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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4841 Data: 29 de março de 2014
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SABADOIDO DE MARÇO A MARÇO
-E os 50 anos do golpe militar, Claudio?
-Jornal, televisão, revistas, rádio, só falam
disso, esquecem até o presente.
-A questão é que a mídia se detém mais
no que aconteceu depois do dia 31 de março de 1964 e não, antes.- frisei.
-Eu me lembro que, nesta data, eu joguei
uma pelada no paralelepípedo da rua Americana.
-Eu terminei de fumar um Continental e
parti também para essa pelada. Em casa, o papai resmungava palavrões contra os
vizinhos lacerdistas da vila onde morávamos.
-Eu sou mais novo do que você e não me
importava com política. Recordo-me mais do papai reclamando da Rádio Mayrink
Veiga, que deixava de transmitir programas humorísticos para passar a toda hora
os discursos do Brizola.
-O Brizola havia comprado essa emissora
por um dinheirão, Claudio. Era o Brizola exacerbando as paixões políticas
pela Mayrink Veiga de um lado, e o
Carlos Lacerda pela Roquette Pinto do outro lado.
-Carlinhos, naquela época, eu só pensava
mesmo em jogar bola e soltar pipa.
-Quantas vezes, antes do golpe militar,
eu fui a pé lá de casa, no Cachambi, ao Visconde de Cairu, no Méier por causa
das greves da CGT.
-E havia aulas, Carlinhos?
-Quando era greve de bonde, trem,
ônibus, lotação e barcas, as escolas fechavam. Greve de bonde apenas, fazia-me
andar uns quatro quilômetros até o colégio.
-Embora eu não ligasse para política,
não posso esquecer que, na noite de 13 de março de 1964, em vez de conversarmos
sobre futebol, na Rua Americana, o assunto era o comício na Central do Brasil.
As televisões, os televizinhos, tudo estava sintonizado no comício da Central.
-Muitos anos depois, soube por um contínuo
da SUNAMAM que, na época, trabalhava no Lloyd Brasileiro...
-O Lloyd Brasileiro transbordava de
subversivos; li não sei onde. - interrompeu-me.
-Esse contínuo me falou que, no meio da
multidão, ergueram um boneco com a farda verde oliva e um cartaz que dizia:
GORILA.
-O Comando Militar do Leste está bem
ali.- abismou-se com a provocação.
-Claudio, o João Goulart foi
vice-presidente no governo Juscelino Kubitschek; presenciou de perto as
pressões, muitas vezes terríveis, da esquerda e da direita sobre a cabeça do presidente
da República.
-E não se pode negar que o Juscelino
soube administrar essas pressões muito bem. - afirmou.
-Depois de a monarquia voltar à França,
com Luís XVIII, o rei tomou umas medidas iguais as que provocaram a Revolução
Francesa, então, o Talleyrand disse: “Não aprenderam nada. Não esqueceram
nada.” Esta observação de Talleyrand se
aplica ao João Goulart quando assumiu o poder.
-Sei não, Carlinhos... O Juscelino
gastou feito um maluco, e a conta chegou para o governo seguinte.
-Como o Juscelino era uma raposa felpuda
do PSD, ele declarou o seu apoio ao Juracy Magalhães da UDN para sucedê-lo.
Previu que ele teria de tomar medidas impopulares por causa dos cofres da nação
esvaziados. Assim, ele retornaria em 1966 nos braços do povo como grande
realizador.
-Ele, o causador de todas as mazelas...
- comentou com um sorriso que expressava amarga ironia.
-O Lacerda entrou no circuito, deu apoio
ao Jânio Quadros, na convenção da UDN, e frustrou a pretensão do Juscelino.
-Para a maluquice em que se transformou
o Brasil, nada mais viável que um abilolado se tornasse presidente da
República.- concluiu meu irmão.
-O Lott venceria o Juracy Magalhães,
como o Dutra derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes, - fiz a minha previsão
regressiva.
E os idos de março foram colocados de
lado quando o Luca anunciou, por telefone, a sua chegada para mais uma sessão
do Sabadoido.
Cena: garagem do extinto fusquinha da
Gina.
-O Vagner vem?- foi a sua primeira
pergunta.
-Se não vier – disse o Claudio afagando
o peso de papel sobre a mesa – o Bal A Bali aqui está para substituir os
ausentes.
-Pergunto por que a Chaves Pinheiro
ainda está fechada ao trânsito, e eu teria de dar uma volta imensa para chegar
de carro até a casa dele.
-Não será preciso entregar o Vagner a
domicilio de carro, o Daniel o leva a pé.- sugeriu o Claudio.
Nesse instante, meu sobrinho apareceu.
-Luca, colocaram uma mesa de
pingue-pongue no Norte Shopping, e eu
pensei logo em você.
-Onde, Daniel?
-Perto da Loja Americana.
E prosseguiu com sua transbordante
alegria.
-Luca, que está sempre endiabrado,
derrotará todos os mesatenists que ousarem desafiá-lo.
-Não dá mais para mim, tenho gastado
todas as minhas energias no torneio em que jogo com o Gordo.
-Você está sendo modesto, Luca. - bradou
meu sobrinho.
-Luca modesto?!...- diria o mordaz
Vagner se cá estivesse. imaginei.
-Vou caminhar. - anunciou o Daniel de
supetão, enquanto o seu pai se levantava da cadeira para trazer os dois copos
de caipiroska,
-Carlinhos, a Rosa errou o número do
soneto 96 de Shakespeare.
-Luca, eu penso cinco vezes antes de
afirmar que Rosa errou alguma coisa, e
dez vezes antes se a matéria está relacionada a Shakespeare.
-Dessa vez, ela errou, pois eu tenho o
livro comigo.
-E como vai a Rosa Grieco?
-Não há vejo há mais de uma semana.
-Então, não trouxe nada dela para mim.
-Trouxe por que ela deixa dos envelopes
de cartas e recortes de jornal na banca do Édson. - disse-me essas palavras e
me passou os papéis dela.
Claudio já havia retornado com a bebida
e os dois passaram a falar do torneio Indian Wells de tênis. Eu,
enquanto isso, passava a vista pelos escritos da filha da Dona Isaura. Um
trecho de uma carta sua me fez interromper os dois.
-A Rosa se refere aqui a um filme
japonês que considera de “boa cepa”. É uma fita com três histórias; uma, sobre
longos cabelos negros, a segunda, sobre um jovem cego que ainda perde as
orelhas, e a terceira, sobre uma dama nevada.
-E daí? - demonstrou impaciência meu
irmão.
-Diz ela que, dia desses, leu o Artur
Xexéo aludindo a um bom filme nipônico...
-Cinema é com vocês dois.- previu o Luca
uma questão cinematográfica.
-A que filme o Xexéo se referiu? -
inquiriu-me o Claudio.
-Ao “Contos da Lua Vaga”. E ela, logo
após, quer saber se é o filme das três histórias.
E acrescentei:
-A Anahi Ravagnani, amiga do Sérgio
Fortes, é a pessoa indicada para esclarecer essa questão.
Meu irmão foi veemente.
-Não; “Contos da Lua Vaga” se passa no
século XVI. É sobre dois irmãos que se separam; um, torna-se samurai, e o
outro, que ambiciona enriquecer, descobre que a mulher que o hospedou num
palácio é um fantasma.
-O Akiro Kurosawa dirigiu a fita?
-Não, Carlinhos, o nome exato não sei,
porque não guardo bem nomes japoneses na cabeça.
-E a Dilma que assinou a compra da
refinaria de Pasadena... - mudou de assunto o Luca.
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