-----------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5025 Data: 16 de janeiro de
2014
-----------------------------------------------------------------
“TEJE PRESO”
PARTE II
Subimos os poucos degraus até uma
frente envidraçada com um cartaz em que se exigia a entrega de armas ali.
Entramos e considerei o prédio da delegacia em estado razoável de conservação,
este, porém, não foi o parecer do Luca, bem mais entendido no assunto do que
eu.
-Veja essa luminária, Carlinhos; onde
jogamos tênis de mesa a iluminação é igual à daqui. Certa vez, a bola caiu numa
luminária dessas, ficando presa, que não houve meio de tirá-la de lá.
No balcão, havia duas moças, cada uma
com o seu computador. Dirigi-me à da direita e lhe disse o porquê de eu estar
ali. Depois de digitar algumas coisas, com o papel da minha intimação à sua
frente, falou que eu procurasse o inspetor Gérson* no primeiro andar.
-Se você não é advogado dele, não pode
subir.
Luca driblou com facilidade essa
barreira.
-O doutor Deocleciano* está?
-Sim, o delegado está. - respondeu ela.
Então, o Luca subiu comigo.
-Pra todos os efeitos, Carlinhos, somos
amigos de infância. - orientou-me quando já pisávamos o chão do corredor do
primeiro andar rumo à sala do inspetor, que um faxineiro nos indicara.
“O meu mais recente amigo de infância”
- era uma das frases recorrentes do Nélson Rodrigues. Por que não seríamos nós
amigos de infância, que nos conhecemos desde 1965, há 50 anos?
Entramos na sala do inspetor Gérson*,
um senhor de uns 60 anos de idade, com corpo de glutão e barriga de bebedor de
cerveja. Mal lhe entreguei a intimação, Luca lhe fez algumas perguntas:
-Conheceu o delegado Alcides?... A
Valéria?... Alcides Lantorno de Jesus.
Sim, o Delegado Alcides, mesmo que não
fosse assassinado num supermercado do Recreio dos Bandeirantes, era conhecido
por toda a polícia pelo seu jeito peculiar de ser.
O inspetor, enquanto escarafunchava o
processo que sacara do arquivo, lamentou não estar aposentado.
-Comecei a trabalhar tarde.
-É sobre o que?
-Isso que eu quero saber. - respondeu
ao Luca.
Depois de folhear várias folhas,
encontrou o que queria.
-Conhece este número de telefone?-
indicou com o dedo.
3276 4313.
-Não. - respondi com determinação.
Depois, titubeei.
-Acontece que lá, em casa, o telefone
que se usa mesmo é o da minha mãe. Atualmente, eu tenho um da NET Combo e se o
senhor me perguntar, agora, o número, eu não saberei responder. Poucas pessoas
telefonam para mim por ele.
-Esse telefone não foi, então, seu?
-Vendo esses algarismos 3, fico em
dúvida. É provável que tenha sido.
-Não quer telefonar para o seu irmão?
O Lopo, naquela manhã, como nas outras,
com 100% de certeza, estava no Wal Mart ou no Carrefour.
Não insistiu e passou a digitar no
computador.
-Estado civil?
-Solteiro.
-Tem companheira?... companheiro?...
-Eu não tenho companheira e, muito
menos, companheiro.
Os dois riram com a minha resposta.
-Pode me dar a sua identidade?
Entreguei-lhe a minha carteira de
identificação da ANTAQ. Ao ver a tarja verde e amarela, foi irônico:
-Ah, é garoto da Dilma.
-Se você soubesse o que ele pensa da
Dilma. - disse o Luca.
-Estão desgraçando o país.
Após esse comentário do inspetor,
devolveu-me a carteira e reiniciou as perguntas cujas respostas, em grande
parte, se achavam no documento que estivera com ele. Veio, então, o pior:
esbarrou numa tecla e tudo foi apagado. Voltou com as mesmas indagações, mas,
dessa vez, avisei-lhe que as respostas estavam na carteira que estava de novo à
sua frente.
Dessa feita, digitou tudo direitinho.
Em seguida, passou para as páginas do processo.
-Conhece José Mauro Dantas*?
-Não. - respondi, enquanto pensava que
os amigos do Luca trabalharam bem.
-E Eustáquio de Souza Barbosa*?
-Não.
-Isabel Marques Carneiro*?
-Também não.
Agora, ele passava para as explicações.
-Esse José Mauro Dantas abriu uma conta
no Unibanco com documentos desse Eustáquio, já falecido, dando seus dados como
referência a essa Isabel, funcionária do banco.
-Antes de abrir a conta, ela tinha de
se comunicar com o Carlinhos. - manifestou-se o Luca.
-Eu abri no Unibanco...
-Que acabou, agora é Itaú-Unibanco. -
apartearam-me os dois.
-Eu abri no Unibanco uma conta de
poupança...
-Em que ano foi isso?- interessou-se.
-O ano eu não sei precisar, mas foi na
década de 80, pois essa conta foi confiscada pelo Collor. Houve, depois, um
recadastramento de todas as contas bancárias no Brasil. A agência é do Méier e,
até hoje, eu recebo mensalmente o extrato, embora eu não mexa na conta há
muitos anos, e o valor seja pequeno.
-Vou intimá-la.
Digitou o meu depoimento, realçando
essa poupança, em que meus dados poderiam ter sido usados na conta fria,
deu-me, depois, para ler e assinar.
-Ainda bem que meu irmão estava em casa
e recebeu a intimação. Minha mãe se visse isso, ela que tem quase 80 anos...
-90 anos. - corrigiu-me o Luca.
-... Quase 90 anos; eu não sei o que
seria caso recebesse...
-Peço desculpas pelo incômodo.
-Tudo bem. Só não gostei de o senhor me
perguntar se tenho companheiro e que sou garoto da Dilma.
-Quer um atestado para o seu trabalho?
-Não; entendi-me, ontem, com o chefe.
Voltamos
para a Praça Xavier de Brito onde o carro fora estacionado.
-Carlinhos, eu tenho de acertar, agora,
a Rua José Higino. Há muito tempo que não venho aqui.
-Você não recorre ao GPS e é melhor,
pois, assim, o seu cérebro trabalha.
-Você consegue ler os nomes das placas
das ruas de longe?
Éramos um míope guiando outro míope.
-Não é por aqui... Errei o caminho.
De repente, iluminou-se o seu rosto.
-Aqui morou a Sônia a quem namorei.
Logo ali, morava o Zagalo.
Depois, deu mais velocidade ao carro.
-Veja se esta rua não é a Clemente
Falcão? Vim muitas vezes aqui namorar a Sônia.
Com a certeza com que falava,
certamente que era a Rua Clemente Falcão.
-Agora, nós pegamos a José Higino.
Na Avenida Maracanã, indicou-me o rio e
declarou:
-Carlinhos, se chovesse aqui como em
São Paulo, acabava o Rio de Janeiro.
Fim da jornada.
-Bem, Luca, até que valeu a pena; você
reviu parte do seu passado, e eu conheci trechos da Tijuca por onde nunca
passara antes. - disse-lhe, enquanto me deixava em casa.
-É claro que valeu a pena, Carlinhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário