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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4280 Data: 23 de
setembro de 2013
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O SABADOIDO CADA VEZ MAIS DOIDÃO
PARTE II
E continuamos a falar sobre a
cinebiografia do Sérgio Buarque de Holanda.
-O depoimento mais louco foi do Carlinhos
Brown.
-Não podia deixar de ser. - ironizou meu
irmão.
-Aparecem a Helena Buarque de Holanda, o
filho dela e, logo em seguida, o Carlinhos Brown com uma espécie de sunga
indiana e um turbante.
-Não estava com a caxirola na mão, que
ele inventou para a Copa de 2014, que daria um dinheirão para ele e outros
interessados?
Respondi que não e passei a falar da
loucura dele, que foi cismar com a mulher que o pai do seu sogro era o do
dicionário, o Aurélio Buarque de Holanda. Depois, descobriu que não, que se
tratava do autor do “Raízes do Brasil”.
-Que, certamente, ele continua sem ler.
- adivinhou meu irmão.
-As locações dos Buarque de Holanda não
são hollywoodianas, mas tem seu luxo, além de serem amplas. E pensar que o
patriarca da família teve uma vida frugal...
-De quando é o filme?
-De 2004.
-Então, a Ana de Holanda não era ainda
ministra da Cultura. - deduziu.
-A ideia dessa homenagem partiu dela e o
Sérgio Buarque de Holanda merecia essa e outras, mas não ser nome de
petroleiro. - afirmei.
-E o gosto do Sérgio Buarque de Holanda
pela música popular brasileira? - quis saber.
-O Antônio Cândido declarou que ele
gostava muito da nossa música, mas que não entendia nada, que a Maria Amélia
sim, sabia o nome de todas as canções e os compositores.
-Foi ela que fez o Chico Buarque se
tornar tricolor, levando-o para assistir aos jogos do Fluminense. - acrescentou
meu irmão esse fato que não foi dito na fita.
-O melhor depoimento de todos, que até
recebeu aplausos, foi o do Antônio Cândido. Ele disse que ganhou do Sérgio
Buarque de Holanda 400 livros e que, caso o seu amigo não se desfizesse dos
livros por falta de espaço em casa, formaria uma valiosa biblioteca de 40 mil
volumes.
-E por que ele se desfez dos livros?
-Ora, Claudio, por causa da Maria
Amélia; não havia espaço mais em casa para tantos livros; ela, então, o proibiu
de comprá-los e mandou que se desfizesse de alguns.
-Estava ela certíssima! - bradou a Gina,
que retornava à cozinha.
-O espaço que o filho usa como campo de
futebol, o pai usaria, certamente, como biblioteca. - imaginei.
-A Gina me obriga não só a me desfazer
de livros, como dos meus discos de vinil e dos meus filmes em VHS.
-Você não vai entulhar esta casa de
velharia.
Antes que brotasse uma discussão,
lembrei que o grande intelectual de “Raízes do Brasil” e de outras obras,
afirmou, até pouco antes de morrer, que devia tudo à mulher, que nunca lhe
faltou com seu apoio.
Meu irmão anunciou que ia comprar pão e
a Gina passou às reminiscências da sua meninice.
-Quando eu era muito pequena, eu gostava
de bonecas e a Jura, não. Meu pai vivia com dificuldades e o meu padrinho
Arlindo satisfazia os caprichos meus e da minha irmã. Então, veio a época do
radinho de pilha; minha mãe, por exemplo, só se deslocava de um lado para outro
com o radinho de pilha.
-Eu me lembro, quando lançaram o rádio
Spica, no milagre econômico do Japão. - interrompi. (*)
-O meu sonho era ter um radinho de pilha
e eu julguei que ganharia um de presente do meu padrinho no aniversário.
-E ganhou?
-Carlinhos, quando abri o pacote e vi
que eram três volumes da Enciclopédia Lello Universal, que cara de decepção que
fiz. Ainda morro de vergonha quando me lembro.
E continuou:
-Anos depois, na escola, recorri inúmera
vezes a esses três volumes, o que foi muito útil, mas a minha decepção no dia
do meu aniversário....
-Gina, aconteceu comigo quase a mesma
coisa. O Tio Lopinho, que ainda passava
por dificuldades, deu-me um Long Playing de ópera no dia dos meus anos.
-Minha mãe, que o conheceu em São
Cristóvão, dizia que ele era louco por óperas.
-Sabendo que eu era dos poucos
sobrinhos, talvez o único que gostava, deu-me esse LP. Quando eu abri e me
deparei com a “Lucia de Lammermmor”...
-Não era uma boa ópera?
-Excelente, mas vim saber disso depois;
na época eu era fanático mesmo por “Cavaleria Rusticana”, “Os Palhaços”,
“Traviata”... Eu queimei etapas como adepto do canto lírico; só vim a me
deslumbrar com a obra lírica de Mozart, por exemplo, com uns 25 anos de idade.
Ela me observava, e eu prosseguia:
-A cara de decepção que fiz ao abrir o
presente!... Não gosto de lembrar porque sinto uma tremenda vergonha
regressiva.
Quando o Daniel voltou para a cozinha, o
assunto que palpitava era o julgamento do mensalão.
-Por um lado, Gina, se o voto do Celso
de Mello fosse contrário aos mensaleiros daria a muitos a impressão que a
impunidade acabou no Brasil e ela está mais viva do que nunca. Ninguém fala,
por exemplo, do caso Lula e Rosemary, em que a corrupção foi terrível.
-Carlão, não fale uma coisa dessas na
Casa da Moeda.
-Por que, Daniel, são todos lulistas?
-Todos.
-Daniel, no segundo mandato do Lula, eu
recebi um polpudo aumento de salário, mas não vou perder os meus princípios por
isso. O que se vê mais por aí é gente pensando em política com o umbigo em vez
do cérebro.
-Fala baixo, Carlão. - disse com o dedo
indicador no meio dos lábios, fingindo medo.
-Na Alemanha, os próprios sindicatos
aceitam baixos salários quando é necessária a recuperação do país. E qual o país mais possante da Europa? E
ainda recuperaram a parte oriental, que foi degradada pelo comunismo, quando
voltou a ser um só país. Quanto ao
Brasil...
Como a política não atrai meu sobrinho,
ele retornou às músicas do seu teclado, a Gina o seguiu, enquanto meu irmão
voltava da padaria.
O futebol veio à tona.
-Eu não me conformo que o Cafu, um
jogador limitado, tenha vestido a camisa da seleção brasileira mais vezes do
que todos.
-E quantas vezes ele vestiu, Claudio?
-142 vezes, e, em segundo lugar, está o
Roberto Carlos, 125. Em terceiro, sim, aparece um craque, Rivelino.
-Quantas vezes?
-120 vezes, com 40 gols. Ele jogou na
grande época dos meias-armadores. Não tinha lugar para Dirceu Lopes, para o
Ademir da Guia... O próprio Rivelino
jogou na ponta-esquerda na Copa de 70.
-O Gérson era absoluto. - afirmei.
-Carlinhos, o Rivelino foi um jogador
excepcional, não devia nada ao Gérson. Havia só uma diferença entre eles, o
Gérson marcava os adversários.
-E tinha a visão de todo o campo de
jogo.
-Rivelino também tinha. (**)
A discussão não prosperou porque o
telefone tocou.
Era o Luca.
(*) O termo
milagre econômico se refere apenas à Alemanha Ocidental, cuja economia foi
conduzida com mão de ferro pelo Ludwig Ehrard e dá resultados até hoje, apesar
de ter que incorporar a ‘outra’ Alemanha, que é uma espécie de Noroeste
Fluminense a oeste do Rio Oder.
(**) “Claro
que tinha, mas no par ou ímpar, o Gérson seria sempre escolhido antes pro meu
time de pelada” disse o Dieckmann, consultado pelo Distribuidor do seu O
BISCOITO MOLHADO por ser uma opinião sensível e absoluta no terreno do futebol,
pois que ainda o pratica toda semana. Relevantemente.
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