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sexta-feira, 9 de maio de 2014

2609 - as sandálias do pecador



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4859                                  Data: 27 de  abril de 2014
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SABADOIDO DE PARTIDAS E CHEGADAS
        
-Um filósofo diria que a vida é feita de partidas e chegadas.
-Que profundidade, Carlinhos!
-Apesar de essa frase ser um lugar comum, o que vi, antes das 6 horas da manhã, na pracinha, quando caminhava, foi inusitado.
Como o entregador do Globo ainda não dera o ar da sua graça, meu irmão se contentou com as minhas notícias.
-Desci a Rua Wlaminck e topei com um grupo de pessoas; uma mulher, sentada com malas de viagem num dos bancos que ladeiam o campo de futebol e mais três.
-Precisam renovar aquele carpete. - interferiu o Claudio para criticar o gramado de futebol do campo que, outrora, era chamado de Sangue e Areia.
-Uma, de traseiro no banco de pedra, como se fosse parte e as outras três afastando-se em direção da descida da Rua Renoir. Então, uma delas gritou, furibunda: “Se você pensa que vai ser sustentada, não vai não!...” A que estava sentada, devolveu: “E você, por acaso, me sustentou?..” -”Eu lhe emprestei dinheiro!”- foi a resposta da abandonada.
-Eram sapatões, a que ficou era a sandalinha. - deduziu meu irmão.
-E a sandalinha (adotei a terminologia do meu irmão) retrucou com berros: “Otária. Você é otária.”
-E ficou esse bate-boca?
-Não, Claudio, porque uma daquelas que a acompanhavam a que foi desprezada contemporizou, pediu que ela se acalmasse.
-Vida que segue, com as pessoas seguindo diferentes caminhos. As três desceram a Renoir e eu segui em frente, pela Wlaminck, na minha prática aeróbica, enquanto a que partiria para mais longe, pelo jeito, aguardava com as malas ao seu lado, como eu disse.
-O Globo chega cada vez mais tarde. - reclamou meu irmão da demora do entregador.
-A história não acabou, Claudio.
E prosseguiu:
-Trinta minutos depois, retornei. Vi de longe, que a mulher das malas estava, agora, de pé, conversando com dois homens. Ao chegar mais perto do trio, constatei o meu engano: eram duas mulheres com cabelos tão curtos que se assemelhavam a homens.
-Era o novo amor dela, ou novos amores. - disse a Gina, que, na saleta junto à cozinha, onde estávamos eu e Claudio, não         parecia muito entre-tida com o facebook no seu tablet.
E prossegui na minha narrativa:
-Fui, então, encerrar minha caminhada na quadra de basquete, próximo do triângulo amoroso, quadrado, pentágono, ou sei lá o que... Passados dez minutos, escuto um barulho...
-A sandalinha desistiu? - aparteou-me o Claudio.
-Nada; o carro delas enguiçou e empurravam.
-E pediram ajuda a você? - tentou a Gina adivinhar.
-Eu já preparara a minha escusa, hérnia inguinal, mas elas conseguiram fazer o carro pegar no tranco.
De repente umas notas tristes, que foram logo identificadas, soaram do teclado do Daniel.
-Praga de sapatão é fogo. - reportou-se à Gina ao entrevero entre o par romântico que se apartara e ao enguiço do automóvel.
Logo, o Daniel se juntava a nós.
-Preparo-me para o dia 1º de maio, 20 anos da morte do Senna.
-Mas o “Tema da Vitória”, que você tocava, não foi feito para o Aírton Senna. O Piquet venceu o Grande Prêmio do Brasil de 1983 ao som dessa música e, mais tarde, foi tricampeão embalado pelo “Tema da Vitória”.
-Quando se ouve essa música, só se pensa no Aírton Senna e ninguém mais.- declarou a Gina um tanto irritada por eu ter citado outro piloto.
-Daniel, quem é o autor?
Um baque fez o Claudio saltar da cadeira, pois era sinal que o jornal do dia fora lançado na frente da casa.
-Carlão, o autor é o Eduardo Souto Neto, que compôs essa música a pedido da TV Globo. - respondeu-me.
-Lembra-me o “Pra não dizer que não falei das flores”, do Geraldo Vandré num ponto: vão na contramão do que dizem. A canção do Vandré mais parece uma berceuse, coisa para ninar, do que um hino revolucionário, e o “Tema da Vitória”, não demonstra o entusiasmo dos vitoriosos.
Claudio retornou sobraçando o Globo, porém demonstrando irritação:
-A essa hora, nem vai dar tempo de ler o jornal.
-A mamãe já telefonou umas vinte vezes para cortar a assinatura, mas eles sempre vêm com um bônus e conseguem demovê-la. - assinalei.
-Com o Claudio é a mesma coisa. - disse-me a Gina.
-Papai, mesmo trabalhando em outros jornais, não deixava de trazer o Globo para casa todos os dias, ele falava que era a sua cachaça. A nossa união com esse jornal está enraizada.
-Assim, eu e o Senna, Carlão, ele foi tema do meu aniversário.
-Quando você fez 5 anos de idade?- tentei lembrar.
Foi quando o telefone tocou:
-É o Luca.- anunciou a Gina.
-Levantei-me do sofá de alvenaria, cuidando de não desarrumar as almofadas.
-Vou até ele. - disse, seguindo a Gina.
-Luca, você fez bem em esperar a Gina abrir o portão e não ter pulado o muro; poderia levar um tiro saído não se sabe de onde.
Muito perspicaz, ele logo percebeu que eu aludia ao assassinato do bailarino do programa da Regina Casé da TV Globo.
-Eu sou do tempo em que se pulava muro para pegar pipas e, como não fui afeito às pipas, como Reinaldo, Lopo, Tonico Espanhol e outros garotos do meu tempo, ficava com os pés no chão mesmo.
-Não havia traficantes como há hoje. - afirmou a Gina.
-A morte desse DG... Toda a Organização Globo dá uma cobertura bem acima do normal. - comentou o Luca.
-Os bandidos mataram uma PM e saiu uma notícia no rodapé dos jornais.
-E ela estava trabalhando, não estava pulando muro. - seguiram-se as palavras da Gina às minhas.
-Não é preciso ir muito longe, mataram um professor de Educação Física, num assalto a ônibus e não se viu protesto algum, as notícias saíram, como disse o Carlinhos, nos rodapés...
-E a mãe do dançarino... Ela não se mostra arrasada com a perda do filho, e sim furibunda, indignada.
E concluiu a Gina:
-Não me surpreenderei se for candidata a vereadora.
-Talvez, ela seja uma nova Regina Gordilho.
-Carlinhos, muito bem lembrado... Ela se uniu ao Brizola, conseguiu alguma projeção e, depois, apagou-se completamente. - manifestou-se o Luca.
-Será?!... - mostrou-se a Gina meio cética.
A chegada do Claudio a mais uma nova sessão do Sabadoido convergiu nossa atenção.


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