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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4839 Data: 25 de março de 2014
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TOCANDO COLE PORTER NO RÁDIO MEMÓRIA
1ª PARTE
Sumido desde antes do carnaval, os
ouvintes do Rádio Memória previam que a voz do Sérgio Fortes estaria
inteiramente roufenha, pois, segundo o Jonas Vieira, ele estava saindo em todos
os blocos e escolas de samba, mas não, apresentou-se para o programa, nesse 23
de março, pronto para falar e até entoar algumas melodias, o que até então só o
titular do programa fez.
Deu início ao Rádio Memória um tanto
dubitativo:
-Está entrando no ar... Ainda se diz
“está entrando no ar”, Marcos?
Pela apresentação do Sérgio Fortes,
constatamos que ele não estava para brincadeiras, ou melhor, estava.
Anunciou, em seguida, a ausência do
Jonas Vieira e pensou, primeiramente, que se tratava de uma retaliação por não
ter comparecido aos programas anteriores. Depois, tornou-se mais sério. A
complexidade da elaboração do imposto de renda do Jonas Vieira, que exige
contadores e auditores, além de máquinas de calcular com mais de 20 dígitos,
exigiam dele semanas de trabalho.
-Muitas propriedades, muitos títulos a
serem contabilizados...
Não se referiu aos dependentes, mas
julgamos que não sejam poucos. Enfim, o apetite do leão é insaciável e todo o
cuidado é pouco neste país, que nos
torna saudosos de quando era “o quinto
dos infernos” (20% de imposto sobre o ouro retirado das minas).
-E para substituir Jonas Vieira, Anahi
Ravagnani, de sobrenome franco-italiano, Gerente de Projetos Educacionais da
Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira. - informou.
Nós, que ouvimos todos os domingos a uma
hora da tarde na MEC FM “Rádio OSB”, constatamos a competência dela quando
ouvimos o coro das crianças cantando “Asa Branca” e “Cio da Terra”. Sabíamos,
também, que não era sua estreia no Radio Memória, ela, na primeira vez que lá
foi, substituiu o Sérgio Fortes, programa esse que foi coberto pela nossa
reportagem e editado no Biscoito Molhado 2512 de 15 de novembro de 2013.
-Não tão abonada como o Jonas Vieira,
estou aqui.
Auspiciosa a sua primeira intervenção,
sinal de que estaria tão descontraída quanto o Sérgio Fortes na condução do
Rádio Memória.
-Pegando o Jonas Vieira à traição, já
que ele é alucinado por Cole Porter, vamos fazer um programa com composições
apenas desse grande compositor.
-Traiam mais o Jonas, traiam. - devem
ter pedido todos os ouvintes.
-Começa, Anahi.
Antes, ela fez uma introdução sobre a
sua escolha. Tratava-se de um desafio feito por um comediante a Cole Porter de
ele criar uma canção em que a frase “I Love You” fosse repetida exaustivamente.
Ela solicitou a gravação do soprano Jessye Norman ressaltando que é uma das
melhores da atualidade.
Fosse ela do tempo do tenor Lauri Volpi
e, ele, no seu livro “Vozes Paralelas”, a colocaria na sua pequena lista de
vozes incomparáveis.
-Beleza!... - deslumbrou-se o Sérgio
assim como nós.
-Sabia que, em pelo menos 59 canções do
Cole Porter tem a palavra “love”? - foi a pergunta da Anahi, que concluiu:
-Ele sabia viver.
-Era um compositor incrível; eu sempre
destaco isso. Figura peculiaríssima: homossexual assumido, mas viveu um lindo
romance com a mulher dele. - comentou o Sérgio Fortes.
A palavra voltou para Anahi.
-Ouvi histórias que ele andou bem acompanhado
com mulheres belíssimas, mas tinha caso de homossexualismo...
Bem, as palavras não foram bem essas,
mas o que foi dito não é motivo para o movimento gay empastelar o Biscoito
Molhado e apedrejar a Rádio Roquette Pinto.
-Ele era trilhardário. A sua família
possuía minas de carvão, e a mulher dele era riquíssima. Rico casa com rico,
não é Anahi?
-Por isso tem tantos “loves” na música dele.
- deduziu ela dentro do espírito de descontração.
-É isso mesmo – concordou, e foi adiante
com a programação:
-Vamos continuar com uma canção
famosíssima: “Night and Day” com a orquestra de Leo Reisman e quem canta é Fred
Astaire. Dos cantores não cantores é dele de quem mais gosto.
Ilustrou seu pedido dizendo que a canção
foi criada para o musical “Gay Divorcee”, de 1932.
No
início, é a orquestra, no meio também, enfim, depois de soar os instrumentos
conduzidos por Leo Reisman, surge a voz do Fred Astaire com a espetacular
introdução que, na maioria das gravações, não é ouvida. Quando a escuto,
lembro-me do “Samba de uma nota só”, do Tom Jobim, mas o Sérgio Fortes repetiu
o comentário que fizera uns seis anos antes em “As melhores vozes do mundo”.
-Sobre o tema inicial de “Night and
Day”, há quem diga que Cole Porter, estando em Marrocos, ouviu, numa determinada
hora, batidas de sino convocando os fiéis e as usou. Só numa sessão espírita
saberemos a verdade.
Anahi Ravagnani considerou a história
linda e os dois acordaram em ficar com a versão.
Na vez de ela escolher, disse que
homenagearia o Jonas Vieira, com uma canção criada para o musical “Out Of This
World”, em 1951, mas que não foi incluída e sim dois anos depois no filme “Kiss
Me, Kate”. Tratava-se de uma gravação do mezzo soprano Lena Horn de “From This
Moment On”.
-Entoada a última nota, Anahi expressou
a sua confiança no repertório escolhido para esse Rádio Memória:
-Nossos ouvintes estão gostando muito.
Nós, do Biscoito Molhado, acreditávamos firmemente que
sim. Dizem de maneira incorreta que gosto não se discute, o certo é dizer:
gosto não se discute, se lamenta. E seria de lamentar a percepção musical de
quem não gostasse do repertório apresentado.
Fim da 1ª parte
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