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quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

2766 - Continuação do começo


 

 

           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5016                                 Data: 03  de  janeiro de 2014

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141ª VISITA À MINHA CASA

2ª PARTE

 

-Depois dos curtas, D.W. Griffith partiu para os longas metragem e a criar uma verdadeira arte, tornando-se o “Pai do Cinema”. - disse a Lillian Griffith.

-Ele dirigiu “Judith de Betúlia”, e eu vivi o papel de uma mãezinha de Israel. Em seguida, passou a trabalhar na história da Guerra Civil dos Estados Unidos em “Nascimento de uma Nação”.

-Trata-se de uma obra-prima, sem dúvida, mas ele foi extremamente passional, ficando do lado dos sulistas, e, o que foi imperdoável, mostrou-se escandalosamente racista.

-O Senhor Griffith era do sul, entende-se a posição dele. - titubeou, porque tinha poucos argumentos.

-Mas o racismo?!... No filme, você escapa de ser estuprada por um negro.

-Sim, no filme eu era Elsie Stoneman; era mais uma aparição minha como donzela em apuro. Sei que o meu papel era uma metáfora política duvidosa. Eu não concordava com o ideário político do Senhor Griffith, mas eu me sentia acanhada em contrariá-lo.

-Bem, ele foi acusado de racismo doze vezes, mas isso não prejudicou a veia artística dele. - observei.

-Evidentemente que não, e ele partiu, em 1916, para a sua obra-prima: “Intolerância”. - assinalou.

-São quatro histórias que se fundem e mostram a intolerância humana através do tempo: uma moça no meio de uma rivalidade religiosa na antiga Babilônia, Cristo condenado na Judeia, o massacre da Noite de São Bartolomeu e, por último, na América daquela época, os reformistas sociais destruindo a vida de um casal.

-Nascia o cinema em toda a sua plenitude com esse filme. - afirmou ela.

-Griffith ainda imaginou um papel estereotipado para você, em “Intolerância”, mas você o desempenhou de tal maneira, com tal poder, que fugiu do clichê.

-Fiz o que pude. - comentou modestamente.

-Os estudiosos afirmam que, ainda que você não tivesse mostrado a sua superlativa expressão em “O Nascimento de uma Nação” e em “Intolerância”, no filme “Lírio Partido”, de 1919, você confirmou a originalidade da sua criação, tornando-se, irremediavelmente, uma estrela de primeira grandeza.

-Eu gostava de surpreender meus colegas atores. Eu pesquisava meus papéis na forma literária, li muito Charles Dickens que, para mim, era uma fonte inesgotável de personagens e emoções. Mas as minhas pesquisas também eram baseadas nas observações; muitas vez, passei horas nos hospitais estudando os doentes, observei também as crianças brincando nas ruas. Aprendi muito com meus colegas atuando nos palcos.

-O seu interesse pelo aprimoramento da sua arte era louvável.

-Eu estudava o que podia me ensinar a controlar o meu corpo.

-O seu estudo sobre a união entre o físico e o emocional foi precursor do Método de Interpretação do Actor's Studio.

A essa observação bem pertinente, Lillian Gish se limitou a sorrir angelicamernte.

-Em “O Lírio Partido”, ela interpreta uma menina de 12 anos, embora já estivesse com 22. Mas essa discrepância etária quase não é percebida pela plateia.

-Eu tinha meus truques.

-Há uma cena nesse filme em que você usa os dedos para forçar um sorriso e, assim, agradar o seu pai.

-Esse pai não tinha o mínimo caráter. - disse ela.

-“O Lírio Partido” foi o seu sexto filme com Griffith e alcançou grande sucesso por causa do tema de abuso sexual e incesto. Aquele seus dizeres mostrados na placa: “Não papai, não vão enforcar o senhor” é bem significativo.

-Há uma sexualidade complexa no filme, e a fantasia de estupro e incesto é acentuada. - comentou.

-Fizeram uma comparação da diferença de idade entre o pai e a filha, entre Griffith e você, Afinal, o melodrama é um ótimo meio de dizer muitas coisas sobre si mesmo, sem parecer ou, às vezes, sem querer.

-Éramos tão próximos que houve essa suspeita, mas sempre me refiro a ele com respeito, como o Senhor Griffith. Envolvi-me, sim, com o produtor Charles Dueel, os tabloides escandalosos exploraram o caso, Não vou falar sobre isso.

-Griffith inventou o close-up no cinema para isolá-la, numa cena, e capturar a sua  intensa emoção.

-Acho que os close-ups começaram com “O Lírio Partido” e prosseguiram com “Horizonte Sombrio.”

-Ele era um mestre no uso do primeiro plano, do plano médio e do plano geral.

Ela me ouviu e acrescentou:

-Muitas vezes, o Senhor Griffith a filmava no primeiro plano com um fundo de veludo negro, o que provocava um efeito alucinatório.

-No filme “Horizonte Sombrio”, de 1920, Griffith recorreu a vários close-ups que exibiam  a sua beleza interior e a sua força espiritual.

-Quando tomei conhecimento da história de Way Down East, eu não conseguia ler aquilo sem cair na gargalhada, porque tudo me pareceu antiquado demais. Constatei, depois, o quanto estava enganada.

-Você, durante toda a sua vida, quis, primeiramente, criar arte, sem ceder ao sucesso de bilheteria?

-Sempre foi assim. Em “O Lírio Partido”, mostramos que podíamos agradar as plateias sem perseguições, resgates e finais felizes, sem esses clichês, enfim.  A fita termina com dois suicídios e um assassinato e não afugentou o público.

-Mas Lillian, esses três elementos do cinema comercial mencionados por você estão em “Horizonte Sombrio” que, ainda assim, é considerado uma obra-prima.

-Por isso, ri ao ler a história e, depois, reconheci o quanto estava enganada. É um filme inesquecível, principalmente para mim.

-No filme, você faz uma garota do interior, Anna Moore que é seduzida por um vigarista da cidade. Em seguida, grávida do filho dele, é abandonada no altar. O bebê morre ao nascer e você vai trabalhar em uma fazenda. O filho do fazendeiro se apaixona por Anna Moore, mas o passado volta na figura desse vigarista que a denuncia, Ela foge no meio de uma nevasca... Á primeira vista, era para rir mesmo do roteiro. Mas o que você e Griffith fizeram desse enredo tosco...

-A fuga no meio da nevasca foi tudo.

-Mesmo revendo essas cenas, ficamos agoniados, pois não havia dublê de corpo, muito menos efeitos especiais.

 -O filme precisou de oito semanas de ensaio, o que era inédito para o Senhor Griffith, que sempre fazia tudo com uma ou duas tomadas.

-A filmagem dessa nevasca se deu em Long Island?

-Sim, o Senhor Griffith queria tudo o mais realista possível. Ele me segurou em 1 milhão de dólares.

-E não era para menos. - cortei.

-O vento era tão forte que três homens se deitaram na neve para estabilizar a câmera. A metade da equipe contraiu pneumonia. Meus cílios congelaram o Senhor Griffith ordenou que fizessem um close de mim, viu, abismado, que o óleo havia congelado na câmera.

-Há momentos apocalípticos, você desmaiada sobre um bloco de neve que é levado para a beira de uma cachoeira.

-Eu pedi ao diretor e ele aceitou a minha ideia, de os meus cabelos e mãos serem molhadas, enquanto estou caída na placa de gelo flutuante para mostrar, assim, o quanto eu estava entregue à intempérie e a Deus.

-O filho do fazendeiro a salva quando você estava prestes a descer cachoeira abaixo.

-Aquela geladura lesionou dois dedos meus pelo resto da minha vida.

-Você ainda fez, em 1921, “Órfãs da Tempestade” ambientada na Revolução Francesa.

-Eu e minha irmã Dorothy éramos as órfãs. Foi o meu último filme com o Senhor Griffith.

-Por que o rompimento?

-Ele alegou que não podia pagar o meu cachê e me encorajou a ser uma atriz independente. Bem, foram quatorze filmes juntos, e formamos a primeira dupla da história do cinema.

-Seguindo o conselho do seu mestre, você foi em frente.

-Fiz “Remodelando Seu Marido”, em 1929, “Vento e Areia”, em 1926, pela MGM.

-Mas não obtinha o triunfo desejado.

-As plateias de cinema queriam atrizes como Clara Bow, Louise Brooks e, principalmente, Greta Garbo. Fui, então, para o teatro.

-E, nos palcos do teatro, você iniciou a sua segunda carreira artística.

-De fato.

-O cinema, porém, não a esquecia.

-Fui chamada pelo produtor David Selznick e o diretor King Vidor para ser a mãe de Gregory Peck no “Duelo ao Sol”.

-Sim.

-Em 1955, Charles Laughton, como diretor, chamou-me para representar “O Mensageiro do Diabo”.

-Um filme, Lillian, que me causou um forte impacto, embora eu o tenha assistido na televisão, num programa chamado “Sessão das 10”. Como eu gostaria de revê-lo na tela de cinema principalmente.

-Eu era uma velhinha com a Bíblia numa das mãos e a espingarda na outra

-Robert Mitchum duvidou que você estivesse à altura do papel, por ser muito frágil, Charles Laughton mostrou-lhe, então, a cena da nevasca, e ele ficou paralisado. Disse, numa homenagem pública a você, que ele nunca teria coragem de filmar aquelas cenas, ainda mais com aquela cachoeira, que mais parecia o Niágara.

-Hora de eu ir-me.

-Truffaut disse que os seus olhos risonhos diziam que o século XX passou como um sopro, como um curta-metragem.

Ouviu e se foi.

    

 

 

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