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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

2765 - o começo do cinema


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5015                                     Data: 02  de  janeiro de 2014

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141ª VISITA À MINHA CASA

 

-Lillian Gish, a atriz de olhos suplicantes e a boca em formato de coração.

-Eu fui bem mais do que isso. - reagiu contrariada a minha ilustre visitante. Fiquei famosa no papel de heroínas chorosas e desesperadas, mas eu estava longe do comportamento dessas mulheres.

-Sabemos disso, que a sua força a levou a atuar em 104 filmes na sua vida centenária.

-Minha vida foi dura, se eu fosse fraca, ficava pelo caminho.

-Você nasceu em Ohio, na cidade de Springfield, em 1896 ou 1893, há controvérsias quanto ao ano exato.

-Moça, apareci nos estúdios de cinema com 19 anos de idade, mas dizia que tinha 16.

-Seu pai era James Leigh Gish, um confeiteiro, e sua mãe, Mary Robinson McConnel, descendente de Zachary Taylor, o 12º presidente dos Estados Unidos.

-Não nos melhorou em nada essa ascendência.

-Sua irmã Dorothy é mais nova?

-Ela nasceu um ano depois de mim, fomos muito unidas.

-Vocês passaram muitas dificuldades.

-Em quatro anos, nós nos mudamos para três cidades. Quando nos estabelecemos, finalmente, em Nova York, meu pai sumiu de vez. Isso me deixou insegura, mas, por outro lado, muito independente.

-Talvez, Lillian, isso explique o porquê de você nunca ter se casado.

-Eu me casei com a minha carreira de atriz e os filmes eram meus filhos.

-A sua mãe, para alimentar as filhas, assumiu uma das profissões mais vergonhosas nos Estados Unidos no início do século XX: atriz.

-Ela trabalhou no Proctor's Stock por 15 dólares ao dia e arrumou emprego para mim e a Dorothy.

-Alguma coisa que a marcou mais que as outras nessa época?

-Eu nunca me esqueci das andanças com a minha mãe vendo, nas janelas dos hotéis onde almejávamos dormir, cartazes que diziam ser proibida a entrada de cães e atores.

-E o seu começo como atriz?

-Iniciei em melodramas com o nome Baby Lilian e despertei a atenção de Walter Houston, pai de John Houston.

-A dinastia Houston, talvez a maior da arte cinematográfica. - vibrei.

-Mas foi com David Wark Griffith que a minha carreira deslanchou.

-Não só a sua carreira, como a própria arte cinematográfica. Muitos o consideram o “Pai do Cinema” por realizar as primeiras obras-primas através do invento dos Irmãos Lumière em 1895. Griffith, na ocasião, estava com vinte anos de idade.

-O Senhor Griffith me modelou.

-Quando e como vocês se conheceram?

-Nós nos conhecemos em 1912, e uma vizinha, que trabalhou no papel de criança em algumas peças dele nos apresentou: Gladys Smith.

-Gladys Smith?!...

-O seu nome artístico era Mary Pickford.

-A namoradinha da América?... Sim, ela ganharia rios de dinheiro e, juntamente com o marido, John Barrimore, Charles Chaplin e o próprio Griffith, fundariam a United Artists.

-Isso foi um pouco mais tarde, em 1919. Eles queriam distribuir suas próprias criações, pois se consideravam prejudicados com intermediações.

-Disseram que, com a United Artists, os loucos tomavam conta do hospício. - lembrei.

-O Senhor Griffith era uma figura paterna para mim, um mestre.

-Griffith lia Shakespeare, Charles Dickens e Walt Whitman, principalmente, o seu objetivo era a dramaturgia.

-Mas se tornou uma lenda do cinema. - assinalou.

-Griffith se tornou diretor de filmes em 1908, realizou perto de 450 filmes de 15 a 18 minutos, entre 1908 e 1913, modestos, mas revolucionários. Foi o primeiro a utilizar o close-up com abordagem dramática, a montagem paralela, o suspense e os movimentos de câmera.

-O Senhor Griffith estabeleceu as regras da gramática do cinema e criou uma narrativa própria dessa forma artística que surgia. - disse ela.

-E você estava lá, com ele, em todas essas fases.

-O que me honra muito.

-Você e a sua irmã Dorothy abalaram Griffith, que disse:

-”Dorothy era uma menina alegre e sedutora, com um toque do pecado original. Mas Lillian era envolta de uma luz misteriosa que nada tinha a ver com eletricidade.“

-Ele disse, de fato, isso,

-A sua luz misteriosa provinha de uma estrela. O “Pai do Cinema” sabia que descobrira, em você, a atriz que iluminaria seus filmes ao longo dos dez anos seguintes.  

-Mais ou menos isso; trabalhei com ele durante oito a dez anos.

-Disseram os estudiosos da arte cinematográfica, que a sua luz misteriosa transmitia uma aura de inocência vulnerável, enquanto ocultava uma vitalidade e um impulso sexual imensos, esperando para serem expressados ou até mesmo, reprimidos a força.

-Não foi François Truffaut quem disse isso?... Ele gostava muito de mim, dedicou-me o filme “Noite Americana”, de 1980.

-Não, Lillian, Truffaut disse, sobre você, que nunca uma força tão tranquila havia sido emanada de um corpo tão frágil e gracioso.

-Generosidade do grande Truffaut, que se foi tão cedo, no melhor da sua força criativa.

-O Seu primeiro filme com Griffith foi “Um Unseen Enemy”, uma órfã, juntamente om a sua irmã Dorothy.

-Nós duas éramos hostilizadas por uma faxineira que planejava roubar a nossa escassa herança. Para acerbar o sofrimento, nosso irmão entrou para o exército não estando presente para nos proteger. - resenhou a história.

-Lillian, esse filme foi realizado em dois dias, o que demonstra a rapidez do diretor, assinalava o seu potencial de atriz e anunciava a sua personagem arquetípica: a virgem em apuros.

-Eu só permaneci em apuros. - riu gostosamente com a sua observação.

-O Senhor Griffth adorou a minha estreia e a de Dorothy, e nos contratou para mais filmes: “Friends”, “The New York Hat”, Anna Moore em “Way Down East”, e “The Musketeers of Pig Alley”, este, o último curta dele, em que interpreto uma órfã.

-Órfãos nos romances de Charles Dickens e órfãs no cinema de Griffith. - não resisti a comparação.

-Nesse ínterim, o que aconteceu de importante para a sua carreira?

-Em 1913, eu me mudei, com a minha família para Hollywood, acompanhando Griffith.

-E como era Hollywood nesses primeiros anos de cinema?

-Não havia aquela indústria cinematográfica quando chegamos. O aroma das laranjeiras se espalhava, era um paraíso.

-Paraíso que atraiu cineastas e imigrantes do leste europeu?

-Sim. Cecil B. DeMille e Sam Goldwin haviam formado a Fox, Carl Laemmle dirigia a Universal desde o ano passado, isto é, 1912.  As primeiras estrelas nas capas das revistas eram Pearl White, Theda Bara, Mabel Normand, Mary Pickford. 

E concluiu:

-Hollywood estava se tornando a Meca do cinema. 

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