-------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5019 Data: 06 de janeiro de 2014
-------------------------------------------------------------
SABADOIDO
DA VOZ DA BILLIE HOLLIDAY AO TECLADO DO
DANIEL
-O fã é fiel ao seu ídolo até o fim,
por pior que ele esteja. Segue aquele preceito “eu sem ele sou nada, ele sem
mim é tudo.”
Por que você fala isso, Carlinhos? -
estranhou meu irmão naquele Sabadoido de fritar ovo no asfalto.
-Porque assisti ontem a um documentário
no Canal Curta sobre a Billie Holiday e uma das admiradores afirmou que, mesmo
na fase final dela, quando a heroína já interferira na sua voz, não deixa de
ouvir e amar as suas gravações.
-Eu vi, nesse mesmo canal, a Ella
Fitzgerald. Como ela cantava.
-Da Ella Fitzgerald eu já programei a
gravação para outro dia.
-Há uma canção em que ela faz um scat
usando um lenço, como o Louis Armstrong, e citando o nome dele.
-Você sabe, Claudio, que o scat
é uma técnica, inventada pelo Louis Armstrong, que consiste em vocalizar
palavras e sílabas sem sentido. Ele, um dia, esqueceu a letra e, criativo como
era, criou o … “ba-ba-bi-bu-bu-bá...” - fiz uma imitação tosca e ridícula.
-O Frank Sinatra, no “Strangers in the
Night” criou o Scooby Doo. - não perdeu a piada.
-O scat tomou uma importância
incrível, tanto que nessa canção a que você se referiu, Ella Fitzgerald mostra
que faz uma homenagem ao Louis Armstrong copiando o que ele fez.
-Ele tinha aquele vozeirão... Na
verdade, usava a voz como um instrumento.
-Billie Holiday, que era 15 anos mais
nova, ouvia incansavelmente seus discos.
-Você gosta dela, Carlinhos?
-Claudio, na música popular, eu não
conheço, até hoje, uma cantora com uma voz tão diferenciada, uma voz única e
bela.
-Ela era viciada em heroína?
-Poucos artistas do jazz não eram
viciados, Claudio.
-Louis Armstrong fumava marijuana.
-Disse um estudioso do jazz que, certa
vez, o presidente Richard Nixon cruzou com ele no aeroporto e o tratou com a
maior intimidade, chamando-o de Pops.
-Estava de olho nos votos dos negros. -
maldou meu irmão.
-Nixon fez questão de carregar a
maletinha do Louis Armstrong, e era lá que estava a maconha dele.
-Carregou?
-Sim, e Louis Armstrong agradeceu muito
a gentileza do presidente.
-Um dos grandes viciados em droga
pesada foi Charles Parker; morreu com 35 anos de idade aparentando 70, segundo
o filme “Bird”, do Clint Eastwood.
E me estendi sobre o diretor, que fora
grande astro de filmes de caubói.
-Clint Eastwood era atraído pelo Bebop,
vertente do Jazz que sucedeu o Swing. Ele também filmou um documentário
sobre o pianista Thelonious Monk e algumas músicas dos seus filmes foram
compostas por ele mesmo, Clint Eastwood.
-O Bebop já é um jazz mais
difícil...
-É mesmo; temos de frequentar um curso
de várias aulas para podermos entender e
gostar.
-Ella Fitzgerald era a cantora do
Swing...
-A Sara Vaughn, a do Bebop. - completei
a frase do meu irmão.
E prossegui:
-Quem conseguia acompanhar Charles
Parker no saxofone era o Dizzy Gillespie no trompete. Formaram uma dupla
infernal e Dizzy Gillespie era careta, não consumia drogas, até se afastou do
artista quando o vício já o prejudicava inapelavelmente.
-Mais tarde o Dizzy Gillespie
introduziu ritmos latino-americanos no jazz, não foi isso?
-Ele foi a Cuba, que tem uma das
músicas populares mais ricas do mundo, para oxigenar, digamos, a arte dele.
Conheceu o Arturo Sandoval, que era um virtuose do trompete e influenciou na
ida dele para os Estados Unidos.
-Ida ou fuga, Carlinhos?... Eu assisti
ao filme, o Andy Garcia fez o papel do Arturo Sandoval.
-No auge do Bebop, houve uma rivalidade
entre Dizzy Gillespie e Louis Armstrong, os dois expoentes do trompete, um no
Bebop, o outro no Swing. Dizzy Gillespie era muito engraçado, o próprio apelido
“dizzy”, que significa tonto, maluco, já diz muita coisa. Então, ele faz uma
imitação do Louis Armstrong, numa das suas exibições, que é digna dos melhores
comediantes.
-E o Louis Armstrong?
-Louis Armstrong colocou um gorro, como
o do seu rival e passou a imitá-lo, enquanto escrachava com o Bebop, mas a
imitação não foi das melhores se comparamos as duas.
Sarah Vaughn, Billie Holiday e Ella
Fitzgerald, quem você prefere?
-Ouvi, uma vez, num programa da Rádio
MEC, o Artur da Távola dizer que a Sarah Vaughn atingia quatro oitavas
cantando. Ora, se a Maria Callas, alcançava três, ela não chegava a quatro nem
que a vaca tossisse.
-Olha, Carlinhos, que a Dilma fez a
vaca tossir.
-Fez todo rebanho tossir. - depois de
aproveitar a piada, fui adiante.
-É verdade que o grave da Sarah Vaughn
era impressionante. Certa vez, ouvi com ela “The Long and Windind Road”, dos
Beatles, e, depois que ela terminou, eu me perguntei: “Cadê a música dos
Beatles?... isso é outra música...”
-Desse jazz, eu não gosto. Mas você não
me respondeu quem é a melhor das três.
-Nunca gostei de comparações
excludentes. Vá lá: Billie Holiday.
-Você vê, Carlinhos, que não falamos de
nenhum jazzista branco.
-Houve negros tão racistas quanto os
brancos que não se conformavam com o fato de a obra de maior fôlego do jazz, a
ópera “Porgy and Bess”, ter sido composta por um branco, George Gershwin.
-Branco e judeu. - acrescentou.
-Pediram, então, ao Duke Ellington que
compusesse uma obra de maior fôlego. Duke Ellington tinha capacidade para
tanto, não tem só criações de três minutos de duração, mas não entrou nessa.
-Eu não sou de escutar muito Jazz, sei,
porém, que muitos o têm como o compositor máximo.
-Dave Brubeck conta chorando, num
documentário, que, quando excursionaram pela Europa seu quarteto e a banda de
Louis Armstrong, em 1954, foi avisado por ele, todo feliz, que era capa do
Time.
-Por que ele chorava?
-Ele disse, nesse documentário, que era
puro racismo; quem tinha de ser capa do Time era Duke Ellington, não ele.
-Carlinhos, eu vi no Facebook o vídeo
que você postou da filha do Daniel com a Yoko Ono, tocando violino, piano e uma
espécie de lira indiana. - interrompeu-nos abruptamente a Gina ao entrar na
cozinha.
-Se você que é a avó da menina, que
deve ter uns doze anos, diz isso, eu não vou discutir.
-Depois que o Daniel passou a mostrar
seus concertos no Facebook, passou a ser imitado. - entrou o Claudio no
espírito da brincadeira.
-A filha do Daniel com a Yoko Ono toca
trechos da sinfonia nº 40 e a Marcha Turca, tudo de Mozart.
-Ela tem muito que aprender ainda. -
gritou o Daniel, que escutara tudo, do seu quarto.
(sem *) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO recebe e dá conta de missões que compõem
sacrifícios humanos. Ler sobre Holiday é padecer de uma tristeza lapidar, se
ainda fosse um Oldsmobile...
Nenhum comentário:
Postar um comentário