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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4284 Data: 30
de setembro de 2013
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O ÚLTIMO SABADOIDO
SETEMBRINO
-Claudio, o Osmundo, amigo do Dieckmann,
escreveu que você se enganou, “Noviça Rebelde” não estreou no Metro Passeio.
-E eu disse isso?... Eu disse que
estreou no Palácio.
-Caramba, quem se enganou, então, fui
eu, que atribuí a você a estreia no cinema errado.
-E digo mais: vi “My Fair Lady, no
Vitória, na sessão das seis às nove e, em seguida, “A Noviça Rebelde”, no
Palácio, das nove à meia-noite, e só não segui para o Odeon, onde estava em
cartaz o “Lord Jim”, porque não havia sessão que iniciasse depois da
meia-noite. E isso foi no dia 28 de dezembro de 1965, uma quarta-feira.
Sabemos eu e aqueles que convivem com
meu irmão que ele possui uma memória privilegiada, mas, naquele instante,
fiquei abismado.
-Como você se lembra disso tudo?
-Porque o nosso primo, Dudu, sonhou que
morrera atropelado, encontrou-se comigo e fomos ao cinema.
-Desde garoto ele transformava caixas de
sapato em fachadas de cinema com filmes em cartaz. Quis ele assistir a todas as
fitas antes de morrer? - comentei.
-Muitas vezes, ele saía de um cinema
para entrar em outro, e eu, como nessa vez, o acompanhei.
-Veja, Claúdio, havia três grandes obras
da cinematografia em cartaz; não se vê mais isso há muito tempo.
-Diga, então, ao Osmundo que não errei.
-Ele, como você, conheceu o Cine
Jussara, que o Dieckmann, frequentador da Zona Sul, confessou que desconhecia.
(*)
-Jussara era um poeira, Carlinhos.
-Foi o que ele escreveu.
Dizendo isso, saquei da pochete uma
folha de papel que trazia o e-mail que o amigo do Dieckmann enviara, e eu
imprimi. Entreguei-a a meu irmão que tratou de lê-la.
-Ele fala de um poeira do Méier, em
frente à linha do trem que passava grandes reapresentações...
-E concluiu que era o Cine Para Todos.
-O Bruni Méier também ficava junto à
linha do trem, mas do outro lado, na Rua Amaro Cavalcanti.
-Mas ele só virou poeira anos depois;
passou a ser o cinema de filmes pornôs do bairro.
-Eu me lembro, Claudio, da primeira fita
que entrou em cartaz no Bruni Méier: “Hatari”, com John Wayne. Era um sábado e
nós, com a turma da Rua Americana, perambulávamos à noite. Só não sei a data.
Enquanto eu falava, prosseguia na
leitura.
-Ele acha o Humphrey Bogard travado no
“Sabrina”...
-Nessa questão, eu discordo dele, pois o
estroina daquela família rica era o personagem do William Holden, o do Humphrey
Bogard, não, era o responsável, o sério.
-Sim, as empresas não foram à falência
por causa dele. - argumentou meu irmão.
-O Dieckmann me falou que o Osmundo
deseja vir ao Sabadoido conversar sobre películas e cinemas do Rio de Janeiro.
Sobre cinemas, terei só de ouvir, pois não tenho o conhecimento de vocês.
-O lançamento do “Camelot” foi no
Veneza, onde fui, embora fosse contramão para mim. - citou mais.
-Você se lembra do Cine Britânia,
Claudio?
-Claro; depois se transformou no Stúdio
Tijuca.
-Eu assisti no Cine Britânia “Ato
Final”, de Skolimowski. Sérgio Augusto foi o único crítico que escolheu esse
filme como o melhor de 1970. - lembrei.
E prossegui com as reminiscências desse
filme:
-O Sérgio Augusto, na sua argumentação
pela escolha, disse que um filme, para ser bom, tem de ter, pelo menos, uma
grande cena, e no “Ato Final” havia pelo menos quatro, segundo ele, uma delas
era a procura de um diamante na neve.
-Isso é grande cena, Carlinhos?
-Como disse Voltaire, no século XVIII, o
estudo da metafísica consiste em procurar, num quarto escuro, um gato preto que
não está lá. - recorri ao filósofo iluminista.
-É isso, Carlinhos; não é preto, é
branco, não é gato, é diamante, mas no fundo é a mesma coisa.
-Um clichê que nada tem de grande cena.
- atalhei.
-Mas eu gostava do Sérgio Augusto como
crítico; dele e do Ely Azeredo. - frisou.
-Todos os sábados, no Caderno B do
Jornal do Brasil, uns cinco ou seis críticos julgavam filmes que iam da bola
preta a cinco estrelas.
-Sei, Carlinhos, mas eu não perdia meu
tempo lendo aquilo, pois todo o mundo dava cinco estrelas para os filmes do
Godard.
-Mas o Alex Viany dava sempre bola
preta. Uma vez, ele escreveu: se o cinema está morrendo, Godard é o
papa-defunto, ou coveiro, não me recordo bem.
Ele só elogiou um filme do Godard, alías, o episódio “A Preguiça”, de
“Os Sete Pecados Capitais.”
-Cada diretor dirigiu um pecado?
-Isso; eu assisti a essa fita no “Cinema
de Arte”, da TV Excelsior.
-”Cinema de Arte” era o último programa
do dia da Excelsior; veio, depois, na TV Globo, a “Sessão das Dez”, com a Célia
Biar e o gato Zé Roberto. - acrescentou.
-Voltando àqueles críticos do Jornal do
Brasil, o Sérgio Augusto e o Ely Azeredo não babavam como os outros com as
obras de Godard, às vezes lhe davam três, quatro estrelas.
-Eu me deslocava do Cachambi ao Jardim
Botânico para ver “Honra a um Homem Mau”, no Jussara, mas nunca fui ao Cine
Payssandu, o cinema dos metidos a intelectuais.
-De 1965 a 1975, mais ou menos, bastava
fazer um filme de esquerda para ser aplaudido. Foi a época em que se dizia: “O
filme é uma merda, mas o diretor é um gênio.”
-Ninguém entendia nada. - resumiu.
-O Sérgio Augusto conta que, numa sessão
do “Ano Passado em Marienbad”, um sujeito se levantou, no meio da projeção, e
bradou: “Não sei se vocês estão entendendo alguma coisa, mas eu não entendo
porra nenhuma.” E foi embora, em seguida.
-Pelo menos, ele foi sincero.
-Se a memória não me falha, Claudio, o
Sérgio Augusto escreveu que esse cidadão era a única pessoa da plateia sincera.
Minutos depois, chegaram o Luca e o
Vagner, e a conversação sobre a sétima arte prosseguiu, pois o Luca, embora não
conhecesse muitas obras elaboradas com fotogramas, tinha um invejável
conhecimento dos cinemas de outrora do Rio de Janeiro. Assim, foram citados por
ele e o Claudio, o Cine São Pedro, na Penha; o Trindade, em Pilares; o Stela
Matutina, de Maria da Graça; o Primavera, de Del Castilho; o Baronesa, de
Jacarepaguá; o Santo Alice, do Engenho Novo; e muitos outros.
-Em todo bairro, havia, pelo menos, um
cinema e um clube. - declarou o Luca. (**)
(*) Curioso,
o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, perguntou ao Dieckmann por que ele
desconhecia o Jussara, se era frequentador da Zona Sul. O Dieckmann, que não
tem muita paciência com o redator deste periódico, reuniu fôlego e declarou: “Eu
era frequentador das praias (enfático!) da Zona Sul, porque Santa Teresa não tem praia. Mas,
cinema e clube, eu ficava no Centro, no Ginástico Português e na Cinelândia.
Perdi muita coisa devido a essa preguiça locomotiva”.
(**) Segundo
Branca Euler, bairro tem que ter cinema, clube e padaria. Isso pode parecer
óbvio, mas Santa Teresa, quando teve padaria, não tinha cinema e hoje tem
cinema, mas não tem padaria.
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