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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5020 Data: 07 de janeiro de 2014
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SABADOIDO
DA VOZ DA BILLIE HOLLIDAY AO TECLADO DO
DANIEL
PARTE
II
-Não é só o Daniel que filma os seus
concertos no aconchego do lar e, depois, posta no Facebook. - falei em
tom de brincadeira.
-Carlão, antes de o Mark Zuckerberg
pegar as ideias dele e as dos outros para criar o Facebook, eu já
filmava os meus concertos.
-Isso é verdade. - interpôs-se a Gina.
-Quando surgiu o Facebook? -
perguntei.
-Em 2004. - respondeu ele.
-Uma colega minha mostrou, no smartphone
dela, para todos do nosso trabalho verem o seu neto tocando piano no Colégio
Santo Agostinho.
-Deve ser uma dessas festas de fim de
ano escolar. - manifestou-se a Gina com alguma displicência.
-Ela mesma filmou? - interessou-se o
Claudio.
-Estou chegando a conclusão que as avós
são mais corujas do que as mães. - comentei.
Em seguida a essas minhas palavras, fui
em frente.
-Ele tocou uma música conhecida, mas o
nome já me escapou e, depois, uma música da sua lavra.
-Era mesmo?- duvidou a Gina.
-Creio que sim, pois ele tocou um tema,
sem desenvolvê-lo, muito curto e passou logo para o segundo. Não foi além de um
minuto.
-Eu componho, mas o mundo ainda não
entendeu a minha música.
-Daniel, você é como Villa Lobos que
considerava a música dele cartas que escrevia à posteridade sem esperar resposta.
- disse-lhe.
-Carlão, mesmo na minha casa, não me
incentivam.
-Daniel, você, na verdade, joga um
acorde em cima do outro, uma composição não é só isso.
-Mas o que tem esse menino de que você
estava falando? - interessou-se a Gina.
-No meio dos elogios dos meus colegas de
trabalho à apresentação dele, pedi que todos esperassem e coloquei, no meu
computador, o vídeo do Daniel tocando “It's a Wonderful World”.
-Tocando e cantando. - manifestou-se o
seu pai.
-Carlão, você não fez uma coisa
dessas...
-Daniel, esse vídeo é bem anterior ao
surgimento do Facebook, devia ser do ano 2000.
-Mas eu já era grandinho, Carlão.
-Seus amigos, Carlinhos, devem ter
achado a voz do seu sobrinho um pouco rouca. - aludiu a Gina à mimica que ele
fez do Louis Armstrong.
-Pena que não encontrei, nos meus
arquivos internéticos, o Daniel tocando “We are The Champions”, em homenagem
aos dez anos da morte do Freddie Mercury.
-Você iria mostrar? - assustou-se ele.
-Claro. Outra amiga minha lamentou não
ter trazido o filme da sobrinha dela, de sete anos de idade, saltitando no balé
“Quebra-Nozes” numa apresentação escolar.
-Vocês não trabalham não?! - bradou meu
irmão.
-Claudio, nessa época de fim de ano, a
carga de serviço cai muito, só não cai para os que apuram as corrupções no
Brasil.- respondi.
-Carlão, você está estragando a minha
imagem.
-Ri com a observação dele e voltei-me
para a minha cunhada:
-Por que você diz que aquela menina que
aparece tocando piano, violino e um instrumento indiano é filha do Daniel com a
Yoko Ono?
-Primeiramente, porque ela é japonesa e,
depois, porque antes de ela acionar a filmadora, olha fixamente para a câmera e
faz uma expressão engraçada para a plateia do Facebook.
-Nessa questão de ela ser minha filha
com a Yoko Ono, discordo completamente, agora, esses gestos antes do início dos
concertos, são invenções minhas. Vou processá-la por plágio.
-Se precisar de um advogado... meus
honorários são de pai para filho. - ofereceu-se o Claudio.
-Não sei se vocês se lembram...
-De que, Carlinhos? - apressou-me a
Gina.
-Postaram no Facebook, poucos
anos atrás, um menino de menos de três anos regendo, com uma batuta, uma sinfonia de Beethoven cujo som vinha de
uma caixa de som. Jônathas!... esse era o nome dele, recordo-me agora.
-O que tem o Jônathas, Carlão?
-Ele regia, enquanto se ouvia, ao fundo,
os risos da mãe. No final, o vídeo tem uns três minutos, a batuta voa da mão
dele e o garoto vai ao chão de tanto rir. O espantoso é que, acompanhando a
música do Beethoven e a gesticulação do Jônatas, se constata que ele acerta a
marcação dos compassos.
-É... - expressou o Daniel seu ceticismo
monossilabicamente.
-Uma prima minha, a Marisa, comentou
que, vendo isso, acredita mais ainda no espiritismo. Um, mais gozador, leu esse
comentário e fez o dele em que dizia que o Jônathas estava bem vivo.
-Ele não entendeu, Carlinhos. Um garoto
de três anos, como você disse, não tem condições de reger uma sinfonia, no
entanto, mostrou conhecimento musical,
então, há alguma coisa além. - falou a Gina, agora, seriamente.
Procurei mudar de assunto.
-Está difícil aturar este calor. Como
dizia o papai: “O caldeirão do diabo fica no Méier”.
-Parece que fica mais quente a cada ano.
- disse a Gina.
Meu irmão tomou a palavra:
-O calor aumenta porque asfaltam ou
cimentam tudo. Veja o terreno da igreja Nossa Senhora do Rosário onde a mamãe
assistia às missas: tinha até campo de futebol-society; asfaltaram aquilo tudo
para aumentar o espaço para estacionamento. Antes, a terra absorvia o calor,
agora, não, o asfalto reflete o calor e ele se torna pior. E, assim, é por
quase toda a cidade.
-O meu maior sofrimento com o calor,
Claudio, ocorreu numa fiscalização do Terminal Marítimo da Brasfels em Angra
dos Reis.
-Brasfels?!... - estranhou.
-Era o antigo Estaleiro Verolme, que até
ações na Bolsa de Valores teve. Quando a empresa faliu, o pessoal que tinha
ações, segundo os gozadores, cantaram “Entrei de gaiato no navio”.
-Essa música dos “Paralamas do Sucesso”
eu conheço. - interpôs-se a Gina.
-Enquanto falávamos o som do teclado do
Daniel vinha do seu quarto até nós na cozinha.
-Caminhamos no sol do meio-dia de fevereiro,
pelo terminal, eu e mais dois fiscais,
por volta de uma hora. O sol reverberava naquelas chapas de aço, e a sensação
era que estávamos no inferno.
-Pensa na vitamina D, no lado bom. -
pilheriou a Gina.
-Na empresa, tivemos de vestir um casaco
igual a dos nossos acompanhantes, grosso, onde não ficava um pingo de suor.
Suávamos por dentro; quanto tirei aquele casaco, no banheiro, não havia um
milímetro quadrado da minha camisa que não estivesse suada.
-Imagina os operários. - interveio o
Claudio.
-Nossos acompanhantes disseram que
colocam centenas de garrafas com soro caseiro para os operários beberem sempre
que necessário.
-Não é difícil fazer soro caseiro, é só
saber a quantidade certa de açúcar e sal que se vai misturar na água.
Com essas palavras, Gina se levantou e
foi para o interior da casa. Voltei-me para o meu irmão.
-Sabia, Claudio, que o Dave Brubeck
lutou no 3º Exército do General Patton?
-E voltamos a falar de Jazz.
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