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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4385 Data: 17 de março de 2014
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176ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-Domingo de tarde, um passageiro me
pediu para levá-lo ao Maracanã.
Ouvi o Botafoguense e lhe perguntei em
seguida:
-No jogo do Flamengo pela decisão da Taça
Guanabara?
-Isso!
Depois dessa exclamação, foi em frente:
-Nos velhos tempos, eu nem pensaria de
fazer uma corrida dessas, a não ser obrigado pela lei.
-Reporta-se ao Maracanã em dia de jogo
do Flamengo, e mesmo de outros clubes grandes, quando ele recebia mais de 120
mil torcedores?
-Mesmo sem decisão alguma, o Maracanã
ficava repleto. - lembrou.
-Agora, com o Flamengo decidindo a Taça
Guanabara, não deu mais de 13 mil torcedores lá. - constatou.
-Ficou longe da atual capacidade máxima
de 70 mil.- consolou-se o Botafoguense, pois o seu clube do coração perdera a
partida.
-Esse seu passageiro ia ao jogo?
-Ele me disse que sim.
-O irônico dessa história toda é que um
governo populista elitizou o que há de mais popular no Brasil: o futebol. -
enveredei pela política, acrescentando:
-Esse torcedor, seu passageiro, era da
classe C?
Não soube me responder, e prossegui:
-O partido político deste governo se
gaba de ter transferido uma multidão de pobres para a classe C. No entanto, as
estatísticas mostram que 25% de integrantes dessa classe devem o dobro do que
ganham.
-Conheço muita gente que se enforcou até
o pescoço com dívidas. - garantiu-me o Botafoguense.
-Baixaram os juros na canelada, baixaram
os impostos sobre alguns produtos de consumo durável e a classe C, sem
experiência em lidar com crédito, se enforcou.
-Você esqueceu o celular; lança-se um,
com maiores recursos, e mais caro, o pessoal sai comprando sem se importar com
o dia de amanhã. - interveio.
-Quiseram que o país crescesse através
do consumo sem, que antes, houvesse investimento. A conta não fechou. Temos,
então, 6% de inflação e pouco mais de 2% de PIB.
Ele me ouviu, com interesse, e me disse:
-Eu não entendo de economia, por isso,
fico com uma dúvida. Os Estados Unidos não cresceram também por aí, uns 2%?...
-Mas a inflação lá é de 1%. Essa é a grande questão: o Brasil atravessa a
estagflação, estagnação com inflação, o que é terrível.
Deixou-me na Rua Modigliani com o ar de que refletia
sobre os nossos problemas econômicos.
Preparado para levar turistas no seu
táxi durante a Copa do Mundo? - perguntei ao 151que, nesse periódico, é
identificado como Meu Nobre.
-Já levei gringos, não será a primeira
vez.
O prefeito quer alguns taxistas falando
inglês durante a Copa do Mundo.
-Esse Eduardo Paes não sabe de nada;
todos falam a mesma língua, a do dinheiro. - afirmou com alguma veemência.
-Alguns taxistas já estão aprendendo
inglês. - ouviu-me e reagiu com desdém.
-O 162 me disse que, com ele, não haverá
problema, pois já fala inglês.- provoquei.
-Fala nada. - garantiu.
-A responsável pelo Copacabana Palace
afirmou, numa entrevista, que todos os quartos estarão ocupados na Copa do
Mundo, e foi além: os funcionários não devem tratar os estrangeiros de doutor
ou doctor.
-Eu
também não gosto desse tratamento. - revelou ele, que só me chama de “Meu
nobre”.
-Dois tratamentos que detesto: doutor e
meu patrão. Um dos porteiros do prédio
onde trabalho, ou me trata por “doutor” ou de “meu patrão”.
-Reclame com ele.- sugeriu a solução
mais simples.
-Se eu percebesse que ele age como um
puxa-saco, visando algum proveito, eu reclamaria, mas, no caso, é simplicidade,
mesmo.
-Alguém da cooperativa o chama de doutor
ou de meu patrão?- teve a curiosidade.
-Não, ninguém. O 081, por exemplo, só me
chama de “patrício”, embora eu não seja português.
A chegada à Rua Modigliani encerrou a nossa conversa.
Há alguns meses que eu não pego o táxi
do Flamenguista. Como passou muito tempo, volto a lembrar que assim o
identifico porque no painel do seu carro se acha um escudo do Flamengo,
minúsculo, aliás. Como nunca puxou assunto de futebol comigo, diferentemente do
Botafoguense, a iniciativa não partiria de mim.
-Este trânsito!... - exclamou
demonstrando cansaço e resignação.
-Li, no jornal, nesse último domingo,
que o horário do rush, em São Paulo, é agora 11 horas da manhã; desde
2007, era 6 horas.
-Pelo que eu sei, o trânsito de São
Paulo tem retenção o dia todo e, aqui, foi pelo mesmo caminho.
-Sim, mas o pico lá, agora, é 11 horas
da manhã. Assim estava no Globo.
-Veja bem; nessa hora, o trabalhador
paulista devia estar na fábrica, nos escritórios, há, pelo menos, 3 horas; no entanto,
está preso no trânsito.
Na esteira do que dissera, referi-me aos
problemas econômicos que advém de trânsitos loucos.
-Mas como é São Paulo, com toda aquela
pujança, ninguém falará que a economia não cresce.
Depois de uma pausa, retomou o diálogo.
-Nessa história toda, o que me interessa
mesmo é o estresse. Com pouco tempo dentro deste táxi, lá se foi a boa
disposição que eu estava quando acordei. Isso, quando acordo bem, o que nem
sempre acontece.
-Essa questão de estresse é terrível
mesmo. Os especialistas declararam que, quando estamos sob tensão, o organismo
secreta cortisol, o hormônio do estresse, que provoca danos no coração.
-Minha avó passou dos 90 anos; vivia no
interior de Minas Gerais, num sítio, na maior tranquilidade.
-E, provavelmente, comia frituras com
banha de porco.
-Ah, sim, minha avó comia gordura, muita
gordura, certamente, e viveu saudável a vida toda. Ela não se preocupava com
nada, dizia a minha mãe.
-E as atividades num sítio, numa
fazenda, só podem fazer bem. - afirmei.
-É o estresse; o diabo do estresse que
estraga tudo. - maldisse.
-Os estudiosos da matéria apresentam
algumas indicações para neutralizar o estresse.
-Interessante. - murmurou.
-Uma delas é fazer carinho em um
cachorro.
-Eu, fazer carinho em cachorro?!... E se
ele me morder?
-Tem-se de fazer carinho em cachorro que
não seja estressado também. - expliquei-lhe.
-Como já nos achávamos na Rua
Modigliani, não pude relacionar outras indicações para o combate ao estresse.
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