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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4865 Data: 09
de maio de 2014
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O SABADOIDO E O FACEBOOK
-Você entra no facebook e só vê as
pessoas se mostrando felizes, realizadas, vitoriosas. - reclamou a Gina.
-A acreditar no facebook, os psicólogos
e os psiquiatras morreriam de fome. - comentei, concordando, aparentemente, com
o seu tom crítico.
-Eu estou propensa, não é de hoje, a
encerrar a minha conta no facebook.
Dessa vez, tive mais seriedade no meu
comentário:
-É melhor topar com essas pessoas
felizes, mesmo por pose, do que aqueles internautas que escancaram a sua
privacidade com os achaques que os acometem.
Gina, com quem tenho muitos amigos
virtuais comuns, não mostrava a mesma paciência com eles.
-Já notou que todos viajam para o
exterior?... Que vidas maravilhosas!...
-Lembram aquele verso do Fernando
Pessoa: “Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.
-Pois é.
-A minha irmã e outros católicos, por
exemplo, transformam o facebook num santuário, os espíritas contra-atacam com
mil mensagens do Chico Xavier...
-Isso não é irritante?- interrompeu-me.
-Gina, eu uso a barra de rolagem do
computador e passo essas fotos, vamos dizer assim, na velocidade de 24 delas por segundo; eu só me
detenho no que é interessante.
-O que é muito pouco... - acrescentou.
E prosseguiu:
-Há aqueles que fotografam o almoço, o
jantar ou mesmo o lanche para que todos vejam. - irritou-se ainda mais.
-É ridículo esse exibicionismo, não
resta dúvida, mas inspirou um internauta espirituosos que postou um gato com
uma câmera fotográfica diante de um camundongo, com os dizeres: “meu almoço”.
Mesmo com esse chiste, a Gina continuou
com o rosto crispado.
-Você pode ver que eu não compartilho
nada no facebook, ou quase nada.
-Antes de vir para cá, Gina, deparei-me
com uma postagem que criticava o que se
chama, atualmente, de cultura negra, dizendo que os seus representantes eram
Machado de Assis, José do Patrocínio, Cruz e Sousa, Tobias Barreto, e não os
citados por aí. Compartilhei isso, mas, logo após, notei a minha precipitação,
pois colocaram o samba no mesmo nível do “funk” e do “rap”. Excluí, então, esse
compartilhamento.
-Não citaram o Lima Barreto? - interveio
o meu irmão que, com o Globo na mão, parecia, até então, ausente.
-Esqueceram lamentavelmente. - respondi.
-Muita gente pensa que cultura é acúmulo
de conhecimento. - disse o Claudio.
-Isso é erudição.
-Eu saí do facebook, durante uns dois
meses, e retornei.- era o Daniel irrompendo cozinha a dentro.
-Você quis mostrar que não sofre de
dependência de relacionamento virtual, que
não é viciado em computador?- indaguei, embora sabendo que meu sobrinho
sempre me pareceu saudável.
-Isso de facebook é uma droga que vicia
os fracos de cabeça, afirmou meu irmão, que só recorre ao computador em último
caso, com o filho servindo de assessor e intermediário.
-Daniel dá as caras poucas vezes no
facebook, mas quando aparece...
-Carlão, você não está se referindo
àquela foto minha, no Maracanã, com a camisa do Fluminense, antes do jogo
contra o Vitória?... captou a minha mordacidade, pois seu clube perdera de 2 a
1.
-Longe de mim...
-Meus amigos virtuais e da onça se
fartaram de me chamar de pé-frio, até de pé-gelado, os mais engraçadinhos.
-Daniel, console-se comigo. Fiquei anos
e mais anos sem ir ao Maracanã, quando fui, com seus pais, o Botafogo perdeu de
2 a 1 para o Madureira, no jogo preliminar, e o Fluminense empatou com o Olaria
em 1 a 1.
-Carlão, você é mais pé-frio do que eu.
-Quem puxa aos seus não degenera, pois o
Claudio e a Gina, durante semanas, só me tratavam assim.
-Mas, Carlinhos, você exagerou naquele dia.
- não perdeu a Gina a oportunidade.
-Foi em 8 de setembro de 1970. Por que
me lembro da data? Porque foi o dia da morte do técnico Gentil Cardoso, o
criador da expressão que até hoje
perdura “vai dar zebra”. A crônica esportiva disse que o destino
homenageara o treinador com essas duas zebras, mas, para seus pais, foi mesmo o
meu pé-frio o culpado daqueles resultados.
-E foi, Carlinhos. - reafirmaram o
Claudio e a Gina quase em uníssono.
-Vou pedalar na Lagoa. - anunciou o
Daniel intempestivamente, quebrando o clima de gozação que imperava.
Dez minutos depois da saída do Daniel,
aparecia o Luca.
-Vagner mais uma vez... - suspendeu a
frase no meio, pois já fora entendido por nós três.
-Não vem, Luca. - antecipou-se a Gina.
-Ele me telefonou na quarta-feira, dia
do meu aniversário.
-A Glória lembrou o seu aniversário,
Claudiomiro. Joguei na sua idade, como fiz com a do Elio, mas parece que o
Carlinhos me informou erradamente, pois não ganhei no bicho.
-Nesse telefonema, o Vagner, algumas
vezes, se mostrou confuso.
-Eu ouvi, hoje de manhã, o pai dessa
menina que tinha de trazer clandestinamente o canabidiol para tratar a filha.
-Agora, a ANVISA liberou o remédio. -
manifestou-se meu irmão.
-E a morte do Jair Rodrigues? - mudou o Luca a matéria da sessão desse
sabadoido.
-Eu fui surpreendido, não pelo
falecimento dele, mas pela enorme repercussão. Confesso que imaginava que ele,
como muitos outros artistas da década de 60 e 70, já estivesse enterrado pelo
público. Engano meu.
-Eu também não o julgava ainda tão
querido. - acompanhou-me o Claudio.
-Eu nunca vi o Jair Rodrigues com o
semblante fechado, ria sempre. - disse o
Luca.
-O bom-humor dele me deixava
mal-humorado; eu imaginava que tanta alegria fosse artificial...
-E não era, Carlinhos? - cortou-me a
Gina.
-Pelos pronunciamentos dos seus amigos,
daqueles que conviveram com ele, não. Jair Rodrigues estava sempre com um
sorriso nos lábios.
-Nessa hora, ninguém vai falar mal do defunto.
- insistiu a Gina em ir contra a corrente.
-O Theo de Barros, um dos autores de
“Disparada”, se preocupou – como ele mesmo revelou – que o Jair Rodrigues
brincasse com a sua música, que era séria, de protesto, e constatou depois o
quanto estava enganado.
-O Jair Rodrigues tinha uma senhora voz.
- declarou meu irmão com veemência.
-O sucesso de “Disparada” se deve à
interpretação dele. - afirmou o Luca.
Gina se levantou para adiantar o seu
expediente antes da saída para o almoço, enquanto o Claudio a seguia, porém,
com outro propósito: pegar dois copos de caipirosca.
-E a Rosa, Luca?
-Enviou uma carta para você da semana da
Páscoa. - disse-me, retirando uma folha amarela manuscrita do envelope que
trouxera.
-Explique-me essa primeira frase.
E leu:
-”Escrevo-lhe numa alvorada pascal, meio
rusticana, mas sem o pega pra capar operístico.”
-A Rosa me espanta; ela sofre de
problema auditivo bem pior que o de Beethoven, mas não se esvai da sua
lembrança a música.
-Mas o que ela disse?
-Refere-se à ópera “Cavalaria Rusticana”
em que, na missa de páscoa, o protagonista Turiddu se encontra com Lola, que
era casada com o carroceiro Alfio. O final é sanguinolento, com um duelo a
faca.
E a louvei:
-A Rosa, com essa frase, foi concisa
como poucos escritores.
Nesse momento, Claudio retornava com os
dois copos.
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