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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4854 Data: 19 de
abril de 2014
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CARTAS DOS LEITORES
-“Melômano cinéfilo:
Foi assistir à Carmem atualizada?
Nos áureos tempos do Cine Cachambi
chegou a ver um filme calcado na “Aída”? Deram um banho de calda de chocolate
na Sophia Loren, devidamente dublada. Os outros personagens eram cantores
profissionais.
Da primeira vez que atravessei o Equador
vi um filme no “bateau” com a Lollobrigida (de quem o papá era fã), Sean
Connery e um fulano que não consigo identificar (são passados 47 anos), o fundo
musical era soberbo. Quem era o fulano?
E como se chamou no Brasil um filmeco,
batizado nas Oropas como “A moça com a pistola”? Começava num lugarejo italiano, talvez na
Sicília. A praxe para casamentos era sequestrar a mulher amada e devolvê-la no
dia obrigando-se a casar com ela, que fingia ter sido forçada. Aconteceu que a
jovem topou de saída e o fulano se recusou a casar, alegando que ela era
“fácil”. Fugiu para a Inglaterra, acossado pela família da “vítima”. Ela compra
um trabuco e vai catá-lo. Fora da roça, aprendeu que as modas eram diferentes
(e melhores), podia topar tudo sem se comprometer, descola um emprego de modelo
publicitário, enchendo a cidade de cartazes e engrena com um cirurgião afamado
(Stanley Baker). Claro que o italiano aparece e propõe voltarem para a Itália,
comprarem um boteco (com o $ dela “ça va sans dire”) onde a colocaria
trabalhando na caixa. Óbvio ululante: ela joga fora a pistola e o italiano. Era
a Mônica Vitti, não sei a data do filme. Gostei demais. Era bom mesmo? Para os
jovens tudo é bom...
Ósculos... da Rosa.”
BM: Minha dileta Rosa, eu assisti à
Sophia Loren achocolatada no papel de Aída, escrava etíope, não no cinema, como
você, mas na telinha da televisão. Explico-me: comprei um disco de DVD sobre a
vida de Verdi e me surpreendi quando me deparei com outro disco que vinha como
bônus: o filme da ópera Aída de 1953.
Sophia Loren dubla o soprano que,
segundo o maestro Toscanini, possuía voz de anjo: Renata Tebaldi. Reza a lenda
que a própria soprano recebeu o convite para atuar no papel de protagonista,
mas preferiu mostrar apenas a voz. Se tal convite fosse feito à sua rival,
Maria Callas, não tenho dúvidas de que ela não se deixaria dublar por ninguém,
nem pela Gina Lollobrigida que havia recusado o papel, muito menos pela
iniciante Sophia Loren.
Um elenco estelar da ópera emprestou as
suas vozes para os atores do filme: o meio soprano Ebe Stignani, o barítono
Gino Bechi, Giuseppe Campora e a já citada La Voce d'Angelo.
Quem não gostasse de ver o que se passava
na tela ou telinha, bastaria fechar os olhos e ouvir. Mas quem se recusaria a
apreciar Sophia Loren, com 19 anos de idade, depois do “banho de calda de
chocolate”?
Quanto ao filme a que você assistiu num
“bateau” acima da Linha do Equador, “A Mulher de Palha”, de 1964, teve como
protagonistas a ídolo do seu papá, Gina Lollobrigida, mais Sean Connery,
Alexander Knox e Ralph Richardson. Baseia-se no livro publicado na França, em
1953, “La Femme de Paille.”
O filme foi considerado raridade porque
foi comercializado apenas em VHS, em uma edição limitada, nos anos 80; porém,
para o consolo dos cinéfilos, porque é considerado uma ótima película, já está
no mercado em DVD.
No que tange às suas dúvidas sobre “A
moça com a pistola”, a fita é de 1968, e se chamou na Europa (países de língua
inglesa e italiana): Girl with a Pistol e La Ragazza con la
pistola.
A sua resenha sobre a história com a
Monica Vitti armada é melhor do que as que encontrei no Google, por isso, fico
com ela, e economizo espaço neste periódico.
Obrigado, Rosa, por compartilhar as suas recordações
cinematográficas.
-”O redator do Biscoito Molhado leu a
coluna de quarta-feira, no Globo, do Francisco Bosco, que se insurge contra o
direitista Rodrigo Constantino, que lança a pecha de “esquerda caviar” naqueles
que expressam ideias socialistas mesmo sendo endinheirados?... Se não leu, aqui
vai um trecho: “... A atitude intelectual de Rodrigo Constantino é desonesta,
procedendo por reduções, simplificações grosseiras, maniqueísmos sistemáticos, diversos
procedimentos que agem no sentido de obscurecer o trabalho público e coletivo
da realidade (sem falar no abuso da dimensão imaginária das polêmicas –
recorrendo sempre a argumentos ad hominem e ridicularizando pessoas
famosas, a fim de produzir uma espécie de sensacionalismo intelectual.” “
Patuxa Pastel.
BM: Minha bela Patuxa Pastel, parece-me que o Rodrigo
Constantino a chamou também de “esquerda caviar”. De tanto ele usar essa
expressão, parece que a criou, mas não, ela veio da França: Gauche Caviar.
Eu li toda coluna do filho do João Bosco
em que ele pretendeu demonstrar profundidade, fugir das “simplificações
grosseiras” do seu antagonista a cada frase que redigia.
Espremendo todo o seu arrazoado,
deduz-se que, para ele, esquerdista é todo aquele que se preocupa com problemas
sociais, mesmo sendo bem aquinhoado financeiramente, e direitista aquele que é
indiferente a esses problemas.
Pensamos nós que o filho do João Bosco
caiu na mesma armadilha das abreviações, que não direi grosseiras. Por que esse
rótulo de direita e esquerda? Essas palavras já vêm com vício de origem:
esquerda eram os jacobinos liderados por Robespierre, que lançou o Terror na
França, guilhotinando cerca de 17 mil pessoas, e direita eram os girondinos, os conservadores.
Passaram os anos, e se multiplicaram na
história personalidades que se assumiram como esquerdistas, alardeando a sua
preocupação com a pobreza, mas, com isso, enchendo os seus próprios bolsos.
Antes, mataram em nome do povo, e, hoje, em nome do povo, enriquecem (os mais
truculentos ainda matam).
A história nos ensina a desconfiar das
pessoas que alardeiam a sua preocupação
com o bem-estar social.
Como disse Millor Fernandes, que nunca se declarou da
esquerda ou da direita, e sim um anarquista: “Fizeram da ideologia um
investimento”.
-”Na recente visita que o escritor
Coelho Neto fez à redação do Biscoito Molhado, foi dito que ele foi relegado ao
ostracismo pelos modernistas. Não foi só isso, ele sofreu patrulhamento
ideológico dos comunistas. Jorge Amado, no seu livro “Vida de Luís Carlos
Prestes”, declarou que, nas milhões de linhas das obras de Coelho Neto, não
havia uma só sobre aqueles que vendiam a Amazônia, nem um só desaforo, nem um
só xingamento.” CAT
BM: Meu caro CAT, como disse Stendhal “A política na
literatura é um tiro no meio de um concerto”.
Nesse livro sobre “O Cavaleiro da
Esperança”, Jorge Amado acionou a metralhadora no concerto e a arte não escapou
viva.
Anos depois, refeito da sua ilusão
ideológica, já escarmentado, Jorge Amado escreveu “Navegação de Cabotagem” e,
nesse livro, revela que ao ver um metalúrgico barbudo discursando, em meados
dos anos 70, não se sentiu nem um pouco empolgado.
Estava curado.
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