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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5021 Data: 09 de janeiro de 2014
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RECORDAÇÕES DA MARINHA MERCANTE
PARTE III
Muitos não sabiam o seu nome, entre
eles, eu, mas seu apelido corria por toda a Marinha Mercante: Zé Colmeia. Por
que Zé Colmeia e não Moby Dick, por exemplo?... Não entendo até hoje. Talvez
porque adorasse doce, mas o amigo do Catatau era bem mais seletivo, sentia-se
atraído por mel, alimento de valor nutritivo; não buscava guloseimas de deixar
os nutricionistas de cabelos em pé; aquilo que o Zé Colmeia, nosso colega de
trabalho, devorava.
Os elevadores do Departamento de
Marinha Mercante tinham capacidade máxima para 16 passageiros ou 1120 kgs,
média de 70 kgs por pessoa, mas se o Zé Colmeia estivesse nele, o ascensorista
era obrigado a baixar essa capacidade para 12 pessoas.
Quando eu estava de férias, recebi a
notícia do falecimento do Zé Colmeia. Dieckmann, que era o nosso chefe, não o
do falecido, embora tivesse alguma afinidade por ele, foi ao enterro e me
contou que a chuvarada complicou ainda mais as coisas. Baseando-me nas suas
informações, tentarei resenhar esse triste acontecimento.
Faziam-se necessários, no mínimo, seis
Arnold Schwarzenegger para carregar o caixão, mas não havia um só no cemitério.
O jeito foi colocar o caixão do Zé Colmeia sobre aquelas carretas que levam os
corpos para os túmulos, o que já exigia um esforço hercúleo.
-Biscoito, um dos pneus da carreta não
suportou com o peso e estourou, e a carreta ficou entalada no lamaçal. -
lamentou o Dieckmann.
Depois do que seria o décimo terceiro
trabalho de Hércules ter sido resolvido, já na hora do almoço, o sepultamento
do Zé Colmeia, todos os amigos do defunto, segundo o Dieckmann, partiram para
um restaurante onde comeram fartamente. Faziam, assim, a última homenagem ao
colega de serviço que se foi.
A secretária do diretor afirmou que a viúva passava a
ter, agora, uma acentuada queda nos gastos da casa. Maldade, mas era verdade.
Houve muitas festas no nosso trabalho.
No primeiro dia do mês, já aparecia a relação dos aniversariantes no quadro de
avisos, substituídos, depois, pelos computadores personalizados. E os festeiros
davam logo início aos preparativos.
Essas festividades ocorreram mais no
tempo em que o Itamar Franco era presidente da República, o que era incrível,
mas seria bem mais, se fosse no governo Collor que, com seu secretário-geral,
depois ministro, João Santana, quase destruiu a administração pública.
Tão assíduos quanto as tortas, os
guaranás, as Coca-Cola, nesses dias que antecederam o Plano Real, era a espiga
de milho. Explico-me. Pamplona, decano da Marinha Mercante, que muitos
consideram inteligentíssimo, outros, maluco-beleza, sempre se dirigia a um por
um dos presentes, com uma espiga de milho na mão, dizendo: “Alise o milho,
alise, que virá muita riqueza para você. É a cor do ouro. Esta crença vem dos
gregos da antiguidade.”
E todos alisavam a espiga de milho do
Pamplona, alguns até com fervor exagerado.
É verdade que o milho surgiu na Europa
depois da descoberta da América, mas poucos festivos sabiam disso, mas mesmo
que soubessem, não recusariam um pedido do Pamplona: todos gostavam dele.
Quando Pamplona se aposentou,
combinamos um almoço de despedida no Restaurante Caçarola da Rua do Rosário. Ao
meio-dia, a hora aprazada, todos os que confirmaram presença já estavam lá,
menos o festejado. Meio-dia e meia, nada; a nossa preocupação já era comparável
à nossa fome.
-Vão pedir?
-Sem o Pamplona, nunca- respondemos ao
garçom.
-Será que ele se perdeu? - aventaram a
hipótese.
Não; ele não tinha fio-terra – afirmavam
muitos – mas não era tão aéreo assim.
Ao meio-dia e quarenta minutos chegou
finalmente. Por que se atrasara?... Foi jogar no bicho quando ocorreu uma
batida policial, a princípio, confundiram-no com um bicheiro. Teve, então, de
convencer as autoridades que era apenas um funcionário público
recém-aposentado.
Quando o prato de entrada foi servido, Pamplona mostrou
que nascera mesmo para engolir bolinhos de bacalhau, não listas de jogo de
bicho.
No passado, o feriadão da Semana Santa
se iniciava na quinta-feira. Lembrava o dia da ceia de Cristo, o fim da
Quaresma e o início do tríduo pascal. Hoje, muitos trabalham na quinta-feira da
Paixão sem reclamar, surgiram tantos feriados ou pontos facultativos de um
tempo para cá, que não há como levantar bandeiras pela sagração desse dia para
não ir para o serviço. Seria muita paixão pelo ócio.
Na década de 90, quando ficava a
critério dos chefes do Serviço Público, conceder ou não mais um dia ao feriadão
da Semana Santa, houve um caso que não se apagou da nossa lembrança.
O Almirante MOCA bateu o martelo: todos
deveriam fazer jus ao seu salário, que não era muito, na quinta-feira. MOCA?...
Estranharão os leitores deste periódico. Naquela época de Departamento de
Marinha Mercante, tínhamos o POPA, como já assinalamos em exemplares
anteriores, Paulo Octávio de Paiva Almeida, e o MOCA – Mauro Ormeu Cardoso
Amorelli. Labruna, um colega nosso, nos momentos em que não era muito exigido
no serviço, dava de elucubrar rubricas risíveis que logo se transformavam em
cognomes. Chegou a esses dois que, para coroar a sua elucubração, eram chefes,
um, direto, o POPA, o outro, acima de todos, o diretor e almirante, o MOCA.
Com o MOCA não havia contestação:
queria todos lá e todos teriam de estar a postos, mesmo que não houvesse nada
para fazer, e não havia mesmo.
Como
foi xingado! Alguma coisa comparada ao xingamento sofrido pelo árbitro Armando
Marques quando expulsou o goleiro do Flamengo, Dominguez, no Fla x Flu que
decidiu o campeonato carioca, com mais de 170 mil pagantes, em 1969. Com a
diferença fundamental que o MOCA não ouviu nada, enquanto o Armando Marques
ouviu tudo.
Com os xingamentos, vieram as pragas,
que cresceram em intensidade no ambiente de trabalho naquela quinta-feira.
E o MOCA apareceu no Departamento de
Marinha Mercante para trabalhar? - indagarão os leitores mais céticos. Bem,
passou toda a manhã e nada dele. Os mais açodados afirmaram que ele se
encontrava num balneário rindo sadicamente de nós. Alguns falaram em arrumar as
suas coisas e ir para casa, Os mais precavidos aconselharam a esperar, pois
calhava de ele aparecer, e as represálias não demorariam.
MOCA, de fato, apareceu, porém, às 15
horas, duas horas antes do término do expediente. Informou aos seus
funcionários que sofrera uma crise de cálculo renal de manhã e só fora liberado
muitas horas depois.
A praga cumpriu a sua missão.
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