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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4296 Data: 20
de outubro de 2013
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RÁDIO MEMÓRIA 94.1 FM
SEGUNDA PARTE
Depois de protestar
contra as britadeiras e o bate-estaca que soam na atual música popular, Jonas
Vieira anunciou o samba “Ora, Ora”, de Almanyr Grego e Gomes Filho, com o Trio
Irakitan e citou a orquestra do maestro Lindolfo Gaia, que foi casado com a
cantora Stelinha Egg.
-Maravilhoso o Trio
Irakitan.
Ouvi o Sérgio Fortes e
me veio à mente o tempo das comparações excludentes, Trio Irakitan ou Trio
Nagô? Eu preferia o último, por pirraça, apenas, pois a maioria preferia o Trio
Irakitan. Tempo em que eu preferia o Little Richard ao Elvis Presley, só para
azucrinar a paciência da minha irmã. (*)
Jonas Vieira realçou a
qualidade artística da época passada, enquanto hoje – disse – para se encontrar
alguma coisa boa no atual panorama brasileiro é preciso um esforço inaudito.
-Antes, tudo era
“chiquê”.
A palavra mexeu com o
Sérgio Fortes, que lamentou que não se fala mais “chiquê”,
Jonas Vieira se
reportou, então, a uma crônica do Ruy Castro, na Folha de São Paulo, em que o
biógrafo de Nélson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda arrola objetos e
comportamentos que não se veem mais.
-Gravata-borboleta,
não se vê mais...
Vê-se, sim, Ruy Castro
e Jonas Vieira, todas as noites, no Globo News, aparece o colunista George
Vidor com a sua indefectível borboleta pousada no pomo de adão.
-Não se vê ninguém
mais dando banana...
É verdade; o último
que vi foi o Paulo Amaral, quando era técnico do Vasco. Chamado pela torcida de
burro, reagiu dando bananas, pencas e mais pencas e foi punido por “gestos
obscenos”. Que exagero!
-Não se chuta mais
chapinhas...
Bem observado. Seu
Eugênio, na Rua Chaves Pinheiro, sempre achava uma chapinha na calçada para
chutá-la, quando a traseiruda Vitória
despontava na esquina. A chapinha recebia petelecos com o pé até ela,
mulher com corpo de violão, desaparecer no horizonte.
Sérgio Fortes guardou
na sua retentiva o fascínio que o radinho de pilha exerceu sobre ele, Na
esteira das reminiscências, chegou aos impropérios que os maus motoristas
ouviam:
-Navalha!
A música voltou,
escolhida pelo Sérgio Fortes, com toda a intensidade do talento de Cole Porter:
“Anything Goes” - gravação de 1934, na voz do autor.
-Gênio! Obra-prima! -
regozijou-se o decano do programa.
E prosseguiu:
-Os americanos guardam
tudo; aqui, no Brasil, joga-se tudo fora, as matrizes, tudo.
Sérgio Fortes revelou,
então, um dos maiores crimes perpetrados na cultura do Brasil, se não o maior: um
diretor da Rádio Ministério da Educação ordenou que todo o acervo da emissora
fosse para o lixo.
-É um criminoso. -
indignou-se o Jonas Vieira,
E citou o Sérgio uma
das consequências desse desatino: o lendário tenor Mário Del Monaco, que cantou
“O Guarani, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos anos 50, sabendo que
havia uma gravação na Rádio, pedia ao barítono Paulo Fortes uma cópia:
-Meu pai vivia se
desculpando, sem coragem de lhe contar a verdade.
-Esse sujeito foi um
criminoso.
-Devia ser fuzilado.
E não havia palavras
suficientemente dura para retratar tamanho erro que, para o diplomata
Talleyrand, é pior do que o crime.
E veio a “Pausa para
Meditação”, do Fernando Milfond que, por falar do “futuro supimpa” do Brasil,
não amainou os ânimos.
Jonas Vieira atualizou
os despautérios cometidos neste país enveredando pela atual reivindicação
salarial dos professores.
-Existe um ditado
americano que diz: “Antes um mau acordo do que acordo nenhum”.
E retornou à música
tergiversando:
-Era um autor que eu
ouvia com reservas, hoje não, penso que é um dos grandes, um estilista. Falo de
João Gilberto, que vai cantar a versão de Nilo Sérgio de “I'm Looking Over a
Four Leaf Clover”, “Trevo de Quatro Folhas”.
E foi ouvida a versão
abrasileirada, com muita competência, em 1949, da canção americana de 1927,
composta por Harry M. Woods e Mort Dixon,
-Você acredita, Jonas,
que João Gilberto ensaiou um acorde durante cinco dias e o seu gato, não
aguentando mais, atirou-se pela janela?
-Há muitas histórias
do João Gilberto.
O Simon Khouri
precisaria de um programa inteiro para contá-las. - pensei de imediato.
Depois da voz de meia
oitava do João Gilberto, veio a voz que beira as três oitavas do Plácido
Domingo e, para estabelecer a diferença abissal, Sérgio Fortes escolheu “Di
Quella Pira”, do Trovador, de Verdi, com direito a dó de peito.
Antes, porém, fez
comentários chistosos, pois ele, como nós, perde o amigo e até a ópera, mas não
perde a piada. Afinal, o ser humano é, por natureza, gozador; os ETs não
aparecem neste planeta por causa do medo de sofrerem bullyng.
-Manrico, o tenor,
está namorando a Leonora, quando recebe a notícia que a sua mãe vai ser
queimada na fogueira, em vez de correr para salvá-la, o que faz? canta uma
ária.
Bem, a música popular
teve o “Churrasquinho de Mãe”, do Teixeirinha, mas aqui, o padrão da ópera de
Verdi é infinitamente superior. E a própria Açucena, a vítima, que afinal não
saiu chamuscada, compreenderia que, por essa ária, “Di Quella Pira”, valia a
pena esperar mais um pouco.
Jonas Vieira elogiou a
interpretação do Placido Domingo com vários adjetivos, só não citando o
“arrebatador”, pois o copyright é do Dieckmann.
-Queimou tudo. -
brincou uma vez mais aquele que trouxe a gravação.
Em seguida, Jonas
Vieira elogiou dois livros, o das reflexões do Papa Francisco e do Rabino
Abraham Skorka, e o do filósofo Olavo de Carvalho, “O Mínimo Que Você Precisa
Saber Para Não Ser Um Idiota”. Como este foi lançado recentemente, recomendou
com veemência a sua leitura.
-É uma leitura
gostosíssima. Olavo de Carvalho tem uma cultura enciclopédica.
Passou, então, para a
música.
-Vamos ouvir agora o
querido e saudoso Francisco Carlos, numa música de Custódia Mesquita e Evaldo
Rui, que era irmão do grande Haroldo Barbosa. E anunciou “Como os rios que
correm para o mar.”
Ouvida a gravação, a
poesia do Evaldo Rui, a voz do Francisco Carlos e a participação do Chiquinho
do Acordeon foram cobertos de louvores.
E veio mais um momento
de descontração. Influenciado, talvez, por Simon Khouri, Jonas Vieira contou um
caso em caso em que o diretor da Rádio Nacional, chegando à emissora com
visitas, deparou-se com o César de Alencar de cuecas. Mas, diferentemente do
deputado do PTB Barreto Pinto, ele não foi destituído por falta de decoro.
E o Rádio Memória foi
encerrado, musicalmente, com Cole Porter: “Everytime we say goodbye.”, do
musical de 1944, que não obteve sucesso, pois foram apenas 183 apresentações
“Seven Lively Arts”. Essa canção, por sua vez, foi reverenciada pelo público.
Foi gravada em 1945, nos discos de 78 RPM, pelo quinteto de Benny Goodman e
pelo quinteto do consagrado pianista Teddy Wilson, com vocal de Maxine
Sullivan.
Como nos inspirados
sonetos, foi o fecho de ouro.
(*) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO começa a perceber que essa tendência de
ser do contra não se desvaneceu com a idade do Redator. Talvez os próximos
jogos do time de sua predileção o convençam que a maioria tem sempre razão.
Talvez.
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