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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4386 Data: 20 de março
de 2014
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FRASES E COMENTÁRIOS
“Não vá o sapateiro além do sapato.”
Quando se fala em provérbios, pensamos
logo que são provenientes da China, mas, nesse caso, ele é romano.
Shakespeare também cita um sapateiro,
logo no início da sua peça “Júlio César”. Ele é desancado, não porque se pôs a
opinar sobre assuntos que vão além de remendos de solas de sapato, tanto que se
defende com estas palavras:
-”... É certo, senhor; vivo
exclusivamente de minha sovela. Não me meto em assuntos de mercadores, nem de
mulheres; só me ocupo com a minha sovela. Para dizer tudo, senhor, sou um
cirurgião de sapatos velhos; quando estes se acham em grande perigo,
restituo-lhes a saúde. Não há gente fina que ande sobre couro de boi, que não
pise em trabalho feito por estas mãos.”
Para os que não se lembram mais dessa
peça de Shakespeare, a razão de o sapateiro se explicar foi porque, com outros
trabalhadores, saiu à rua em dia de trabalho sem portar o símbolo do seu
ofício.
Contudo, nada é mais contrariado do que
esse provérbio romano. Todos vão além dos sapatos, uns mais outros menos.
O encanto do Sabadoido era tal que
falávamos de economia com penacho de Schumpeter, medicina com pretensões de
Miguel Couto, música popular brasileira com fumaças de Ricardo Cravo Albin,
direito com a jatância de Nélson Hungria e por aí iríamos. (*)
Agora, quando o Supremo Tribunal Federal
tem de julgar, como julgou, as pesquisas sobre células-tronco, a interrupção de
gravidez em casos de anencefalia, etc. , os sapateiros estão indo além dos
sapatos com consequências para a sociedade. É verdade que os ministros do STF
podem ser assessorados por especialistas da matéria em julgamento, mas como
muitos demonstram sofrer de uma vaidade extremada, ficamos com a impressão de
que eles se colocam acima dos especialistas.
“A história é um conjunto de mentiras
sobre as quais se chegou a um acordo.”
Assim falou Napoleão Bonaparte.
Assisti em minissérie sobre o imperador
francês uma cena que o mostra, depois de uma batalha, descrevendo o que ocorreu
nela para que fosse publicado nos jornais. É sabido que o imperador não dormia
mais de cinco horas por dia e trabalhava incansavelmente, mas nos parece
exagero que, após comandar uma batalha, ele mesmo escrevesse o que tinha de ser
publicado nos jornais.
Mas que ele amoldava os fatos ao seu
poder, muitos são os exemplos. Sua mãe, Maria Letícia Bonaparte, detestava a
nora, Josephina de Beauharnais e, possuidora de um temperamento forte (o filho
teve a quem puxar) não compareceu à
esplendorosa cerimônia, com a presença do Papa, da coroação do imperador e da
imperatriz. No entanto, quando David (primo de Debret), pintor oficial da
corte, reproduziu na tela esse evento, recebeu ordem de Napoleão de pintar a
sua mãe entre seus familiares que lá estiveram e assim foi feito.
Na ditadura do regime soviético, ocorria
o contrário: os dirigentes que caíam em desgraça eram apagados das
fotografias. E como foram muitos os
expurgos no regime soviético, os retocadores de fotos trabalharam bastante.
No romance “1984”, de George Orwell, há
um incinerador onde são jogados documentos que o governo julga inconvenientes,
um distópico denominado “buraco de memória”. Com isso, o passado é destruído e
a História é reescrita pelo Ministério da Verdade.
Tentaram, poucos anos atrás, algo
parecido no Brasil com o governo que assumiu o poder e tentou desqualificar o
governo anterior, que havia estruturado economicamente o Brasil, dando fim à
hiperinflação. Apesar de propagandearem maciçamente o discurso da “herança
maldita”, só enganaram os desinformados, pois não estamos numa ditadura e,
consequentemente, não existe um Ministério da Verdade para reescrever a
história.
“A
pontualidade é a cortesia dos reis e obrigação dos educados.”
Outro provérbio que não é chinês, embora
o povo vivesse séculos e mais séculos submetidos à dinastia com seus reis. Esse
provérbio é inglês.
Nessa questão de pontualidade, vamos nos
restringir a uma das maiores divas do cinema, senão, a maior, Marilyn Monroe.
Ela sempre chegava duas ou três horas
atrasada nas suas entrevistas à imprensa.
Seus atrasos nos estúdios de filmagem
pedem páginas e mais páginas para serem abordados. A própria Marilyn Monroe chegou
a dizer que podia errar a hora, mas não errava o dia.
Nas filmagens de “Quanto mais quente
melhor” (1959), filme dirigido por Billy Wilder, que foi eleita a melhor
comédia de todos os tempos pelo American Film Institute. Jack Lemmon deu um depoimento sobre Marilyn
Monroe à biógrafa de Billy Wilder, Charlotte Chandler, do qual transcrevemos
este trecho:
“Esperar por ela no set deixava-me
irritado, às vezes, mas nunca deixei isso transparecer. Ela ficava em seu
trailer e não saía durante algumas horas, até que se sentisse preparada. Dizia
a mim mesmo que era um problema pior para ela do que para mim.”
“Enquanto esperávamos (ele e Tony
Curtis) tirávamos os saltos para aliviar nossos pés inchados. Depois, quando
ela aparecia, não conseguíamos mais calçar os sapatos.”
Tony Curtis, que fazia o par romântico
com ela no filme, não foi tão condescendente na sua entrevista com a mencionada
biógrafa:
-”Podíamos sempre contar com ela – para
chegar atrasada. Dava para acertar o relógio por isso. Havia algumas centenas
de pessoas esperando, dentre os quais seus protagonistas e eu, e ela finalmente
chegava dizendo: “Eu me perdi no caminho para o estúdio. Sinto muito.” Sete
anos indo para o estúdio e ainda se
perdia no caminho. No começo, eu não
achava que ela estivesse falando a verdade. Depois, piorou. Acreditava que ela
estivesse falando a verdade.”
Eis o que disse o grande diretor Billy
Wilder sobre o problema dela com a hora marcada:
“... É aquela velha história que conto
há anos: se quisesse alguém para chegar no horário e dizer as falas
corretamente, tenho uma velha tia em Viena que estaria no set às cinco horas da
manhã e jamais esqueceria uma palavra. Mas quem vai querer vê-la?
Lawrence Olivier, por outro lado, que
atuou com Marilyn Monroe, além de contracenar com ela em “O Príncipe e o
Corista” (1957), educado dentro dos padrões britânicos, dentre eles a
pontualidade, quase foi à loucura. No seu livro de memórias derramou a sua
bílis sobre o comportamento da atriz, além de se irritar com o fato de ela dar
mais atenção a Paula Strasberg, esposa de Lee Strasberg, guru do Actor’s
Studio, do que ao diretor. O mesmo problema ocorreu com Billy Wilder, que
engoliu e metabolizou essa ingerência no seu trabalho. Isso não aconteceu com
Lawrence Olivier, que ficou extremamente irritado.
Conta ele, nas suas memórias, que não
quis saber de “O Príncipe e a Corista” durante anos. Certa vez, com um grupo de
amigos, resolveu com eles, assistir ao filme, e todos ficaram encantados com a
atriz.
Valia a pena esperar pela Marilyn
Monroe.
(*) O Distribuidor
do seu O BISCOITO MOLHADO tem certeza que o nome do Elio Fischberg estava
programado no lugar do Nelson Hungria, assim como o do Roberto Dieckmann entraria
no lugar de Noé. Alguma reivindicação trabalhista, entretanto, afastou o
redator das pretensões iniciais.
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