 reais não
são nada, para o Banco do Brasil, menos ainda. - comentou o Claudio.
-Terei de voltar mais tarde para
devolver – resmunguei.
“Deixe o dinheiro comigo que eu
entrego” - disse-me o guarda.
-Não vai me dizer que deixou,
Carlinhos? - manifestou-se a Gina.
-Deixei, na pior das hipóteses,
ficou como caixinha de Natal para ele.
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