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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5016 Data: 03 de janeiro de 2014
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141ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Depois dos curtas, D.W. Griffith partiu
para os longas metragem e a criar uma verdadeira arte, tornando-se o “Pai do
Cinema”. - disse a Lillian Griffith.
-Ele dirigiu “Judith de Betúlia”, e eu
vivi o papel de uma mãezinha de Israel. Em seguida, passou a trabalhar na
história da Guerra Civil dos Estados Unidos em “Nascimento de uma Nação”.
-Trata-se de uma obra-prima, sem dúvida,
mas ele foi extremamente passional, ficando do lado dos sulistas, e, o que foi
imperdoável, mostrou-se escandalosamente racista.
-O Senhor Griffith era do sul,
entende-se a posição dele. - titubeou, porque tinha poucos argumentos.
-Mas o racismo?!... No filme, você
escapa de ser estuprada por um negro.
-Sim, no filme eu era Elsie Stoneman;
era mais uma aparição minha como donzela em apuro. Sei que o meu papel era uma
metáfora política duvidosa. Eu não concordava com o ideário político do Senhor
Griffith, mas eu me sentia acanhada em contrariá-lo.
-Bem, ele foi acusado de racismo doze
vezes, mas isso não prejudicou a veia artística dele. - observei.
-Evidentemente que não, e ele partiu, em
1916, para a sua obra-prima: “Intolerância”. - assinalou.
-São quatro histórias que se fundem e
mostram a intolerância humana através do tempo: uma moça no meio de uma
rivalidade religiosa na antiga Babilônia, Cristo condenado na Judeia, o
massacre da Noite de São Bartolomeu e, por último, na América daquela época, os
reformistas sociais destruindo a vida de um casal.
-Nascia o cinema em toda a sua plenitude
com esse filme. - afirmou ela.
-Griffith ainda imaginou um papel
estereotipado para você, em “Intolerância”, mas você o desempenhou de tal
maneira, com tal poder, que fugiu do clichê.
-Fiz o que pude. - comentou
modestamente.
-Os estudiosos afirmam que, ainda que
você não tivesse mostrado a sua superlativa expressão em “O Nascimento de uma
Nação” e em “Intolerância”, no filme “Lírio Partido”, de 1919, você confirmou a
originalidade da sua criação, tornando-se, irremediavelmente, uma estrela de
primeira grandeza.
-Eu gostava de surpreender meus colegas
atores. Eu pesquisava meus papéis na forma literária, li muito Charles Dickens
que, para mim, era uma fonte inesgotável de personagens e emoções. Mas as
minhas pesquisas também eram baseadas nas observações; muitas vez, passei horas
nos hospitais estudando os doentes, observei também as crianças brincando nas
ruas. Aprendi muito com meus colegas atuando nos palcos.
-O seu interesse pelo aprimoramento da
sua arte era louvável.
-Eu estudava o que podia me ensinar a
controlar o meu corpo.
-O seu estudo sobre a união entre o
físico e o emocional foi precursor do Método de Interpretação do Actor's
Studio.
A essa observação bem pertinente,
Lillian Gish se limitou a sorrir angelicamernte.
-Em “O Lírio Partido”, ela interpreta
uma menina de 12 anos, embora já estivesse com 22. Mas essa discrepância etária
quase não é percebida pela plateia.
-Eu tinha meus truques.
-Há uma cena nesse filme em que você usa
os dedos para forçar um sorriso e, assim, agradar o seu pai.
-Esse pai não tinha o mínimo caráter. -
disse ela.
-“O Lírio Partido” foi o seu sexto filme
com Griffith e alcançou grande sucesso por causa do tema de abuso sexual e
incesto. Aquele seus dizeres mostrados na placa: “Não papai, não vão enforcar o
senhor” é bem significativo.
-Há uma sexualidade complexa no filme, e
a fantasia de estupro e incesto é acentuada. - comentou.
-Fizeram uma comparação da diferença de
idade entre o pai e a filha, entre Griffith e você, Afinal, o melodrama é um
ótimo meio de dizer muitas coisas sobre si mesmo, sem parecer ou, às vezes, sem
querer.
-Éramos tão próximos que houve essa
suspeita, mas sempre me refiro a ele com respeito, como o Senhor Griffith.
Envolvi-me, sim, com o produtor Charles Dueel, os tabloides escandalosos
exploraram o caso, Não vou falar sobre isso.
-Griffith inventou o close-up no
cinema para isolá-la, numa cena, e capturar a sua intensa emoção.
-Acho que os close-ups começaram
com “O Lírio Partido” e prosseguiram com “Horizonte Sombrio.”
-Ele era um mestre no uso do primeiro
plano, do plano médio e do plano geral.
Ela me ouviu e acrescentou:
-Muitas vezes, o Senhor Griffith a
filmava no primeiro plano com um fundo de veludo negro, o que provocava um
efeito alucinatório.
-No filme “Horizonte Sombrio”, de 1920,
Griffith recorreu a vários close-ups que exibiam a sua beleza interior e a sua força
espiritual.
-Quando tomei conhecimento da história
de Way Down East, eu não conseguia ler aquilo sem cair na gargalhada,
porque tudo me pareceu antiquado demais. Constatei, depois, o quanto estava
enganada.
-Você, durante toda a sua vida, quis,
primeiramente, criar arte, sem ceder ao sucesso de bilheteria?
-Sempre foi assim. Em “O Lírio Partido”,
mostramos que podíamos agradar as plateias sem perseguições, resgates e finais
felizes, sem esses clichês, enfim. A
fita termina com dois suicídios e um assassinato e não afugentou o público.
-Mas Lillian, esses três elementos do
cinema comercial mencionados por você estão em “Horizonte Sombrio” que, ainda
assim, é considerado uma obra-prima.
-Por isso, ri ao ler a história e,
depois, reconheci o quanto estava enganada. É um filme inesquecível,
principalmente para mim.
-No filme, você faz uma garota do
interior, Anna Moore que é seduzida por um vigarista da cidade. Em seguida,
grávida do filho dele, é abandonada no altar. O bebê morre ao nascer e você vai
trabalhar em uma fazenda. O filho do fazendeiro se apaixona por Anna Moore, mas
o passado volta na figura desse vigarista que a denuncia, Ela foge no meio de
uma nevasca... Á primeira vista, era para rir mesmo do roteiro. Mas o que você
e Griffith fizeram desse enredo tosco...
-A fuga no meio da nevasca foi tudo.
-Mesmo revendo essas cenas, ficamos
agoniados, pois não havia dublê de corpo, muito menos efeitos especiais.
-O
filme precisou de oito semanas de ensaio, o que era inédito para o Senhor
Griffith, que sempre fazia tudo com uma ou duas tomadas.
-A filmagem dessa nevasca se deu em Long
Island?
-Sim, o Senhor Griffith queria tudo o
mais realista possível. Ele me segurou em 1 milhão de dólares.
-E não era para menos. - cortei.
-O vento era tão forte que três homens
se deitaram na neve para estabilizar a câmera. A metade da equipe contraiu
pneumonia. Meus cílios congelaram o Senhor Griffith ordenou que fizessem um close
de mim, viu, abismado, que o óleo havia congelado na câmera.
-Há momentos apocalípticos, você
desmaiada sobre um bloco de neve que é levado para a beira de uma cachoeira.
-Eu pedi ao diretor e ele aceitou a
minha ideia, de os meus cabelos e mãos serem molhadas, enquanto estou caída na
placa de gelo flutuante para mostrar, assim, o quanto eu estava entregue à
intempérie e a Deus.
-O filho do fazendeiro a salva quando
você estava prestes a descer cachoeira abaixo.
-Aquela geladura lesionou dois dedos
meus pelo resto da minha vida.
-Você ainda fez, em 1921, “Órfãs da
Tempestade” ambientada na Revolução Francesa.
-Eu e minha irmã Dorothy éramos as
órfãs. Foi o meu último filme com o Senhor Griffith.
-Por que o rompimento?
-Ele alegou que não podia pagar o meu
cachê e me encorajou a ser uma atriz independente. Bem, foram quatorze filmes
juntos, e formamos a primeira dupla da história do cinema.
-Seguindo o conselho do seu mestre, você
foi em frente.
-Fiz “Remodelando Seu Marido”, em 1929,
“Vento e Areia”, em 1926, pela MGM.
-Mas não obtinha o triunfo desejado.
-As plateias de cinema queriam atrizes
como Clara Bow, Louise Brooks e, principalmente, Greta Garbo. Fui, então, para
o teatro.
-E, nos palcos do teatro, você iniciou a
sua segunda carreira artística.
-De fato.
-O cinema, porém, não a esquecia.
-Fui chamada pelo produtor David
Selznick e o diretor King Vidor para ser a mãe de Gregory Peck no “Duelo ao
Sol”.
-Sim.
-Em 1955, Charles Laughton, como
diretor, chamou-me para representar “O Mensageiro do Diabo”.
-Um filme, Lillian, que me causou um
forte impacto, embora eu o tenha assistido na televisão, num programa chamado
“Sessão das 10”. Como eu gostaria de revê-lo na tela de cinema principalmente.
-Eu era uma velhinha com a Bíblia numa
das mãos e a espingarda na outra
-Robert Mitchum duvidou que você
estivesse à altura do papel, por ser muito frágil, Charles Laughton
mostrou-lhe, então, a cena da nevasca, e ele ficou paralisado. Disse, numa
homenagem pública a você, que ele nunca teria coragem de filmar aquelas cenas,
ainda mais com aquela cachoeira, que mais parecia o Niágara.
-Hora de eu ir-me.
-Truffaut disse que os seus olhos
risonhos diziam que o século XX passou como um sopro, como um curta-metragem.
Ouviu e se foi.
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