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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4844 Data: 05 de
abril de 2014
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CARTAS DOS LEITORES
-Sobre a edição do Biscoito Molhado
alusiva à recente visita do Senador Pinheiro Machado ao redator do Biscoito
Molhado, fiquei impressionado com o duelo que ele travou com o dono do Correio
da Manhã. O Dr. Edmundo Bittencourt era uma boa pessoa? Outra pergunta: houve
muitos duelos na Brasil no tempo da belle époque? Albertina
BM: Se o Edmundo Bittencourt era uma boa pessoa?... Podemos responder com
uma reprodução da peça o “Anti-Nélson Rodrigues”; afinal, o nosso maior
dramaturgo passou a trabalhar nas redações dos jornais a partir dos 13 anos de
idade e conhecia os casos que aconteciam nos bastidores do jornalismo. Agora, o
trecho da citada peça:
_”Salim: E o Dr. Edmundo Bittencourt?
Conhece o Dr. Edmundo Bittencourt?
Oswaldinho: Não conheço.
Salim: É hoje nome de praça. Mais
importante do que o Barão do Rio Branco. E fez o diabo neste país. Um dos
maiores lances do Dr. Edmundo
Bittencourt foi o duelo com o Pinheiro Machado. E, melhor ainda, o caso de João
de Deus, um crioulão, voz de Paul Robinson – sempre de fraque e chapéu-coco.
Era pré-fundador do Correio da Manhã. Desde o primeiro número do jornal, o João
de Deus ia para a porta esperar o patrão. E dizia, abrindo o gesto: “Boa-noite
Dr. Edmundo”. O Edmundo cuspia um
“boa-noite” e pronto. Até que um dia, o Edmundo chega ventando fogo. Ao ouvir o
“boa-noite” do revisor do jornal, espetou-lhe o dedo nas fuças: “Rua, Negro!
Não aceito cumprimento de urubu. Está despedido, urubu!” Dois dias depois, o
João de Deus morreu de paixão. Praça Edmundo Bittencourt, não! Praça Urubu!”.
Como vimos na edição citada que Pinheiro
Machado convidava João da Baiana para as suas festas e ainda o presenteou com
um pandeiro que serviu ao músico popular de salvo-conduta, ele, o Senador, não
trataria um negro com racismo.
Visto isso, foi derrotado no duelo a
pistola o vilão maior.
Quanto aos duelos ocorridos na belle
époque, houve alguns citados por historiadores ou bisbilhoteiros do
passado, que é o nosso caso. O que ocorreu entre Olavo Bilac e Pardal Mallet
falamos no número passado. Esses dois, no entanto, tiveram outros adversários;
Olavo Bilac duelaria com Raul Pompeia e Pardal Mallet com Coelho Neto.
As ofensas trocadas entre o parnasiano e
o autor do “Atheneu” deram a impressão que correria sangue. Bilac escreveu uma
crônica na seção “Vida Fluminense”, no jornal “O Combate”, que Raul Pompeia
sofria de amolecimento cerebral porque se masturbava muito a noite evocando as
beldades que viu na rua durante o dia. Raul Pompeia, por seu lado, reagiu
dizendo que Bilac estava marcado pelo estigma do incesto, aludindo à união do
poeta com o sobrinho Oscar e o fato de não ter filhos. Na verdade, a paixão
política jogou um contra o outro; Raul Pompeia era um visceral adepto do
governo ditatorial do Marechal Floriano Peixoto e Olavo Bilac, um ferrenho
opositor. Frente a frente no duelo de florete, reconciliaram-se, talvez porque
se reconhecessem como masturbadores.
Mas, segundo os biógrafos, as
testemunhas mais o médico conseguiram com êxito reconciliar os dois duelistas:
-”Fui eu o ofensor. Dou-me por
satisfeito.” disse o poeta, estendendo-lhe a mão, que foi apertada pelo
escritor mesmo que a contrariedade se expressasse no seu semblante.
Coelho Neto, considerado pela crítica um
“fabricante de romances”, que foi, durante alguns anos o autor brasileiro mais
lido, encontra-se hoje quase totalmente esquecido. Não fosse nome de um bairro
do subúrbio carioca, poucos diriam hoje o seu nome. É uma pena. Ah, sim: o
primeiro verso decassílabo de um soneto seu é muito lembrado: “Ser mãe é
padecer no paraíso”, mas quem sabe o nome do autor?
No que diz respeito ao duelo do Coelho Neto com Pardal
Mallet, acabou sem morte. O escritor ainda viveu muito, dedicando-se aos
esportes do Fluminense Futebol Clube; era pai de João Coelho Neto, o Preguinho,
considerado o atleta símbolo do clube. A sua filha Violeta Coelho Neto foi
considerado no mundo operístico brasileiro como a melhor Madame Butterfly.
-Sobre a visita que Ricardo Coração de
Leão fez ao redator do Biscoito Molhado, foi dito que os seus adversários,
quando ele foi coroado rei da Inglaterra, acusaram-no de nem falar o inglês. É
verdade?... Como pode? Odete
BM: Sim, é verdade. Houve uma época em que, na Inglaterra, falava-se o
latim, o francês e a língua inglesa. Pelo latim, sabemos nós, a igreja católica
monopolizava a cultura. Quando Lutero liderou a Reforma, traduziu a Bíblia do
latim para o alemão, um dos seus gestos de rebeldia contra o papado.
O francês, durante muitos anos, era
falado na Inglaterra pelas classes dirigentes e pelos comerciantes abastados.
Eis o que escreveu Henriette Walter em “A Aventura das Línguas no Ocidente” -
livro que me foi generosamente presenteado pela Rosa Grieco:
“No reinado de Ricardo Coração de Leão,
no fim do século XII, o bispo William of Ely, por ter caído em desgraça,
resolveu aprende inglês por conta própria. Ao tentar sair da Inglaterra,
disfarçou-se de mulher e, como os mercadores, levou um pedaço de tecido embaixo
do braço, chegou sem dificuldades a Douvres, mas acabou sendo preso porque não
conseguiu responder em inglês a um comprador que lhe perguntara o preço do
tecido.”
Ricardo Coração de Leão foi o rei da Inglaterra, mas
não sabia falar o inglês.
-Acho que Reritiba, hoje, se chama
Anchieta, onde estive há alguns anos. Abraços. Elio Fishberg
BM: Antes de entrarmos no assunto vamos esclarecer os leitores que, com
essa frase, nosso amigo Elio, que aniversariou no dia 4 de abril, encerrou a
sua revisão do texto do Biscoito Molhado sobre a visita que o jesuíta José de
Anchieta fez à nossa casa.
Sim, Elio, Reritiba, a cidade onde o santo
homem faleceu, passou, há muitos anos a chamar-se Anchieta; uma ironia essa
alteração, pois Reritiba é um nome tupi-guarani, e José de Anchieta foi o maior
estudioso e propagador da fala indígena.
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