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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

2496 - O mínimo que você precisa saber



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4296                                     Data: 20 de outubro de 2013
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RÁDIO MEMÓRIA 94.1 FM

SEGUNDA PARTE

Depois de protestar contra as britadeiras e o bate-estaca que soam na atual música popular, Jonas Vieira anunciou o samba “Ora, Ora”, de Almanyr Grego e Gomes Filho, com o Trio Irakitan e citou a orquestra do maestro Lindolfo Gaia, que foi casado com a cantora Stelinha Egg.
-Maravilhoso o Trio Irakitan.
Ouvi o Sérgio Fortes e me veio à mente o tempo das comparações excludentes, Trio Irakitan ou Trio Nagô? Eu preferia o último, por pirraça, apenas, pois a maioria preferia o Trio Irakitan. Tempo em que eu preferia o Little Richard ao Elvis Presley, só para azucrinar a paciência da minha irmã. (*)
Jonas Vieira realçou a qualidade artística da época passada, enquanto hoje – disse – para se encontrar alguma coisa boa no atual panorama brasileiro é preciso um esforço inaudito.
-Antes, tudo era “chiquê”.
A palavra mexeu com o Sérgio Fortes, que lamentou que não se fala mais “chiquê”,
Jonas Vieira se reportou, então, a uma crônica do Ruy Castro, na Folha de São Paulo, em que o biógrafo de Nélson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda arrola objetos e comportamentos que não se veem mais.
-Gravata-borboleta, não se vê mais...
Vê-se, sim, Ruy Castro e Jonas Vieira, todas as noites, no Globo News, aparece o colunista George Vidor com a sua indefectível borboleta pousada no pomo de adão.
-Não se vê ninguém mais dando banana...
É verdade; o último que vi foi o Paulo Amaral, quando era técnico do Vasco. Chamado pela torcida de burro, reagiu dando bananas, pencas e mais pencas e foi punido por “gestos obscenos”. Que exagero!
-Não se chuta mais chapinhas...
Bem observado. Seu Eugênio, na Rua Chaves Pinheiro, sempre achava uma chapinha na calçada para chutá-la, quando a  traseiruda  Vitória  despontava na esquina. A chapinha recebia petelecos com o pé até ela, mulher com corpo de violão, desaparecer no horizonte.
Sérgio Fortes guardou na sua retentiva o fascínio que o radinho de pilha exerceu sobre ele, Na esteira das reminiscências, chegou aos impropérios que os maus motoristas ouviam:
-Navalha!
A música voltou, escolhida pelo Sérgio Fortes, com toda a intensidade do talento de Cole Porter: “Anything Goes” - gravação de 1934, na voz do autor.
-Gênio! Obra-prima! - regozijou-se o decano do programa.
E prosseguiu:
-Os americanos guardam tudo; aqui, no Brasil, joga-se tudo fora, as matrizes, tudo.
Sérgio Fortes revelou, então, um dos maiores crimes perpetrados na cultura do Brasil, se não o maior: um diretor da Rádio Ministério da Educação ordenou que todo o acervo da emissora fosse para o lixo.
-É um criminoso. - indignou-se o Jonas Vieira,
E citou o Sérgio uma das consequências desse desatino: o lendário tenor Mário Del Monaco, que cantou “O Guarani, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos anos 50, sabendo que havia uma gravação na Rádio, pedia ao barítono Paulo Fortes uma cópia:
-Meu pai vivia se desculpando, sem coragem de lhe contar a verdade.
-Esse sujeito foi um criminoso.
-Devia ser fuzilado.
E não havia palavras suficientemente dura para retratar tamanho erro que, para o diplomata Talleyrand, é pior do que o crime.
E veio a “Pausa para Meditação”, do Fernando Milfond que, por falar do “futuro supimpa” do Brasil, não amainou os ânimos.
Jonas Vieira atualizou os despautérios cometidos neste país enveredando pela atual reivindicação salarial dos professores.
-Existe um ditado americano que diz: “Antes um mau acordo do que acordo nenhum”.
E retornou à música tergiversando:
-Era um autor que eu ouvia com reservas, hoje não, penso que é um dos grandes, um estilista. Falo de João Gilberto, que vai cantar a versão de Nilo Sérgio de “I'm Looking Over a Four Leaf Clover”, “Trevo de Quatro Folhas”.
E foi ouvida a versão abrasileirada, com muita competência, em 1949, da canção americana de 1927, composta por Harry M. Woods e Mort Dixon,
-Você acredita, Jonas, que João Gilberto ensaiou um acorde durante cinco dias e o seu gato, não aguentando mais, atirou-se pela janela?
-Há muitas histórias do João Gilberto.
O Simon Khouri precisaria de um programa inteiro para contá-las. - pensei de imediato.
Depois da voz de meia oitava do João Gilberto, veio a voz que beira as três oitavas do Plácido Domingo e, para estabelecer a diferença abissal, Sérgio Fortes escolheu “Di Quella Pira”, do Trovador, de Verdi, com direito a dó de peito.
Antes, porém, fez comentários chistosos, pois ele, como nós, perde o amigo e até a ópera, mas não perde a piada. Afinal, o ser humano é, por natureza, gozador; os ETs não aparecem neste planeta por causa do medo de sofrerem bullyng.
-Manrico, o tenor, está namorando a Leonora, quando recebe a notícia que a sua mãe vai ser queimada na fogueira, em vez de correr para salvá-la, o que faz? canta uma ária.
Bem, a música popular teve o “Churrasquinho de Mãe”, do Teixeirinha, mas aqui, o padrão da ópera de Verdi é infinitamente superior. E a própria Açucena, a vítima, que afinal não saiu chamuscada, compreenderia que, por essa ária, “Di Quella Pira”, valia a pena esperar mais um pouco.
Jonas Vieira elogiou a interpretação do Placido Domingo com vários adjetivos, só não citando o “arrebatador”, pois o copyright é do Dieckmann. 
-Queimou tudo. - brincou uma vez mais aquele que trouxe a gravação.
Em seguida, Jonas Vieira elogiou dois livros, o das reflexões do Papa Francisco e do Rabino Abraham Skorka, e o do filósofo Olavo de Carvalho, “O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota”. Como este foi lançado recentemente, recomendou com veemência a sua leitura.
-É uma leitura gostosíssima. Olavo de Carvalho tem uma cultura enciclopédica.
Passou, então, para a música.
-Vamos ouvir agora o querido e saudoso Francisco Carlos, numa música de Custódia Mesquita e Evaldo Rui, que era irmão do grande Haroldo Barbosa. E anunciou “Como os rios que correm para o mar.”
Ouvida a gravação, a poesia do Evaldo Rui, a voz do Francisco Carlos e a participação do Chiquinho do Acordeon foram cobertos de louvores.
E veio mais um momento de descontração. Influenciado, talvez, por Simon Khouri, Jonas Vieira contou um caso em caso em que o diretor da Rádio Nacional, chegando à emissora com visitas, deparou-se com o César de Alencar de cuecas. Mas, diferentemente do deputado do PTB Barreto Pinto, ele não foi destituído por falta de decoro.
E o Rádio Memória foi encerrado, musicalmente, com Cole Porter: “Everytime we say goodbye.”, do musical de 1944, que não obteve sucesso, pois foram apenas 183 apresentações “Seven Lively Arts”. Essa canção, por sua vez, foi reverenciada pelo público. Foi gravada em 1945, nos discos de 78 RPM, pelo quinteto de Benny Goodman e pelo quinteto do consagrado pianista Teddy Wilson, com vocal de Maxine Sullivan.
Como nos inspirados sonetos, foi o fecho de ouro.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO começa a perceber que essa tendência de ser do contra não se desvaneceu com a idade do Redator. Talvez os próximos jogos do time de sua predileção o convençam que a maioria tem sempre razão. Talvez.

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