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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4862 Data:
03 de maio de 2014
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179ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
E o metrô?
Dessa vez, a pergunta do Albino veio
quando eu ainda nem entrara no seu táxi.
-Mudaram os filmes das TVs espalhadas
pelos vagões.
-Ah, sim; você me falou que há uma
espécie de televisão para distrair o passageiro.
-Os filmes eram os mesmos durante uns
dois meses, resolveram, então, mudar, pois, em vez de distrair, já aborrecia.
-Para quem viaja todos os dias de
metrô... - imaginou.
-Havia trechos de fitas de Carlitos e do
Gordo e Magro a que assisti umas vinte vezes, parecia o tempo em que obrigaram,
no cinema, a pôr em cartaz uma película brasileira junto com uma estrangeira,
com isso, vi umas dez vezes “Areias Ardentes”.
-Mas as telas do metrô só mostram
trechos de filmes?
-Não; há, por exemplo, perguntas aos
passageiros que, depois de uns três minutos, são respondidas. Uma delas é: qual
a infração mais cometida pelo povo brasileiro?
-São tantas, que a resposta é difícil. -
disse-me ele com um sorriso.
-Em terceiro lugar, ficou o barulho?
-O barulho?!...
Pela sua entonação, não pude discernir
se ele concordava ou não, e segui em frente com a minha fala.
-No próprio metrô há uma barulheira que
aborrece.
-Mas os meus passageiros dizem que no
metrô não existe aquela bagunça dos ônibus. - estranhou.
-Refiro-me a um barulho localizado.
E fui mais explícito.
-No vagão da frente, das 5h 50min da
manhã, mais ou menos, viaja um grupo de senhoras de meia idade, umas cinco, que
tagarelam a viagem toda. Os especialistas afirmam que 65 decibéis é o som
confortável para os nossos ouvidos, mas elas falam num tom de voz de uns 90
decibéis, quando gargalham, e são muitas as gargalhadas, atingem uns 120
decibéis.
-Elas são alegres.
-Por duas vezes, viajei com essas
alegres comadres da Pavuna, e chega; vou fugir para outro vagão caso caia onde
elas estão.
-E qual foi a segunda irregularidade
cometida pelos brasileiros?
-Atravessar as ruas fora da faixa.
-Isso, eu constato toda hora no meu
táxi.
-Com a mão dupla que estabeleceram na
Avenida Rio Branco ficou, praticamente, impossível atravessar fora da faixa.
-Com guardas de trânsito em todos os
sinais de trânsito e guard-rail por todas as pistas da avenida, não há
como não atravessar na faixa. - interrompeu-me.
-Ontem, eu vi um pedestre que, percebendo
uma brecha naquela quilométrica extensão de guard-rail, a uns trinta
metros do sinal, atravessou. Ele espremeu o corpo por esse buraco, como se
fosse um rato e foi para o outro lado. Coisa de doido.
-E o que ficou em primeiro lugar?
-Comércio de produto pirata. - respondi.
-Não foi o Sérgio Cabral governador que
assistiu, no palácio, a um filme pirata?... ou foi o Lula, quando presidente?
-Creio que os dois.
-E acrescentei:
-Se eles, com dinheiro, recorrem a
produto pirata, imagine os que não são abonados.
-Quase todo o mundo... - garantiu o Albino,
deixando-me na rua Modigliani.
-Aquela carroça de água de coco vende
bem? - perguntei ao 151, indicando com
queixo o objeto a que me referia localizada a pouco metros do ponto de
táxi, junto à banca de jornal.
-Aquela? - estranhei a indagação dele,
pois não havia outra.
-Ela é igual às que vejo no Centro, as
mesmas cores, o mesmo padrão, talvez a prefeitura tenha imposto isso.
-Eu vejo vender muito, não... Meus
colegas bebem água mineral naquele trailer – apontou e acrescentou:
-Mas a maioria carrega no próprio táxi a
suas garrafinhas de água fresca.
-Antes de entrar no trabalho, eu bebia
praticamente todos os dias água de coco na esquina da Rua da Assembleia com a Rua
do Carmo.
-Além do preço alto, bebe-se água de
coco batizada. - aparteou-me.
-E não é com água do rio Jordão. - fiz a
piada desconfiando de que ele não entenderia.
-Se eu tiver de beber, tem de ser do
próprio coco. - afirmou com determinação.
-Só bebo, agora, esporadicamente e num
bar da esquina da Rodrigo Silva com a Rua da Assembleia. Água chupada por um
canudinho enfiado num furo no coco; mas é tão gelada que me dói a cabeça.
-É melhor do que misturada com água da bica.
- afirmou.
-O Zé do Coco, que tinha carroça na
esquina a que me referi, batizava discretamente a água; eu fingia que não
estava percebendo.
-Fazia isso até com você que era um
freguês assíduo?
-Uma manhã, era sempre por volta das
sete horas, eu lhe pedi um copo e ele me disse para esperar, pois os cocos
ainda não chegaram. Um minuto depois, um senhor apareceu e lhe pediu um copo,
ele abriu a biquinha e o cidadão foi servido. Dei meia volta e nunca mais
voltei lá.
-Ora, ele não quis servir água
falsificada para o freguês de todos os dias.
-Pensei nessa hipótese, mas mesmo assim,
nunca mais retornei lá.
Não se pronunciou, e eu continuei:
-Na esquina da Carioca com a Rua
Gonçalves Dias, fica um ambulante que vende água de coco com o nome “Nelson
Mandela” gravado na sua carroça.
-O Mandela?!... - admirou-se.
-Com ele, eu não temo falsificação, pois aquele que
tem o Nelson Mandela como ídolo, só pode ser honesto.
No dia subsequente, a corrida foi com o
140, o taxista de sorriso generoso.
-Rapaz, este sol bate na nossa vista que
ficamos cegos. - disse, enquanto tentava quebrar a luminosidade com a palma da
mão.
-O sol de outono é assim, as sombras são
gigantescas. - comentei.
-É a estação mais agradável do ano, mas,
às vezes, dificulta a vida do motorista. - disse já fora do alcance do
astro-rei.
-Certa vez, eu dirigia na Rua Wlamink,
quando a luz solar me cegou; diminuí, então, a velocidade o mais que pude, para
alcançar a Rua Van Gogh, e bati.
-Bateu?! - ficou surpreso.
-Um sujeito estacionou o carro junto ao
meio-fio e se pôs a lavá-lo.
-É maluco. - reagiu.
-Saltei do carro e me deparei com um
cidadão assustado, dizendo-se doente, que se tratava de problemas de circulação
na carótida. Resumindo: paguei o estrago do seu carro.
-Mas ele também tinha culpa; não se pode
lavar carro no meio da rua.
Contei-lhe, então, outro caso.
-Quando eu morava na Rua Chaves
Pinheiro, por diversas vezes, fazia a faxina da varanda, do quintal e da
calçada. Por duas ou três vezes, um fiscal da prefeitura aproximou-se de mim
para avisar que era proibido lavar a calçada depois das oito horas da manhã.
-Veja só! - admirou-se.
-Numa dessas lavagens, veio um senhor e
me abordou: “Você foi meu aluno?... Eu fui professor do Dois de Dezembro.”
-Colégio Dois de Dezembro... -
lembrou-se, saudoso.
Era um candidato a vereador pedindo-me
permissão para colocar um cartaz com o nome dele em frente à minha casa.
Depois, abraçou-me dizendo que eu era padrinho da candidatura dele.
-São umas figuras... - interveio
sorrindo.
-E o 184, vai se candidatar mesmo nestas
eleições?- indaguei-lhe.
-Ele já perdeu uma vez, mas persiste. Eu
lhe digo que pode contar com o meu voto, mas tudo da boca pra fora. - sorriu
com a sua mentira inofensiva.
-Eu faço a mesma coisa. - disse-lhe ao
saltar do táxi.
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