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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4301 Data: 27 de
outubro de 2013
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NÓS NA REVOLUÇÃO DE 30
SEGUNDA PARTE
-Carlos, o que mais me
mais me impressiona, nesses anos agitados, é um gordinho baixinho, ora, parece
rebelde, ora legalista, e, no entanto, se tornará ministro da Fazenda do
governo Washington Luís; não por muito tempo, pois retornará para ser o
presidente do Rio Grande do Sul, substituindo Borges de Medeiros.
-Você fala do Getúlio
Vargas.
-Os analistas
políticos mais perspicazes vislumbraram o grande futuro que aguardava o
gordinho baixinho. - disse o Elio.
-Os tenentes agem, não
são retóricos, mas Getúlio Vargas ajusta a ação com a retórica e não se precipita.
- assinalei.
-Mas alguns tenentes
já o viam com suspicácia, poucos, é verdade.
Mostrando-se aliviado,
Elio prosseguiu:
-Ainda bem que não
fomos transportados pela máquina do tempo para
a Coluna Prestes; eu não queria andar tanto para, depois, me autoexilar
no Paraguai ou na Bolívia.
Washington Luís estava
tirando do papel o seu lema: “governar é abrir estradas”; abriu a
Rio-Petrópolis e a Rio-São Paulo.
Eu e Elio nos
achávamos, agora, no dia 5 de maio de 1928, data inaugural da primeira ligação
entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
-Veja, Carlos, a
afetuosidade com que o presidente do Brasil abraça o presidente de São Paulo.
-O Júlio Prestes?... O
futuro “Julinho” do jingle que empolgará a multidão na voz do Francisco Alves.
- comentei em tom jocoso.
-O presidente Artur
Bernardes bombardeou São Paulo quatro anos atrás, nesse momento, constatamos a
diferença com o governo de Washigton Luís. É verdade que ele é o representante
desse estado no governo.
-Mas esta pacificação é só aparente.
-Sei disso, Carlos;
minha mãe me ensinou bem essa matéria. Os rebeldes paulistas de 1924 se
juntaram aos rebeldes gaúchos e formaram a Coluna Prestes. Para culminar,
poucos têm acesso ao voto na República
Velha.
-Às mulheres, é negado
o voto, aos analfabetos, também. Da população brasileira, mais da metade é
formada pelo sexo feminino; o percentual de analfabetos do Brasil é espantoso;
restam, então, pouco mais de 5% de eleitores no Brasil.
-E não bastassem esses
poucos, as eleições brasileiras ainda eram fraudadas. - juntou o Elio suas
palavras às minhas.
Paramos um pouco os
nossos comentários, porque as atenções convergiam para o foguetório da
inauguração da Rio-São Paulo.
Junto a nós, um
cidadão, vestido com apuro, sotaque mineiro, resmungou:
-Muito esquisito esse
congraçamento entre o Washington Luís e o Júlio Prestes...
-Está faltando leite
nesse café. - murmuraram.
Saímos de lá com o
Elio cismando em comprar o nº 1 da revista O Cruzeiro.
-Vamos Carlos, os
colecionadores desembolsarão um bom dinheiro por essa raridade em 2013.
-Elio, vai demorar
muito a nossa volta; esta máquina do tempo tem suas idiossincrasias.
A máquina do tempo nos
adiantou por alguns meses ou por pouco mais de um ano. As ações de Wall Street
tinham despencado dramaticamente.
-Carlos, os barões do
café nunca tinham prejuízo, pois os governos do Brasil sempre entravam com o
dinheiro em caso de percalços na exportação.
-Mesmo os presidentes
de Minas Gerais atendiam aos interesses dos cafeicultores. Era a política do
Café com Leite; aprendi isso na escola.
Com o semblante
vincado, Elio retomou a palavra:
-Veja: com a grande
depressão que atinge os Estados Unidos, os países europeus vão diminuir
drasticamente as exportações do café.
Não vai haver recursos no Tesouro Nacional que sustentem as perdas da
oligarquia cafeeira.
-E o Washington Luís,
que não enxerga o óbvio, indica o Julinho para o seu lugar, que também
representa os interesses dos cafeeiros. - aditei.
-Carlos, vamos nos
distrair antes que a situação fique mais dramática, antes de o presidente
Antônio Carlos, presidente de Minas Gerais, se insurgir porque o seu estado foi
bigodeado.
-Bigodeado – ri com a
palavra – José Sarney buscou grandes mestres no passado.
Em seguida, voltei-me
para ele:
-Qual a diversão que
você sugere?
-Vamos ao Corcovado ver o Cristo Redentor.
-Falta um ano, Elio, o
Cristo Redentor é de 1931.
-Vamos assistir,
então, ao “Limite”, de Mário Peixoto.
-Eu já vi duas ou três
vezes na televisão. O Mário Peixoto até forjou uma carta de Eisenstein
elogiando o filme, aprendeu, certamente, com a nossa turbulenta política dos
anos 20. Tirante isso, é uma película de altíssima qualidade.
-Então, vamos visitar
a Chiquinha Gonzaga que reclama, porque, octogenária, nunca votou na vida.
E lá foram eles. A
fratura na sociedade brasileira se acentuou ainda mais com a insatisfação de
muitos conservadores. Minas Gerais se
sentiu traída e se uniu aos demais estados descontentes. Os mineiros rompem com
o PRP (Partido Republicano Paulista) e é formada a Aliança Liberal que lança
Getúlio Vargas ao cargo máximo com João Pessoa como vice. O programa de governo
é animador: anistia, voto secreto, voto feminino e jornada diária de trabalho
de 8 horas.
-Sei que não votarei
tão cedo pela primeira vez, pois a Aliança Liberal não vencerá as eleições.
-Lamentável, Chiquinha.
- mostramo-nos penalizados.
-A Aliança Liberal não
vencerá porque existe fraude na apuração dos votos.- bradou a grande
compositora.
E estava certa. Com a
vitória de Júlio Prestes, falava-se, até no meio do povo, em revolução,
contudo, Getúlio Vargas e João Pessoa reconheceram a derrota nas urnas.
-Sabe por que eles
reconheceram a vitória do Júlio Prestes, Carlos? Por que temem que o povo pegue
em armas. Estão bem vivos na mente deles os bolchevistas na Rússia e as
assustadores greves operárias que infernizaram São Paulo, principalmente, de
1914 a 1917.
-E Luís Carlos Prestes
já virou comunista. - lembrei.
A conspiração se
espalhava por todo o país.
Em Minas, Antônio
Carlos declarava:
“Façamos a guerra
antes que o povo a faça.”
Considerei essa declaração
e comentei com o Elio que os esquerdistas se reportarão ao sentido da frase do
aristocrata do livro do Príncipe de Lampedusa, aquela frase, quando eclodiram
os combates na Itália, no século XIX: “Se queremos que tudo permaneça como é,
faz-se necessário que tudo mude.”
Em seguida, veio da
Paraíba a declaração de João Pessoa, que são preferíveis mil Júlio Prestes à
revolução. Por ironia, o seu assassinato, numa confeitaria foi o estopim da
luta armada.
Era 3 de outubro de
1930, quando o comandante da 3ª Região Militar de Porto Alegre foi preso. Minas
logo aderiu aos rebeldes e Pernambuco também. No Paraná, o exército depõe o
presidente do estado. Getúlio Vargas, à frente das tropas gaúchas, se une aos
paranaenses e estabelece seu quartel-general em Ponta Grossa. Poucos dias
depois, marcha para a Capital Federal.
-Elio, o presidente
Washington Luís, em fim de mandato, não arreda pé do Palácio do Catete e enviou
tropas legalistas para o enfrentamento com os rebeldes.
-Vamos ver isso. -
vibrou o Elio.
Chegamos a Itararé,
onde aconteceria, segundo muitos, a maior batalha que a América do Sul já
presenciou.
-Lembrará Waterloo. -
garantiu um adepto de Júlio Prestes, que acreditava que ele tomaria posse do
governo na data aprazada.
O que vimos eu e Elio?
Nada, isto é. Os legalistas passaram para o lado dos soldados comandados por
Getúlio Vargas.
-Sabendo disso, Washington
Luís já deve ter feito as malas no Palácio do Catete. - previ.
-Carlos, ele é um
sonhador, acredita até na recuperação do preço do café. Ele permanece no
palácio.
Elio estava certo, ele
foi preso e enviado para o Forte de Copacabana. Júlio Prestes, por sua vez,
exilou-se no consulado da Inglaterra.
Os soldados gaúchos
amarraram seus cavalos no obelisco de granito, enquanto a Junta Militar reconhecia
Getúlio Vargas como chefe do governo provisório.
-Governo provisório
que durará quinze anos. - comentei.
-Carlos, vamos ver o
Zepelim, daqui a pouco ele passará sobre as belezas do Rio de Janeiro.
E fomos ver o Zepelim.
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