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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4840 Data: 26 de março de 2014
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TOCANDO COLE PORTER NO RÁDIO MEMÓRIA
2ª PARTE
Quem previu que o Sérgio Fortes não
representaria o papel de homem-calendário na presença de Anahi Ravagnani,
enganou-se. Primeiramente, aludiu ao fato de os anos passarem rapidamente, o
que não acontecia quando ele era menino. Bem, os estudiosos explicam esse
fenômeno afirmando que, quando criança, tudo é novidade, mas, com a passagem do
tempo, já vimos quase tudo, ou muita coisa e o cérebro processa, então, os
acontecimentos automaticamente, deixando-nos a sensação de que tudo passa mais
rápido. E recomendam a fuga da rotina.
-Dia 23 de março é dia do naturólogo, o
dia do acupunturista, o dia do naturopata, o dia do quiropraxista.
A cada dia anunciado, a substituta do
Jonas Vieira fazia uma observação a pedido do Sérgio Fortes, surpreendendo-nos
quando esclareceu qual era a função do quiropraxista. Certamente que, na extensa
obra de Camilo Castelo Branco, com mais de 20 mil palavras, quiropraxista não
está incluída.
Em seguida, ele se ateve aos que
nasceram e morreram no dia 23 de março, entremeando com perguntas e
comentários.
-Em 1905, nascia Akiro Kurosawa. Anahi,
você gosta de cinema japonês?
-Eu gosto muito.
-Eu não gosto.
-Mas por que você não gosta, Sérgio?
-Talvez porque haja muitos japoneses na
tela.
Depois de responder, procurou um aliado:
-Você gosta, Marcos, de cinema japonês?
Como a voz ao fundo respondeu que não,
Sérgio anunciou o placar:
-2 a 1 para quem não gosta.
Mas ele não perderia por esperar...
Quanto a nós, do Biscoito Molhado,
assistimos a um filme japonês num cinema da Tijuca, na década de 80 e nos
deparamos com o José Lewgoy, de muleta, na plateia. Quanto ao filme,
estranhamos que os nipônicos falem como se estivessem brigando, mesmo que as
palavras sejam “eu te amo”.
Do Akiro Kurosawa, ele passou para Wernher
von Braun, nascido em 1912, na Alemanha, que, depois de idealizar foguetes que
mataram muito ingleses, na guerra, foi abduzido pelos americanos e passou a
trabalhar na corrida espacial.
-Em 1922, nascia Ugo Tognazzi.
E, do ator italiano, querido por todos,
passou para Berta Loran, polonesa que veio para o Brasil depois de passar
alguns anos na Argentina, Peter Lorre, Chico Anísio e Elizabeth Taylor.
Mas a atração principal do programa é
música e sendo de Cole Porter, a responsabilidade era maior, então, Sérgio
Fortes deixou de ser o homem-calendário e anunciou “You Do Something To Me”. Antes
de a primeira nota musical soar, enalteceu o intérprete, o sax-tenor Sonny
Rollins.
-Superou problemas de roubo, depois,a
sua carreira deslanchou, tocando com o pianista Thelonious Monk e também com
Miles Davis.
Bem, foi pura música instrumental, um tanto
longa, mas não tanto quanto o dueto de amor do 2º ato da ópera Tristão e
Isolda, que, de tão demorado, levou o maestro Toscanini a dizer que, caso os
dois fossem italianos, já estariam com filhos.
E logo a voz do Sérgio Fortes se
tornaria séria como nas horas em que apresenta Rádio OSB, na MEC:
-Rádio Roquete Pinto. 94.1. Programa
Rádio Memória.
E voltou ao clima descontraído:
-Jonas enlouquece quando eu esqueço de
situar o programa; ameaça me cortar o salário e eu não estou aqui para isso. É
verdade que posso fazer 12 horas de programa sem me lembrar disso.
E veio a pausa para meditação com o tema
“Tentando Aprender”. Eu tento meditar,
mas isso é outra coisa.
Vieram uns reclames, não reclamações,
pois o programa estava ótimo. E o Sérgio Fortes puxou pela convidada:
-O que temos de Cole Porter, agora,
Anahi?
-Uma canção escrita em 1927 para o
musical “Paris”, que não seria incluída: “Let's Misbehave”. A gravação é de
1928 com Irving Aronson e his Commanders.
Depois da música, rejubilou-se com a sua
escolha:
-Que belíssima gravação! Eu penso, às
vezes, que nasci na época errada. Ouço essas coisas e me transporto para
aqueles salões, mulheres de vestidos longos...
Pensei imediatamente num filme, “Meia
Noite em Paris”, de Woody Allen, enquanto o Sérgio Fortes se reportava a outro
filme, “O Grande Gatsby”. No primeiro filme, o protagonista se transporta para
os anos 20, em Paris, onde viviam o próprio Cole Porter e Scott Fitzgerald, autor
do romance que deu no segundo filme citado. O próprio Woody Allen declarou
sobre o seu filme que é melhor viver na época atual, pois naqueles anos não
havia penicilina, entre outros remédios que não podem ficar distantes de um
hipocondríaco.
O Sérgio falou da próxima atração:
-Agora, uma música muito peculiar,
“Don't Fence Me In”, uma composição criada, em 1934, por Cole Porter para um
filme de cowboy da FOX, que não vingou.
Tratava-se das raras composições suas em
que não escreveu também a letra, o que provocaria um rebuliço dos diabos, com
envolvimento da justiça, assunto que o Sérgio Fores resumiu em poucas palavras,
detendo-se no intérprete da gravação que tocaria.
-Anahi, você conhece Roy Rogers?
Ela respondeu que sim, mas sem muita
convicção. Quanto a mim, o programa televisivo do Roy Rogers é um dos meus
arrependimentos de garoto. Digo porque: minha mãe me informou da morte de um
sobrinho seu, que contava com uns dez anos de idade e, em seguida, desligou a
televisão. Reagi com indignação: “Não, mãe, estou vendo o Roy Rogers.”
Sérgio Fortes falou do cavalo do cowboy,
que se encontrava empalhado num museu, não se esqueceu do cachorro (Roy Rogers
tinha cachorro?). E fingiu não identificar o Trigger. (*)
-Você sabe quem era o Trigger, Anahi?
Sabendo da resposta negativa, sacou a
piada e alcançou o efeito desejado:
-Não sei se Trigger era o cavalo, o
cachorro ou a mulher do Roy Rogers.
Entrou a canção de Cole Porter, cantada
pelo Roy Rogers, naturalmente, numa gravação de 1952. Sérgio Fortes, agora,
estava sério:
-Ao contrário dos nossos cantores
sertanejos, Roy Rogers cantava muito bem.
Ela não desconcordou, pelo contrário,
elogiou a voz de um dos ídolos da minha infância e da do Sérgio, além do
Trigger e do Silver (cavalo do Zorro), e, logo após, afirmou que nos mudaríamos
dos Estados Unidos para Paris. Ouviríamos “I Love Paris”, do musical de 1953,
“Can-Can. Seria uma gravação sem canto; destacar-se-iam apenas a orquestra e o
saxofonista Coleman Hawkins.
-Um clássico!- exclamou o substituto do
Jonas Vieira, que não ficou apenas na exclamação.
-Cole Porter compôs dez músicas além do
necessário para esse musical.
Anahi acrescentou logo em seguida.
-Cole Porter criou mais de 800
composições. A sua obra é incrível.
Compunha não só a música como a letra,
Depois de a convidada tecer elogios a
Paris, e se dizer uma curitibana que adora o Rio de Janeiro, Sérgio Fortes a
interrompeu para cumprir o mandamento do titular do programa.
-Rádio Roquette Pinto, 94.1, etc...
etc...
-Espero que o Jonas Vieira esteja
anotando isso.
-Como, Sérgio, se o seu imposto de
renda, por ser tão complexo quanto o do Sílvio Santos, não lhe dá tempo para
nada? - perguntamos nós.
Agora, a música escolhida também contava
com Cole Porter como cantor. Tratava-se da gravação de 1934, “Anything Goes”,
do musical do mesmo nome.
-Não é uma voz de Pavarotti, de Placido
Domingo... Depois de ouvir, Anahi, dê a sua opinião.
E ela o atendeu:
-Trata-se de uma voz anasala... afinada...
E concluiu com determinação:
-Ele é ele, e pode!
Coube a ela apresentar a última canção
do Radio Memória.
-Já que começamos com amor, vamos finalizar
com amor.
E disse o nome da composição que
ouviríamos “Easy To Love”, com a London Simphony Orchestra, na voz do
consagrado barítono Thomas Hampson, o último da linhagem dos grandes barítonos
americanos iniciados por Leonard Warren, segundo o Sérgio Fortes.
Depois de emitida a última nota, Sérgio
Fortes se reportou a um chinês, que viu no You Tube, cantando a cavatina do
“Barbeiro de Sevilha”.
-Não fiz a menor fé, mas ele cantou como
um deus, com o sotaque de um camelô napolitano.
-Pois é, Sérgio, temos de ouvir de tudo,
ver de tudo, inclusive filmes japoneses. - não perdeu ela a oportunidade de
virar o jogo em que perdia por 2 a 1.
-Um gol desses aos 44 minutos do segundo
tempo... - reconheceu a derrota.
E encerrou o Rádio Memória com estas
palavras:
-Para ficar no modelito do Jonas Vieira:
“um demorado abraço”.
Modelito?!... Sobrou para o Jonas
Vieira.
(*) Roy
Rodgers era o cowboy, Dale Evans era a mulher do cowboy, Trigger, seu cavalo e
Bullet, seu cachorro.
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