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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5010                                      Data: 26  de  dezembro de 2014

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196ª  CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Eu ia do Centro ao Engenho Novo, bairro do Dom Casmurro. O taxista não fazia o meu costumeiro trajeto de Maria da Graça a Del Castilho, mas isso não impediu que conversássemos como se nos conhecêssemos há algum tempo.

-Já está acabando 2014. - quebrou o silêncio de um minuto.

-Um ano de fatos inusitados; até corre uma piada na internet que, em 2014, Eike Batista ficou pobre, Xuxa foi demitida, a Petrobras faliu, o Rubinho foi campeão e esqueceram de citar a derrota do Brasil para a Alemanha, nosso antigo freguês, por 7 a 1, aqui, em plena Copa do Mundo.

-Um fato esquisito que aconteceu comigo ainda hoje, mesmo: peguei um passageiro chinês.

-Onde?

-Na Barra da Tijuca.

-Soube que há muitos chineses por lá, não se banhando na praia, mas trabalhando.

-Esse passageiro chinês estava com uma maleta de executivo.

-Li uma entrevista de um brasileiro, que se interessou tanto pela cultura da China que até aprendeu mandarim, a língua de lá. Ele se refere às bizarrices dos chineses.

-Que comem carne de cachorro?...

-Quando ele trata da culinária, não se detém sobre o nosso melhor amigo. Fala das barracas que vendem abelhas, besouros, escorpiões, aranhas, centopeias, mas que não são comidos por eles e sim pelos turistas que se aventuram pelos pratos exóticos.

-Estou fora. - reagiu.

-Dos costumes insólitos de que falou o que achei mais interessante foi a briga dos casais.

-É diferente dos casais daqui?

-Lá, quando marido e mulher brigam, o vizinho bate à porta e leva as crianças dos briguentos para a sua casa. Encerrada a briga, o casal vai ao vizinho e traz o filho de volta. (*)

-Poxa, se eu tivesse um vizinho chinês, escaparia das discussões dos meus pais. - desabafou.

-Muitos problemas psicológicos não surgiriam, porque estamos mais vulneráveis na infância. - comentei.

-Não deve existir psiquiatra por lá.- imaginou.

-Outra coisa – lembrei – ninguém pede esmolas na rua.

-Caramba, estou gostando da China. Não vou para lá porque eles oferecem aranhas, besouros e escorpiões para os turistas comerem. - brincou, enquanto eu saltava do seu táxi.

 

O taxista seguinte era bem mais falante do que o outro e o assunto não foi a China e sim, os Estados Unidos da América.  Como chegamos a esse país, naquele táxi, confesso que não sei; as palavras, que brotavam aos borbotões da sua boca, confundiram a minha memória.

-Veja esse negócio de Dia das Bruxas; é o cúmulo que brasileiros comemorem essa coisa dos americanos. - rezingou.

-Guloseimas ou travessuras; as guloseimas nós temos no Dia de São Cosme e Damião, as travessuras também. - manifestei-me.

-Amigo, nós não precisamos copiar nada deles, temos de seguir a nossa tradição.

Sem tomar fôlego, prosseguiu:

-Agora, tem um tal de “Walking Dead”...

-Desconheço.

-É a festa dos zumbis; isso tem muito na zona sul.

-Não seria a velha festa à fantasia em que alguém vai trajado de zumbi? - calei a minha pergunta.

-A minha filha não ganha um tostão meu para participar dessas coisas dos americanos. - vociferou.

-O Dia das Bruxas é muito divulgado nas escolas, o que não acontecia na minha época de estudante. - manifestei-me.

-É o cúmulo – indignou-se – as escolas brasileiras não ensinarem às crianças as nossas raízes: o saci-pererê, a mula sem cabeça, o curupira, o boto tucuxi...

-Nosso folclore deveria ser mais conhecido. - concordei.

-Isso cabe às nossas escolas; mas não, eles ensinam “Halloween”.

O asco com que falou “Halloween” atrapalhou ainda mais a sua pronúncia.

-Os americanos nos olham com desdém, como se fôssemos lixo, e ainda babamos por eles. Os brasileiros que foram ganhar a vida nos Estados Unidos só conseguiram empregos horríveis, como o de varredor de rua e, como moradia, porões. Aqui é bem diferente; se eu estiver com problemas financeiros, pego uma caixa de isopor, encho de cerveja, mate ou refrigerante e vou vender na praia. Qualquer pessoa tem como se virar nesta terra. Vai se virar nos Estados Unidos?...

-É mais difícil. - limitei-me a dizer.

-Minha mulher trabalha com os dados cadastrais das pessoas que querem viajar para lá. Uma nojeira. Eles querem saber de tudo sobre nós. O que você vai fazer?... Quanto tempo vai ficar?... O diabo. Eu não me submeto a isso.

-É bom viajar para os Estados Unidos com muitas malas vazias e retornar com elas cheias, pois lá as coisas são bem mais baratas. - interferi.

Mesmo esse fato incontestável não abrandou a sua ira.

-Mas não vale o esforço.

E prosseguiu:

-Eu só conheço uma exceção: uma moça muito estudiosa, que conseguiu uma bolsa de estudo para a melhor universidade dos Estados Unidos.

Percebi que pretendia nomear a universidade, mas sua memória rateava.

-Harvard... Ela vai estudar em Harvard. Como terá um alojamento da própria universidade, não haverá problemas de moradia para a moça. Mas só assim vale a pena ir.

Calou-se, pensei que mudaria de assunto, mas reiniciou a sua diatribe contra os americanos.

-Beisebol... Eu tenho visto brasileiros jogando beisebol... Não é esporte da nossa cultura.

-Nem conhecem as regras. - intervim.

-Vão jogar pelada, mas beisebol, rugby não são coisas nossas.

-E a Barra da Tijuca com a réplica da Estátua da Liberdade? - provoquei-o.

-Por que não colocam a réplica do Cristo Redentor?... do bondinho do Pão de Açúcar?... Não, eles querem ser americanos. - bradou.

-Os cinemas da Barra recebem o nome de “UCI New York City Center”. - persisti na provocação.

-Querem ser americanos, vão para lá dormir em porões. Se eu quero conhecer belos lugares, vou a Cabo Frio, a Paraty, ao Recife...

Se ele citar Brasília, eu defenderei os Estados Unidos. - pensei.

-Lençóis Maranhenses, que não conheço, mas deve ser uma beleza. Não preciso ir à Disneylândia, Miami, Nova Iorque; tenho aqui tudo o que me agrada.

-Mas a influência da cultura americana se espalhou por quase todo o mundo, Cuba é das poucas exceções. - assinalei.

-Não por muito tempo; Cuba, daqui a pouco, estará cheia de McDonald's com a população bebendo Coca-Cola, empanturrando-se de Big Mac e assistindo a filmes no “UCI New York City Center”.

-Pelo menos, a frota de veículos de Cuba vai melhorar com essa aproximação com os americanos. - disse-lhe. (**)

-Isso é verdade; por que dirigir aquelas latas velhas...

Lamentei, no fim da corrida, não ter uns 10 dólares no bolso, para lhe perguntar: “Aceita o pagamento em dólar?” (***)

 

(*) o Distribuidor do seu O BICOITO MOLHADO esteve em Xangai, a menos chinesa das cidades da China (Hong-Kong fora) e pode ver hábitos um tanto diferentes, como cozinhas, lavanderias (o tanque e o varal) e banheiros comunitários. Em guetos que lembram muito qualquer comunidade brasileira, só muda a integração entre os moradores.

 

(**) A fama da frota de Cuba, com automóveis americanos pré-1959, fez, na verdade a maior propaganda que os automóveis americanos poderiam merecer.

 

(**) Este Biscoito foi o mais internacional de todos os Biscoitos. Por coincidência, o Distribuidor estava minutos antes discutindo com um amigo que esteve em Oshkosh, no evento de aviões. Talvez seja um motivo para tirar o visto americano, coisa que o Distribuidor abomina. Este é o grande diferencial dos EUA, eles sempre procuram oferecer o que têm de melhor. E faturar em cima, a meu ver, licitamente.

 

 

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