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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5030 Data: 22 de janeiro de
2014
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
ÁLCOOL – A minha atração pela bebida alcoólica se iniciou
nas festividades de família. Na festa de debutante de uma prima, eu era um ano
e alguns meses mais novo do que ela, duas coisas não se apagaram da minha
mente: o seu decote, quando a felicitei pelo aniversário e o barril de chope.
Provavelmente, o copo de chope já agia
dentro de mim, quando ela valsou o Danúbio Azul com o pai, pois não há meio de
eu me lembrar do ponto culminante da festa. Não bebi mais porque a minha mãe
estava lá.
Na Rua Americana, onde se agrupavam
meus amigos, não existia essa vigilância. Eu me juntava aos mais velhos e eles,
às vezes, rumavam para o botequim do Seu José sem impedir a minha companhia. O
português queria dinheiro, por isso, me servia um cálice de cachaça, que algum
amigo irresponsável pagava, com uma condição: eu tinha de engolir aquele fogo
liquefeito escondido, atrás dos engradados de cerveja.
Muitos foram os porres, que nunca eram
descobertos pelos meus pais. Até que, numa festa, exagerei na batida de
maracujá. Levaram-me até a porta da
minha casa, depois de me obrigarem a cheirar amônia e eu consegui alcançar o
sofá da sala onde despenquei; fui acordado debaixo do chuveiro levando tapas na
cara desferidos pelo Seu Dilmar, aquele mesmo que não gostava dos meus
assovios.
Meu pai, ao se deparar comigo prostrado
no sofá, ficou sem ação e recorreu a ele, que morava a três casas da nossa na
vila.
No dia seguinte, às 3 horas da tarde,
eu fui ao Cinema Cachambi. Arrotava ainda batida de maracujá. Fiquei mais de
quinze anos sem beber refresco dessa fruta. Se eu encerrasse esse texto aqui,
ficaria uma piada razoável, mas que não espelharia a realidade. Nesse período
de anos, larguei também as bebidas alcoólicas. Voltei perto dos 30 anos de
idade, bebendo com moderação, com duas ou três exceções.
CIGARRO – A culpa foi do cinema. Eu assistia, desde tenra idade,
galãs conquistando as deusas das telas, dando generosas baforadas, que aquilo
se entranhou no meu subconsciente. Mas não foi só isso; eu via um faroeste e
ficava com a impressão de que era destemido como os mocinhos, e muitos deles só
não fumavam, como faziam os canos dos seus revólveres fumegarem... Assim, com
13 anos de idade, quando eu não mais brincava com revólver de espoleta, o
cigarro saiu do meu subconsciente e foi para os meus pulmões.
Cheguei aos 18 anos sem conquistar
mulher alguma (Kim Novak, Gina Lollobrigida, Fada Santoro, entre outras, me
tornaram muito exigente), e também com a consciência que a melhor coisa a fazer
era me manter a uma distância segura dos desordeiros, pois eu nada tinha de
destemido, de durão. Por outro lado ganhei uma tosse seca e uma suspensão de 10
dias que, com os embargos infringentes, foram baixados para 5 dias, por ter
sido pego em flagrante pelo diretor do Visconde de Cairu fumando no banheiro.
Era hora de parar, mas uma droga não
nos abandona com facilidade. O Professor Maurício de Medeiros, no seu
consultório da Rua da Quitanda, me disse para parar, e eu parei como a Maria
que chovia no poema do Carlos Drummond de Andrade. Falaram mais forte dentro de
mim os títulos do mencionado mestre: ministro da Saúde dos governos Café Filho
e Juscelino Kubitschek, articulista do Globo e, principalmente, amigo do poeta Olavo
Bilac, que foi padrinho do seu casamento.
Uma curiosidade: o octogenário
Professor Maurício de Medeiros quando me disse para largar o fumo, tinha um
cigarro entre os dedos.
ESCOLA – uma das primeiras coisas que aprendi, ao entrar na
escola, nada tem a ver com professora, giz e quadro negro, nem mesmo com sala
de aula. A aprendizagem veio na hora do recreio no meio dos jogos de bola de
gude, principalmente. Se a mãe de algum daqueles garotos era envolvida, ou
levemente insinuada, numa discussão, a fúria tomava conta do ofendido. Os que
gostavam de assistir a uma briga, confesso que eu era um deles, sorriam de
satisfação. Aprendi que, se em vez da mãe fosse o pai, a fúria não chegava ao
mesmo diapasão. Por que? - eu me perguntava. Seriam todos “Irmãos Karamazov”,
que tinham um pai que não prestava? - passei a me perguntar, anos depois,
quando li Dostoievsky.
Explicavam-me que esse zelo pelo nome
da mãe era devido ao fato de o pai poder ser muitos, mas quanto a mãe não
poderia haver engano. Argumento tosco, pois depõe contra a figura materna.
Volto às brigas dos pirralhos e dos que
gostavam do espetáculo grátis, como eu. Para fomentá-las, dizíamos para os
ofensores e ofendidos uma frase provocativa que todo o mundo conhece: “Quem
cuspir no chão está xingando a mãe do outro”. Se disséssemos: “Quem cuspir no
chão está xingando o pai do outro”, a briga dificilmente acontecia.
TURFE - Não sei se o presente foi dado a mim ou a um dos meus
irmãos: um hipódromo de papelão com sete cavalos de matéria plástica, que
avançavam pela mão dos jogadores depois de girarmos um ponteiro fixado no meio
de uma circunferência colorida. Havia, em cada cor o nome de um corredor das
pistas de grama. Eram só craques, segundo os retrospectos feitos pelo nosso
pai: Tirolesa, Mossoró, Six Avril, Gualicho, Sargento, Albatroz e Adil.
Não sei também se a atração fora
herdada, pois o meu avô paterno, morando no Jardim Botânico, acompanhava de
perto as performances dos puros-sangues.
No Grande Prêmio Brasil de 1960, meu
pai deixou o rádio sintonizado na Jornal do Brasil. Faltavam poucos minutos
para o Teófilo Vasconcelos transmitir o páreo aguardado por todos. Meu pai
disse que Escorial venceria, a minha mãe, Narvik, e eu Farwell. Meu Deus,
quando o turfe brasileiro teve uma geração igual a essa?!...
Meu pai, sempre patriota, afirmava que
aceitava de bom grado a vitória de qualquer um dos três, menos a do Atlas, o
temível competidor da Argentina. Venceu Farwell, o que me alegrou tanto quanto
as vitórias na disputa do brinquedo de papelão.
Com 15, para 16 anos, morando perto de
um bookmaker, na Rua São Gabriel, fiz, juntamente com meu irmão Claudio,
algumas apostas, nada que fosse além do espetáculo lúdico das disputas nas
raias de grama ou areia.
Um dia, minha mãe me transmitiu um
conselho do meu avô: esquecer as patas dos cavalos.
Passaram alguns meses e a irmã do meu
pai se casou. O escolhido pela minha mãe para acompanhá-la, naquele sábado, fui
eu. Lá, naquele apartamento do Jardim
Botânico, quando a agitação da festa amainara um pouco, meu avô me enlaçou
pelos ombros e me indagou quais foram os vencedores dos páreos que ele não pôde
ouvir.
Parece que ele saiu satisfeito com as
minhas respostas, mas não asseguro.
Pouco tempo depois, eu não apostava
mais nas patas dos puros-sangues. Minhas economias eram escassas, e eu tinha de
optar entre o cigarro e o turfe; fiquei com o cigarro, este sim, um vício.
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