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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4289 Data: 09
de outubro de 2013
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CARTAS CINEMATOGRÁFICAS DOS LEITORES
-”Bairro tem que ter cinema, clube e
padaria. Isso pode parecer óbvio, mas Santa Teresa, quando teve padaria, não
tinha cinema e hoje tem cinema, mas não tem padaria.” Branca Euler
BM: Branca, Santa Teresa foi chamada pelo governador Sérgio Cabral de
Montmartre brasileira e olhe que ele entende do assunto, pois vive em Paris,
enquanto o vice Pezão governa o estado.
Eu não digo que Santa Teresa merecesse
um Moulin Rouge (*), mas um cinema, sim. E há dez anos, precisamente em 2003,
inauguraram o Cine Santa Teresa. Ótimo.
Quando os encantadores cinemas de todos os bairros do Rio de Janeiro, mesmo os
poeiras, fechavam as portas com o advento das insossas salas de projeção de
filmes dos Shopping Centers, Santa Teresa abria um cinema como os de
outrora. No entanto, ficou sem padaria,
o que todos os bairros que eu conheço mantiveram.
Abriu o cinema e fechou uma padaria...
parece uma paródia sem graça de uma frase da “Noviça Rebelde”: “Quando Deus
abre fecha uma porta, ele pode estar abrindo uma janela.”
Atenção senhores comerciantes: vamos abrir padarias em
Santa Teresa: demanda não falta. (**)
-”Grande Jussara, na Rua Jardim Botânico
, ao lado da ABBR e do Carioca Esporte Clube, pelos anos 1970, 1971... Não
controlava a idade dos frequentadores nos filmes com censura de 18 anos.
Bussunda também citava o Cine Jussara em algumas entrevistas.” Carlos
Alberto Torres
BM: Grande capitão da Copa de 70, o Cinema Cachambi também não controlava
a idade dos frequentadores, com uma exceção: “E Deus criou a mulher”. Para mim,
foi uma frustração juvenil terrível, pois na semana anterior, eu vi o trailer
da fita em que a Brigitte Bardot aparecia nua e
também saindo do banho envolta numa toalha que ela abriu para receber o
seu homem. Não preciso dizer que a plateia do Cachambi ululou de desejo. Cismei
que tinha de assistir a todas aquelas cenas eróticas, apesar dos meus 13, 14
anos, mas o “Secreta”, o encarregado da entrada, cismou que não, e sofri uma
frustração de merecer análise freudiana. Agora, “E Deus criou a mulher” surge a
todo momento nas telas de televisão, mas perdeu o encantamento, murchou como a própria Brigitte Bardot.
-”Boa sessão nostalgia. Tenho uma
história do Ricamar. Fui ali ver a primeira exibição de O Enigma de Kasper
Hause (Jeder für sich und Gott gegen alle) com som original
alemão. No circuito comercial, passara na versão dublada francesa (Chacun
pour soi et Dieu contre tous) não sei por quê.
Naqueles dias, havia sido lançado o
filme Raoni, sobre o chefe indígena. Uma dessas apologias não muito
racionais ao “bom selvagem”. Saguão e sala de exibição cheia de penas (?).
Cocar, dizem todos os políticos, dá azar. Não é bom prognóstico para o Papa
François Ier. O próprio Herzog estava lá e falou sobre a exibição, respondendo
também a perguntas da plateia. Uma coisa ele disse, porém, que não esqueci. Que
não entendia por quê, de todos os países, justo no Brasil a distribuição não
foi com a tradução literal do título. Porque, explicou, havia tomado a frase de
um filme brasileiro – Macunaíma – e que ela – a frase – lhe tinha causado uma
epifania, uma revelação súbita. Contou ainda que a frase era inconcebível nos
países de 1º Mundo e causava estupor. Logo a nossa “cada um por si e Deus
contra”, que que qualquer criança já ouviu!Note que a forma original tem
acrescido o mérito da concisão: não é preciso dizer “contra todos”, porque isso
se depreende naturalmente. Abraço. Álvaro.”
BM: Apesar dos elogios à minha retentiva, eu não posso garantir se foi no
início dos anos 80, se eu estiver enganado, foi no fim dos anos 70, quando me
desloquei para Copacabana com o objetivo de assistir a “O Enigma de Kasper
Hause”. Não me informei antes e, por isso, quando mal terminou a sessão,
surpreendi-me com os aplausos ardorosos da numerosa plateia a um homem que se
dirigiu para um local entre a tela e nós e se pôs a falar: era o Herzog.
Era tarde, eu morava (ainda moro) longe
e dependia da boa vontade das companhias de ônibus para retornar ao Cachambi,
por isso, não pude permanecer no Ricamar por muito tempo. Mas ainda ouvi as
recomendações que Herzog deu àqueles que pretendiam se tornar cineastas: “consigam
uma câmera do jeito que for”.
Na sessão dos índios, eu não estava, como o cinéfilo
Álvaro; fui ao Ricamar no dia em que a
pena era a minha por ter de sair no meio da festa.
“Dos cinemas “poeiras” que conheci, o
melhor, o inolvidável, era o Polytheama, no Largo do Machado, onde hoje existe
mais um desses supermercados Extra da vida.
Além de poeira, o Poly (para os íntimos)
era pulguento, muitas vezes fedorento e, para arrematar, tinha um jirau, em
estrutura de ferro, com colunas de sustentação que atrapalhavam a visão da
tela, para os que sentavam em poltronas (aquilo, em madeira ordinária, não era
poltrona...) laterais.
Ah, vi ali Sarita Montiel, com suas
Violeteras, vi Marcelino, Pão e Vinho, vi bang-bang de montão, era muito ruim,
horrendo e barato com muita barata.
Que Jussara, que nada!
Polytheama, o cinema que não te ama.
Abraço. Elio.”
BM: No Cinema Cachambi, perdi meu medo de histórias de
terror que começou com a televisão, “Câmera Um”, na apresentação do Jacy
Campos, `a meia-noite. Assisti ao “Vampiro da Noite”, e me escondi detrás da
cortina, pedindo ao meu pai, ao meu irmão Claudio e ao Fernando, um vizinho
espanhol, que me avisassem que nenhum sangue estava sendo sorvido para eu
voltar para o meu lugar diante da televisão.
Foi no Cinema Cachambi, alguns anos
depois, que superei essa fobia, e isso aconteceu na fita “Noivas do Vampiro”.
As gozações que saíam dos espectadores me fizeram sentir participante de um
outro filme, de uma comédia, que tirava do que surgia da tela motivos para mil
piadas. Depois disso, não consigo mais
assistir a uma fita de horror sem imaginar algo hilariante.
E mais outras mil histórias eu teria de contar do
poeira do nosso bairro, mas o tempo é curto.
-”Quanto a fitas com Charlton Heston ou
qualquer outro (Robert Redford, Brad Pitt e Johnny Deep) não têm utilidade para
quem só usa uma TV de 14”, com o som desligado para não incomodar os vizinhos.
Gostei muito do final do “Planeta dos
macacos”, a cena do fim é um achado, ele vê o que sucedeu antes de nós e na
cena em puxam os andrajos dele o meu relógio parou e nunca mais andou. Mas ele
estava abracadabrante no “Senhor da Guerra” com o cabelo cortado numa cuia de
queijo, “ Rosa Grieco
BM: Não conte o final do “Planeta dos macacos”, Rosa; eu não vi ainda o
filme.
(*)
Companheiro de preferências do Sergio Cabral, o Distribuidor do seu O BISCOITO
MOLHADO aproveita a deixa e esclarece que o Moulin Rouge fica técnica e geograficamente
nas fraldas de Montmartre – o Google considera o Boulevard de Clichy parte de
Montmartre – mas esse bulevar equivale à Rua do Riachuelo, que é o limite da Lapa,
este sim o Moulin Rouge carioca.
A colina é
toda uma concentração boêmia, excetuando-se a Basílica do Sacre Coeur,
certamente – mas os grandes shows ficam no citado bulevar, na cota zero.
(**) Há
controvérsias. As padarias ficam em grandes conglomerados humanos, cheios de prédios,
com centenas de pessoas. Os empresários das padarias preferem essas locações e
não se interessam por distribuições menos concentradas. O que é bom, porque
esses mesmos empresários produzem um pão de baixa qualidade, que é igual na
cidade toda, pois o fabricante (fabricante mesmo, não é padeiro que faz) é um
só para aumentar o lucro. Em contrapartida, alguns padeiros artesanais
trabalham em Santa Teresa e, conhecendo o lugar, pode-se degustar excelentes
pães.
Experimente o
leitor deste periódico colocar, lado a lado, um pão francês da padaria mais
próxima e um pão artesanal e verifique quando as formigas atacarão o pão
francês. Leve cadeira e relógio de horas.
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