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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4842 Data: 01 de
abril de 2014
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177 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Entrei no táxi do Albino esperando a sua
pergunta costumeira.
-E o metrô?
-Já andou mais lotado; mesmo às 5h 45min
da manhã já vinha com poucos espaços para os passageiros.
-Por que isso? - quis saber.
-Creio que a causa foi aquela confusão
no trânsito criada pelo prefeito Eduardo Paes. As pessoas, pelo menos no
Centro, não sabiam onde pegariam os ônibus e onde saltariam. Correram para o
metrô e os trens da Supervia. Agora, a coisa vai se normalizando.
-Ouvi, no rádio, que mais de dez pessoas
tiveram dedos decepados na porta do trem do metrô.
E acrescentou:
-Houve, depois, um desmentido.
-As duas portas dos trens chineses vêm
fechando devagar, mas quando uma parte fica a uns 5 centímetros da outra, uma
pressão é acionada e elas se chocam com barulho.
-Se a mão de alguém estiver ali é guilhotinada.
- concluiu.
-Não digo que chegue a tanto, mas que
haverá fraturas, não tenho dúvidas.
-O fechamento das portas dos trens
antigos não é assim?
-Não, mas, numa bobeada minha, fiquei
com um dedo arroxeado dia desses.
-Nem me lembro qual foi a última vez que
andei de metrô. Tenho um carro de passeio além deste táxi e desconheço outros
meios de transportes.
Isso, que ele já me dissera outras
vezes, era o motivo da sua curiosidade, que nunca neguei a satisfazer.
-Tipos curiosos aparecem muito nos
ônibus, no metrô, são raros, mas aparecem.
-Você fala daquelas pessoas meio
malucas? - interessou-se.
Prossegui:
-Nesta semana mesmo, entrou, na estação
da Presidente Vargas, uma senhora descabelada vestida como cigana, puxando umas
cangalhas, que conheço de outras viagens.
-E o que faz?
-Cantava; saía na estação Carioca, onde
eu também desembarcava, e punha-se a cantar hinos evangélicos na escada
rolante. Dessa vez, mal apareceu, passou a falar: “O prazo de validade de vocês
está vencendo. Jesus é o advogado. Quem não contratar Jesus como advogado, não
entra na casa do Pai.”
-Caramba. - abismou-se.
-O pior é que se esgoelava.
-E ainda cantou na escada rolante. -
sorriu com uma ponta de sadismo.
-Felizmente, ela não saltou, dessa vez, na
Carioca.
Na Rua Modiglini, pulou-me da memória o romance de
1904 “O Turbilhão”, de Coelho Neto, que ouvi, capítulo por capítulo, num
programa da década de 60 na Rádio Ministério da Educação e Cultura. Isso porque
uma das personagens se tornara tão fanática pelo espiritismo que enlouqueceu.
No caso do metrô, a loucura era um pouco diferente.
Saiu no Bola Preta este ano? O Bob
Esponja sempre dá início às conversas entre mim e ele, mas, dessa vez, não lhe
dei chances.
-Não,amigo.
-Ano passado, você saiu, lembro-me bem
das histórias que você me contou sobre o carnaval do bloco.
-Dessa vez, eu e minha mulher fugimos do
tumulto.
Mulher?!... Nos seis ou sete anos que
conheço o Bob Esponja, ele sempre falou da noiva. Casou, então, e parou de
enrolar... - esses pensamentos corriam pela minha cabeça. Calculei que, quanto
mais calado eu ficasse, mais eu saberia.
-Ano passado, participei com a minha
mulher, então, noiva, do desfile do Bola Preta. Ficamos alojados numa espécie
de barraca.
Estranhei que houvesse barracas para
foliões e perguntei onde ficava a sua.
-Na Araújo Porto Alegre.- respondeu.
E prosseguiu:
-Mas não havia conforto algum, eu tinha
de ir para longe dos guardas para mijar sem ser multado. Os banheiros químicos,
a opção, são uma nojeira.
E voltou-se para mim sem perder a
atenção no trânsito traiçoeiro de Maria da Graça.
-O amigo sabe que fizeram o descarte
daquela nojeira toda do carnaval de qualquer maneira, poluindo tudo?
-Li a respeito
-Então, este ano, eu e minha mulher
resolvemos não sair no carnaval.
E a pergunta que não fiz, embora a
curiosidade me atiçasse, foi respondida.
-Casamos em dezembro.
-Depois do casamento, nós nos tornamos
mais acomodados. - disse-lhe com fumaças de homem sério.
E aditou:
-Ah, sim; essas mulheres carentes que
andam por aí, não vão contar mais comigo.
Ainda bem -pensei- reportando-me às
corridas anteriores no seu táxi quando sacava, no meio do caminho, o celular do
bolso da calça, olhava-o por um tempo e, em seguida, o desligava. Nessas
ocasiões, ele contava as suas façanhas de amante latino-americano, mesmo que a
minha expressão lhe mostrasse que eu não tinha interesse algum em ouvi-lo.
Chegamos. - murmurei, enquanto tirava
uma nota de dez reais do bolso para pagar a corrida.
-Um bom descanso para o amigo. -
disse-me, enquanto me devolvia dois reais de troco.
Casado, espero que, agora, seja mais Bob e menos
Esponja- pensei enquanto abria o portão do prédio onde moro.
Raríssimas vezes pego o táxi do 070, por
isso,não pretendia dialogar como faço com taxistas mais conhecidos. Pouparia,
assim, a minha voz, como fazem os cantores de ópera nas horas que antecedem uma
récita. No entanto, ao ver um carro da PM estacionado, e um soldado de
sentinela com um fuzil, não me contive:
-Até que enfim!... Já era tempo.
-Não entendi. - reagiu o 070.
-Essa rua onde está a PM... Um atalho
para quem pretende ir de Maria da Graça à Avenida Suburbana ou vice-versa.
-Ir daqui para o Shopping Nova América
por essa rua é uma beleza. - afirmou.
-Pois é, os traficantes que saíram do
Jacarezinho por causa da UPP, vieram para essa rua e a tornaram, acintosamente,
particular, erguendo barreiras.
-É verdade. - meneou a cabeça.
-Já era tempo de a PM vir até aqui e pôr
esses traficantes para correr, entregando de volta essa rua para os cidadãos.
Olhou-me com tal complacência que me
senti o personagem do conto de Voltaire.
-Não é isso?!... - indaguei.
-Nada; os PMs vieram até aqui para
apanhar o “arrego”.
-”Arrego” é propina? - a minha abjeção a
certas gírias me levou a essa indagação.
-Isso mesmo.
-Será?!... - perguntei-me já na Rua
Modigliani.
Na corrida do dia seguinte, constatei
que as barreiras permaneciam intocáveis naquela rua; mas isso já é matéria para
a edição deste periódico com a próxima conversa com os taxistas.
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