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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5014 Data: 31 de dezembro de 2014
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O ÚLTIMO RÁDIO MEMÓRIA DE 2014
PARTE II
-Terminou aí?
-Sim, Jonas. - respondeu o Homem-Calendário.
-Então, vamos à parte musical, homenageando um grande
cantor amigo meu: Gilberto Milfont. Mostraremos algumas coisas gravadas por ele
e, mais tarde, nós conversaremos.
-Certo.
-O seu primeiro sucesso no Rio de Janeiro, porque ele
é cearense, um disco 78 rpm, que foi sucesso dos dois lados: “Geremoabo” e “Maringá”. Nós ouviremos “Maringá”, de
Joubert de Carvalho, gravado em 22 de maio de 1946, que deu origem ao nome da
cidade, até então não batizada.
Após a audição, Jonas Vieira, um dos poucos
brasileiros a reviver a nossa música popular,
retornou com seus comentários:
-Ele estourou com “Maringá” e foi para a Rádio
Nacional. Gilberto Milfont conhecia música, cantava com partitura.
-Sei... sei... sei... - manifestou-se o Sérgio
monossilabicamente.
-Gilberto também era compositor, e dos melhores.
Voltou-se para o seu companheiro de apresentação.
-Agora, vai o quê?
-Louis Armstrong em “Mack The Knife”, de Kurt Weil e
Bertold Brecht.
-Fantastique! - recorreu o Jonas Vieira ao francês
para expressar o seu alumbramento.
-Essa foi para fechar o ano. - empolgou-se o Sérgio.
-Com essa voz... com esse trompete...
A palavra voltou para o Sérgio Fortes:
-Ele fez um sucesso louco quando veio ao Brasil; tem
fotografia dele com o Juscelino Kubitschek. Ele se apresentava no Golden Room
do Copacabana Palace...
-Eu não me apresentei lá porque não era nascido.
Depois da piada , Jonas Vieira se tornou sério.
-Gilberto Milfont começou nos anos 40, triunfou nos
anos 50 e ganhou vários carnavais. Em 1951, lançou o samba de Haroldo Lobo e Milton
de Oliveira, “Para o Seu Governo”, uma expressão da época, que vamos ouvir
agora.
-Sensacional! Naquele tempo, tinha cantor, tinha
carnaval, tinha música, tinha versos. - manifestou-se o Sérgio Fortes.
-E aí, Sérgio?
-Prosseguindo com Louis Armstrong... Eu estava
conversando aqui sobre a parceria dele com Bing Crosby... Vamos botar o calypso
“High Society, do Cole Porter, do filme que eles fizeram com a Grace Kelly (*).
Gravação supimpa.
Agora, os comentários eram do titular do programa:
-Muito bem, depois desse show do Louis Armstrong,
vamos falar com Gilberto Milfont. Ele está lá em Copacabana.
O homenageado, de 92 anos de idade, fala algumas
coisas e passa o telefone para Iracy, a sua esposa.
-Ele ficou preocupado com as perguntas, Jonas. - disse
ela.
-Não há nada de perguntas, fala para ele que isso é
conversa de botequim, Iracy.
-Ele fica muito feliz quando é reconhecido nas ruas.
-Deixa-me me despedir dele. - pediu.
Ela passou o telefone para o marido.
-Sei que você está muito bem, que vai para o Ceará,
cantar em Fortaleza,
Ele riu, e a ligação se encerrou.
A comovente união do Jonas Vieira com os seus ídolos
do passado deixa, sem dúvida, os ouvintes do Rádio Memória sensibilizados.
-Gilberto começou nos anos 40, estourou nos anos 50.
Ele lançou um samba lindíssimo em 1951, também de Haroldo Lobo e Milton de
Oliveira: “Foge dos Meus Olhos”.
Depois do desfrute musical, Jonas retornou com seus
comentários:
-Mílton de Oliveira apenas divulgava...
-É mesmo? - surpreendeu-se o Sérgio que não conhece
tão bem quanto ele os bastidores da música popular brasileira.
-Mílton de Oliveira não era “esse” compositor, Haroldo
Lobo, sim.
-Não calçava nem as chuteiras do Haroldo Lobo, Jonas?
-Não entrava nem no vestiário.
Depois de se desculpar, mas a verdade exigia que ele
dissesse isso, Jonas Vieira anunciou a “Pausa para a Meditação” com a crônica
do primo do cantor reverenciado, Fernando Milfont, com o tema “Ano Novo, Vida
Nova”.
-Fernando não cantava, nem canta nada. - brincou o
Jonas Vieira depois da pausa.
-Ele bebe bem, sabe recomendar bons bares. - foi o
Sérgio Fortes, mais benevolente.
-Conhece bons uísques e vai todas as sextas-feiras à
Feira de São Cristóvão. - informou o titular do programa.
Como bom cearense, ele frequenta a feira dos
nordestinos Como disse o poeta: “Nasce-se com o gosto da terra natal na boca”.
Em seguida aos reclames comerciais, Sérgio Fortes
persistiu com Louis Armstrong, com a faixa de um CD que o deslumbrava: “On The Sunny
Side Of The Street”. (**)
-Louis Armstrong, este nome resume tudo. - frisou o
Jonas Vieira.
-Caramba! Vai tocar trompete assim... -truncou o
Sérgio Fortes a sua frase.
Jonas Vieira cortou, por momentos, a descontração do
Rádio Memória.
-Muito bem. Vamos falar de um acontecimento
importantíssimo: o reatamento diplomático entre Cuba e Estados Unidos.
-Uma surpresa. - Jonas.
-Os ouvintes de programas passados sabem que eu e o
Sérgio Fortes comentávamos sobre a genialidade do Obama. Está cada vez mais
comprovado isso. O Papa Francisco é outro gênio. Então, o mundo está em
transformação, você pode ter certeza disso. Com essas duas figuras
extraordinárias, ainda temos a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel.
São essas personalidades que põem o mundo para andar pra frente.
-É verdade.- não desconcordou o Sérgio.
-Isso demonstra que os americanos são de um
pragmatismo extraordinário. Eles mudam mesmo, não ficam batendo a cabeça na
parede como nós fazemos aqui.
-Sim. - disse o Sérgio.
-Agora, acabou essa Cuba atrasada. O Chico Buarque já
pode ir para lá. - expressou o Jonas o seu otimismo.
-Eles são enxadristas. Se você analisar bem, havia
toda essa rivalidade, mas era uma coisa “deixa pra lá”. E a Venezuela se
metendo a engraçada... O Maduro vai cair de podre, ficou sem discurso. - falou
o Sérgio Fortes.
-E o Papa?!... Ele é fantástico!. - exclamou o Jonas.
-O Papa está influenciando até o futebol; levou o São
Lourenço à final da Copa Mundial dos clubes.
Não o levou ao título, à vitória sobre o Real Madrid, porque
há limite para os milagres. - comentário nosso, não do Sérgio.
-Quando o Papa falou pela primeira vez, eu constatei
que era um gênio.
Jonas Vieira era mais contundente, Sérgio, mais
descontraído.
-Ele é inteligente e simpático. Um argentino tão
simpático deve ter problema de fabricação.
-Não, não. Eu nutro a maior admiração pelos argentinos,
pelas suas músicas, por muitas coisas, a começar pelo Jorge Luiz Borges.
-Ele é mesmo fantástico, Jonas.
-A Argentina já tem dois Nobel e um papa, nós não
temos Nobel, nem papa.
-Tivemos o Papa Zózimo, não sei se dá para contabilizar.
- recorreu o Sérgio Fortes ao calendário.
Nada de brincadeiras, agora, pois o titular do programa mudava o tom.
-Outro grande sucesso de Gilberto Milfont, em 1953,
foi um samba de Lupicínio Rodrigues: “Castigo”.
Fez-se ouvir a canção impregnada da mágoa peculiar do
grande compositor popular.
-Com Gilberto Milfont, ouvimos de Lupicínio Rodrigues
e Alcides Gonçalves, ”Castigo”, que alcançou um êxito extraordinário.
-E aí, Sérgio? - voltou-se para o seu parceiro de
apresentação.
-A pedido de um ouvinte de uma fidelidade canina a
este programa, não perde um, o Peter...
-Ele já está fazendo exigências? - cortou o Jonas
Vieira em tom de censura.
-Pois é; eu encontrei na minha caixinha de sugestões
musicais: “It's a Wonderful World.”
-”Oh, Yes.” - soou, no final da canção, a voz única no
universo da música popular.
-Espero que o Peter tenha ficado satisfeito.
-A gente volta para Gilberto Milfont. Antes...
Jonas Vieira truncou sua frase para desejar boas
festas a todo o mundo.
-Em 2015, teremos centenários importantes: Orlando
Silva, Aurora Miranda, Grande Otelo, o grande violonista Garoto.
Billie Holliday não foi citada, mas não havia
necessidade, pois nos Estados Unidos existem dezenas de milhares de Jonas
Vieira para não deixarem os grandes artistas populares do passado caírem no
esquecimento..
-Muito bem. - aprovou seu parceiro.
-Voltando ao nosso querido Gilberto Milfont, de
Haroldo Barbosa, do carnaval de 1956, “Batendo Cabeça.”
Com essa escolha, não havia como não nos lembrar das
suas considerações de quinze minutos atrás sobre o comportamento do brasileiro,
o que demonstrava a atualidade desse samba de carnaval.
-Haroldo Lobo era danado, Jonas.
-Sérgio, os quatro maiores compositores carnavalescos
são: Lamartine Babo, Braguinha, Haroldo Lobo e Antônio Nássara.
-”It's So Good”, vertida pelo Sérgio Fortes para o
francês - “C'est Si Bon” - “É Tão Bom” - na voz do Louis Armstrong, encerrou o
último Rádio Memória de 2014.
(*) High
Society é um belo musical. Só a introdução, com os músicos no ônibus botando
pra quebrar já valia dois ingressos. Entretanto, o auge do filme – na opinião
humilde e absoluta deste seu Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO – é a
música “Now you have Jazz”, também do Cole Porter, quando Bing Crosby e Louis Armstrong
fazem um dueto empolgante. Como não foi ao ar no Radio Memória, o Distribuidor
proporciona ao assinante, como sempre free
of any charge, o link da cena em:
(**) Hoje é dia. O Distribuidor ouviu, com prazer, a
bela canção. E relembrou um passeio na capital do jazz, Nova Orleans, onde
encontrou inúmeros saxofonistas pelas ruas, todos entoando jazz standards em
busca de moedas e reconhecimento. Em vários, ao terminar a música tocada, pediu
The Sunny Side... em vão, ninguém sabia. Foi preciso estar bem distante, na
Place des Vosges, onde uma mambembe banda americana entoava outros jazz standards,
para acontecer o seguinte diálogo:
- O senhor poderia
tocar “On the Sunny Side of the Street”?
- Acho que sim. O senhor pagaria por ela?
As moedas na tradicional caixa de um banjo indicavam cachês
de meio Euro.
- Dois Euros, seria razoável?
- Sim! Por dois Euros eu até canto.
E assim a Place des Vosges – lado do sol – ouviu a
canção, letra e música.
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