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terça-feira, 15 de abril de 2014

2593 - A punhalada



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4843                         Data: 03   de  abril de 2014
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EU, ELIO E O SENADOR PINHEIRO MACHADO

-Elio, o que é aquilo, dois homens com armas na mão, um defronte do outro, como nos filmes do faroeste que víamos no cinema?
-É um duelo, Carlos.
-Os duelistas estão vestidos com muito apuro, não parecem aqueles cowboys que só tomavam banho aos sábados. - observei.
-Dois tiros soaram simultaneamente, mas apenas um duelista tombou.
Um número incontável de pessoas correu até o homem ferido.
-Que bagunça, Elio!... Nos duelos que li nos livros do Alexandre Dumas e de outros escritores do século XIX, havia mais organização.
Apesar da minha crítica, juntei-me ao grupo alvoroçado que envolvia o homem caído, que era socorrido pelo médico.
-Ele sobreviverá; o tiro atingiu-o no ilíaco. - diagnosticou o galeno.
-Ufa!... Imaginei que nosso chefe tinha sido castrado a bala. - disse alguém, em voz baixa, com um caderninho e um lápis na mão com todo o jeito de repórter.
Quando retornei, o Elio há havia colhido informações que nos situaram no tempo e no espaço.
-Estamos em 1906, no governo do Afonso Pena. Este duelo que vimos foi entre o senador Pinheiro Machado e o jornalista Edmundo Bittencourt, que sobreviverá a esse tiro.
-Os duelos estão proibidos, mas, pela posição social dos dois, eles não serão presos. - acrescentou.
-Elio, não prenderam Olavo Bilac e Pardal Mallet quando duelaram a florete, esses dois também continuaram livres.
-E como os dois duelistas terminaram?
-Olavo Bilac feriu levemente seu adversário na barriga.  Os gozadores fizeram um trocadilho em que diziam que o oponente do Bilac quis voar como uma águia, mas “pardal mal é...”
Depois de esboçar um sorriso, Elio comentou seriamente:
-Pinheiro Machado sabe lidar com armas melhor do que eles todos, pois, com 15 anos e idade, fugiu da fazenda do pai, no Rio Grande do Sul e foi lutar na Guerra do Paraguai.
-Sim, mas ele viria a seu muito mais político do que militar. - frisei.
-Pinheiro Machado participou do Congresso Constituinte de 1890/1891.
-A primeira constituição de uma série de constituições que o Brasil republicano viria a ter. - seguiram-se as minhas palavras às do Elio.
-Sei, Carlos, que você é monarquista.
-Sou parlamentarista com monarquia.
Ele discordou, mas não levamos a celeuma adiante, pois já bastavam os nomes citados que se enfrentaram de armas em punho devido à paixão política.
-Em 1893, Pinheiro Machado deixou o Senado Federal para combater contra a Revolução Federalista que eclodiu no seu estado, Rio Grande do Sul.
-Ensinaram-lhe isso no Colégio Militar?
-Não; minha mãe me dizia, nas suas aulas de História do Brasil, que o Pinheiro Machado sempre manteve acesa a chama de militar. Ele, pelos serviços prestados na luta contra os revoltosos, recebeu, por bravura, a patente de general.
Antes mesmo do duelo a que assistimos, o nome do Senador Pinheiro Machado já era extremamente influente no cenário político.  No Senado, travou debates homéricos com Rui Barbosa; ele recebera o cognome e “Chefe”, e o tribuno baiano, de “Mestre”.
Eu e Elio aproveitamos a oportunidade e fomos assistir aos dois polemistas. Pinheiro Machado discursava:
-”Se eu me manter...”
-”Se eu me mantiver”. - corrigiu-o Rui Barbosa esboçando um sorriso de superioridade.
-Enquanto Vossa Excelência aprendia a escrever bonito, eu matava e morria na Guerra do Paraguai. - reagiu Pinheiro Machado.
-Bela réplica. - murmurei.
-Carlos, apesar de o político Pinheiro Machado ser conservador, e Rui Barbosa, liberal, ele é muito mais ligado às pessoas do povo do que o “Águia de Haia”.
E as palavras do Elio se tornaram ainda mais exatas quando a máquina do tempo nos transportou para uma das festas do senador gaúcho no seu palacete no Morro da Graça.
-Por que você não apareceu na minha última festa?- interpelou ele um jovem esguio de uns 20 anos de idade.
-É o João da Baiana. - sussurrou-me o Elio, carregando-me para perto dos dois.
-Não pude vir, Senador, porque, na festa da Nossa Senhora da Penha, a polícia apreendeu o meu pandeiro.
-Um absurdo! - bradou.
E lhe deu de presente um pandeiro, mas antes, escreveu algo no couro, como os dizeres: “Com a minha admiração, ao João da Baiana. Pinheiro Machado.” Ele leu essas palavras, e seus olhos faiscaram:
-Isto é um salvo-conduto que me protege em todos os recantos do Brasil.
-E pensar que Rui Barbosa faria um estentóreo discurso contra o presidente Hermes da Fonseca porque promoveu um sarau da Chiquinha Gonzaga no Palácio do Catete... - ciciei.
   A influência do Senador Pinheiro Machado alcançou a plenitude quando ele apoiou o Marechal Hermes da Fonseca em oposição a Rui Barbosa na eleição à presidência da República em 1910.  O seu candidato, por pouco, não obteve o dobro da votação do Rui Barbosa. Pinheiro Machado já era conhecido como o condestável, o “fazedor de presidentes”.
Mas ele não era uma unanimidade. Certa vez, uma pequena multidão inamistosa o aguardava na saída da redação do jornal “O País”.
-Eis uma cena da nossa história que sempre quis testemunhar. - confessei.
-Quem fugiu de casa com 15 anos de idade para lutar na Guerra do Paraguai não se permitirá ficar encurralado por arruaceiros. - disse-me o Elio.
Ele, de fato, não se deteve; entrou no seu carro e deu a seguinte ordem ao chofer:
-Vá em frente; não tão rápido que pareça covardia, nem tão devagar que pareça provocação.
Estávamos, agora, em 1915, no palacete do Senador. Sentado numa cadeira estofada, bebericava o seu chimarrão, enquanto proseava com um grupo de parlamentares e congêneres.
-Veja, Carlos, há sempre um parlamentar pronto para trazer a chaleira de água quente para reabastecer a sua cuia de chimarrão.
-É a “turma do bico da chaleira”, que entrou para o folclore político brasileiro e também foi tema de uma marchinha e carnaval.
-Uns bajuladores...
De súbito, Pinheiro Machado se levantou, deixando a cuia de chimarrão com um dos presentes, e anunciou a sua ida ao Hotel dos Estrangeiros onde visitaria seu amigo, o Dr. Rubião Júnior, que chagara de São Paulo.
-É agora que acontecerá a tragédia. - disse-me o Elio com uma voz macabra.
Evidentemente, eu e Elio, testemunhas oculares da história, rumamos também para lá.
No vestíbulo do Hotel dos Estrangeiros, o General Pinheiro Machado se dirigiu a dois deputados federais pelo estado de São Paulo.
Demonstrando excelente humor, ele chamou os dois para subirem até os aposentos do Dr. Rubião Júnior. Os dois, mesmo mostrando-se alegres, recusaram.
Nesse ínterim, um sujeito, não tão bem trajado como os demais, perguntou quem era o Sr. Pinheiro Machado.
-Carlos, é o Manso de Paiva.
-Estranhíssimo que não conheça o Senador. - comentei.
Quando atravessava o saguão de entrada para a sala do hotel, Pinheiro Machado recebeu uma punhalada pelas costas de Manso de Paiva, que poucos viram de tão discreta.
 O General Pinheiro Machado desceu calmamente a escadaria, encaminhou-se para a sala de visitas do hotel e, somente lá, declarou que recebera uma punhalada nas costas. Sentou-se numa cadeira e expirou.
Foi uma comoção geral que se alastraria por todo Brasil.
Sem esboçar resistência, o assassino entregou o punhal dizendo que agira por conta própria.
-Isso não me parece verdade, Elio.
-Mas essa versão é a que ficará. - afirmou-me, enquanto nos afastávamos de lá.

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