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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4297 Data: 21 de
outubro de 2013
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A MORTE DO TANCREDO
Parecia jogo do Brasil
naquela manhã de 15 de janeiro de 1985; rádios e televisões dos locais de
trabalho estavam sintonizados na disputa entre Tancredo Neves e Paulo Maluf
pelo cargo de Presidente da República no Colégio Eleitoral. Onde eu trabalhava,
não era diferente o clima de ansiedade; todos paramos o serviço e nos grudamos ao
rádio; alguns, mais afortunados, conseguiram se colocar diante da televisão.
Conforme os votos eram
cantados, nós vibrávamos ou xingávamos. Quando foi anunciado o voto que
garantiu a vitória do Tancredo Neves, a loucura foi de gol do Brasil na Copa do
Mundo. Corri para a janela, debrucei-me no parapeito do 11º andar e presenciei
uma chuva torrencial de papel picado. Quando eu vi algo parecido?... Muitos e
muitos anos atrás, décadas, quando, diante da televisão, me assombrei com
tantos papeizinhos que pingavam sobre o Presidente dos Estados Unidos,
Eisenhower, em visita ao Brasil. Agora, eu não era mero espectador, também
participava da festa.
Poucas horas depois,
almocei e fiz o de costume: fui à Corretora Caravello. Lá estava o Coronel, que
me cochichava medidas violentas que tomaria contra os grevistas, justificando
tanta truculência com a sua formação militar – até ele demonstrou contentamento com a vitória
do Tancredo Neves; fez-me, porém, uma
veemente ressalva: não engolia o vice do Tancredo, o José Sarney, que se
comportou como um “canalha oportunista”.
A alegria dos
investidores da Caravello era contida, pois ali o dinheiro, como nos romances
de Balzac sobre a ascensão da burguesia, estava sempre presente como o alvo a
ser atingido. Uns lembravam que, quando Paulo Maluf derrotou Mário Andreazza,
na convenção do PDS, a bolsa subiu bastante, outros garantiam que, caso ele
derrotasse o Tancredo Neves, o preço das ações se elevaria como foguete de
rojão. Mas a ojeriza à corrupção fazia com que todos vissem com simpatia, pelo
menos, a derrota daquele que inspirou o verbo malufar.
Os dias transcorreram
e os petistas, que não eram muitos, ouviam os nossos impropérios, porque o
partido deles expulsara os deputados José Eudes, Bette Mendes e Aírton Soares,
pelo fato de desobedecerem as ordens da cúpula, pela abstenção e votarem no
Tancredo Neves para a Presidência da República.
E quando o futuro Presidente
da República veio inaugurar um escritório eleitoral no prédio da Avenida Rio
Branco, onde havia uma loja do Mc Donalds, localizado justamente defronte ao
nosso local de trabalho?!... Foi uma loucura: todos nós disparamos para a
janela, do 7º ao 21º andar, da SUMAMAM, na suposição que a nossa visão seria de
camarote. Ilusão pura, pois a loucura na calçada era ainda maior: cercado por
todos os lados, como um ídolo do Rock n'Roll o futuro mandatário do país sumiu
na multidão. Vi, pelo menos, a sua calva brilhando ao sol e, até hoje, não
posso ler o conto do Medeiros e Albuquerque em que dedica muitos parágrafos à
ofuscante careca do Professor Raposão, sem que essa cena a inauguração daquele
escritório retorne às minhas retinas.
-Como o Tancredo Neves
escolhe o Francisco Dornelles para ser ministro da Fazenda, um homem que serviu
à ditadura?... - assanharam-se os petistas.
Mas a crítica mais contundente era o
nepotismo, que, pelo fato de o futuro ministro ser sobrinho, tinha fundamento,
pois a própria palavra se originou dos sobrinhos cardeais nomeados pelos papas,
cardinale nipote em italiano. O jornal O Globo veio em defesa do futuro
Chefe da Nação e dedicou uma página inteira ao currículum vitae do
Francisco Dornelles. Como sabemos, ele não atuou por muito tempo como ministro
da Fazenda e, nesse período, tentou conter a inflação adiando o aumento do
preço da gasolina, o que se faz hoje, mas isso é outra história.
Bem, Tancredo Neves
era, para a maioria dos brasileiros, a esperança de um Brasil democrata e
próspero com a Nova República.
Não há bem que sempre
dure. No dia em que seria empossado Presidente do Brasil, mal acordo e sou
alvejado pelo meu pai com uma notícia: “Tancredo Neves foi internado às pressas
no hospital e não pôde assumir.”
E veio o drama que as
Organizações Globo potencializou ainda mais. Os boletins médicos lidos pelo
porta-voz Antônio Britto paravam toda a nação. As novas sobre o estado de saúde
do Tancredo Neves eram boas, mas muitos desconfiavam se nelas não estava a
velha mentira.
-Carlos, quem nos
garante que ao abrir a barriga dele não encontraram um câncer? - dizia-me o
Coronel, que não cria na versão oficial, que falava em diverticulite.
Enquanto isso, os
preços das ações despencavam. Paulo Laranja, que assim era chamado por negociar
com essa fruta, desesperava-se, pois entrara na jogatina do mercado de opções
como comprador e via seu dinheiro escoando pelo ralo a cada dia que passava.
Certa vez, um pregão da bolsa de valores foi interrompido para que ouvíssemos o
Antônio Britto anunciar que, segundo o professor-doutor Henrique Walter
Pinotti, as funções intestinais do Tancredo Neves foram restabelecidas.
As ações continuaram
em queda e o Paulo Laranja chegou ao desespero:
-O homem já está
cagando e a bolsa não sobe!
(desculpem-me, mas estou sendo fiel aos fatos).
Faltava uma fotografia
que mostrasse ao povo brasileiro que ele se restabelecia – era o clamor geral.
E a fotografia do presidente cercado por uns
seis professores-doutores, foi estampada nas primeiras páginas de todos os
jornais, mas não convenceu. Sabe-se hoje que uma farsa foi montada para essa foto
e a leviandade cometida pelo professor-doutor citado.
Pinotti, segundo o
anestesista Ruy Vaz Gomide, partícipe das inúmeras cirurgias sofridas pelo
Tancredo Neves iludiu a todos sobre o real estado de saúde do paciente.
E o drama
prosseguia. A esperança de um desfecho
feliz se afastava a cada dia.
Os mais otimistas
comparavam o Tancredo a Moisés, que conduziu o seu povo até Canaã sem lá
entrar.
-Canaã com o José
Sarney?!... - reagiam os mais realistas.
Os menos sensíveis
apostavam sobre o dia em que seria anunciada a morte do presidente. Aqueles que
apostaram no dia 21 de abril, argumentando que seria o dia ideal, pois o uniria
a outro mártir, e ganharam.
No meu trabalho, os
festeiros de antes, agora conformados com o destino, já se alegravam com a
perspectiva de um feriado nacional.
E foi o que aconteceu:
a morte do Tancredo Neves foi anunciada no dia 21 de abril de 1985, e foi
decretado feriado no dia 22 de abril. Somente a Norma, a datilógrafa, foi
trabalhar; bateu com a cara na porta fechada e voltou para casa. (*)
(*) por que
as datilógrafas são sempre mal informadas? Pergunta, enquanto corujava esta
edição, de um filosófico Dieckmann ao Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO.
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