--------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4853 Data: 18 de
abril de 2014
---------------------------------------------------------
RECUANDO SÓ UM POUCO NO TEMPO
Depois de presenciarmos o assassinato do
Senador Pinheiro Machado, eu e o Elio imaginamos uma viagem brusca, mas a
máquina nos recuou só um pouco no tempo.
-Terminei minha missão. Vou-me para casa
em São Cristóvão. - bradou o Marechal Floriano Peixoto a um grupo de militares
que lutavam para que ele permanecesse na presidência da República.
Eu e o Elio, que testemunhávamos esta
cena, passamos a cochichar.
-E pensar que ele deu um golpe, assumiu
o poder com mão de ferro...
-Não era só a mão, todo o corpo, Elio,
pois ganhou o cognome de Marechal de Ferro.
-O presidente que disse às delegações
estrangeiras pretendentes a interferir em assuntos internos do Brasil, que as
receberia “à bala”.
-E mais: perguntou quem daria Habeas
Corpus ao Supremo Tribunal Federal, quando Rui Barbosa o afrontou. -
acrescentou o Elio.
-Floriano Peixoto não possuía um caráter
esgarçado, afirmou que sairia no final do mandato, deu a sua palavra de militar
e saiu. - comentei.
Eleito Presidente da República em 1º de março de 1894, Prudente de Morais
veio de São Paulo para o Rio de Janeiro para assumir o poder em 15 de novembro
do mesmo ano. Era o primeiro civil a ocupar o cargo e o primeiro a ser eleito pelo
voto.
-Carlos, Prudente de Morais representa
os cafeicultores. As oligarquias regionais se articularam e conseguiram enviar
os militares de volta para os quartéis. É o início da política café com leite.
Depois dessas palavras, fomos até o
Hotel dos Estrangeiros, onde ocorreria, poucos anos depois, o assassinato do
Senador Pinheiro Machado, a que nós já tínhamos assistido por causa dos
sortilégios da máquina do tempo.
Não
havia aparato algum para recepcionar o sucessor do Marechal Floriano Peixoto.
-Tratam-no como um intruso, Carlos.
Acompanhamos Prudente de Morais até o
Palácio Itamaraty, residência oficial do chefe da nação, e lá, as manifestações
de desagrado ainda eram mais contundentes.
Além da desarrumação dos móveis, os estofados estavam furados a pontaços
de baioneta.
-Isso é coisa de vândalos. - disse o
Elio com a expressão assustada.
-Os florianistas mais radicais
extravasaram a sua contrariedade em sair do poder com esse comportamento de furiosos.
- manifestei-me.
-Carlos, vamos fruir essa viagem no
tempo com uma visita ao Machado de Assis.
-Elio, você sabe que Dom Pedro II,
quando imperador, pretendia visitar Victor Hugo, em Paris, desistiu porque o
escritor estava ocupado escrevendo. Machado de Assis está redigindo alguma
obra-prima, não vamos perturbá-lo com nossas ninharias.
Meio contrariado, Elio pegou o Jornal do
Brasil, colocou-o de lado, e pegou a Gazeta de Notícias, cujas páginas abriu
para ler.
-Já que não podemos ver o grande
escritor, o jeito é lê-lo. - ciciou, enquanto se acomodava numa poltrona.
Repentinamente, parou de ler, deu um
salto e colocou a página que lia à minha frente.
-Veja, Carlos, Machado de Assis faz
referências a Antônio Conselheiro e a Canudos na sua crônica.
E prosseguiu:
-Ele escreveu sobre a questão com tintas
românticas, embora tenha sido o mestre do realismo.
-Estava tudo ainda no começo, Elio,
ninguém imaginaria que aquele problema no interior do sertão da Bahia tomaria o
vulto que tomou.
-É verdade; seria necessário um escritor
jovem, dotado também de genialidade, para reproduzir, depois, a Guerra de Canudos.
- assinalou.
-Se a máquina do tempo nos levar até
Euclides da Cunha...
Mas não nos levou, ficamos na cidade do
Rio de Janeiro como Anna Emília Ribeiro da Cunha e Dilermando de Assis, porém
distantes desse casal e perto das autoridades políticas.
Prudente de Morais, talvez por causa das
atribuições que tinha de lidar somadas com a guerra civil no Rio Grande do Sul,
adoeceu. O médico aconselhou uma intervenção cirúrgica e um bom período de
descanso. O vice-presidente Manuel Vitorino assumiu, então, o cargo máximo da
República.
-Para o Manuel Vitorino, parece que o
titular está com o pé na cova, pois age como o dono do poder. Transferiu a
residência presidencial do Palácio Itamaraty para o Catete, toma medidas de
quem não está compromissado com as grandes oligarquias...
-Minhas observações foram interrompidas
pelo Elio.
-Ele é médico, foi professor da
Faculdade de Medicina, autor de vários livros sobre a sua profissão, diretor do
Liceu de Artes e Ofícios, e governou os baianos. Como governador da Bahia,
voltou-se para a educação como seu objetivo maior.
-Mas Manuel Vitorino não poderá
incentivar a educação do povo brasileiro, porque os oligarcas, que aqui mandam,
têm prioridades que passam longe do povo alfabetizado. - aparteei.
-As pessoas do final do século XX e
início do XXI conhecem Manuel Vitorino apenas como o nome de uma rua da
Piedade; deveriam ler mais sobre ele. - afirmou o Elio, que, em seguida, me
revelaria que a sua mãe, professora de História, o obrigou a estudar a vida do
vice-presidente desse governo.
Prudente de Morais, que convalescia em
Petrópolis, retornou ao poder, apressado pelos poderosos, afastando do cargo o seu inconveniente vice-presidente.
Enquanto isso, a Guerra de Canudos
recrudescia. A terceira expedição contra os homens liderados por Antônio
Conselheiro foi um fracasso; o coronel de infantaria Moreira César, que a
comandava, foi morto em combate.
-Elio, depois de uma caminhada exaustiva
das tropas até Canudos, o coronel Moreira César tinha de descansar seus
sodados, mas não, partiu logo para a luta.
-Ele subestimou os adversários, aqueles
homens esfarrapados. - disse-me.
-O coronel Moreira César era epilético,
agiu sem pensar. - afirmei.
E veio a quarta expedição, e a
mortandade foi assustadora.
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em
toda a história, resistiu até ao esgotamento completo.” - lemos em uníssono
este trecho do Euclides Cunha.
-Os extremos se tocam; o governo civil
do Prudente de Morais agiu com a truculência florianista. - comentei.
No meio da comoção nacional, foi
anunciado o comparecimento do presidente Prudente de Morais no Arsenal de
Guerra para recepcionar as forças militares que vinham do interior da Bahia
depois da vitória sobre os insurretos de Canudos.
-Vamos lá, Carlos.
E fomos.
No Arsenal de Marinha, o clima da espera
dos soldados não era de festa; nem poderia ser, sabiam todos que foi uma guerra
fratricida.
-Colocou-se em prática, Elio, o que o
presidente Washington diria 20 anos depois: “Questão social é caso de polícia”.
-Olhe, a cara dos soldados quando olham
para o Presidente da República.
Olhei; eram rostos contrafeitos, que
contribuíam para tornar o ambiente hostil em vez de festivo.
Subitamente, um praça, que se esgueirara
até as autoridades, puxou o revólver e fez mira
no presidente. A arma travou. O Marechal Machado Bittencourt que ladeava
Prudente de Morais se apressou em defendê-lo. Rápido como um raio, o criminoso
se desfez do revólver e sacou um punhal.
-Vai esfaquear o presidente. - gritou o
Elio mesmo sabendo o desfecho desse gesto.
Mas o Marechal Machado Bittencourt se interpôs
e recebeu a punhalada que se endereçava ao presidente. Houve um tumulto
infernal. Enquanto o anspeçada era detido, procuravam, em vão, socorrer o
Ministro da Guerra agonizante. (*)
-Dessa vez, saberão que o Marcelino
Bispo de Melo cometeu um crime engendrado por pessoas graduadas. - comentei.
-Já é o segundo atentado, da História do
Brasil, que a máquina do tempo nos faz assistir. - esbravejou o Elio, imaginando,
talvez, que o nosso próximo desembarque seria na Rua Toneleros em Copacabana.
(*) O Distribuidor
do seu O BISCOITO MOLHADO sintonizado com os leitores sobre o desconhecimento do
que poderia vir a ser anspeçada, foi à wikipédia e obteve a seguinte explicação,
coerente com o rebuscado texto machadiano:
Anspeçada é
um posto militar da classe das praças,
existente nas forças armadas de diversos países do mundo, bem
como em forças de segurança e outras organizações
militares. Nos países onde existe,
normalmente corresponde a um posto imediatamente inferior ao de cabo,
sendo, tipicamente, a primeira graduação militar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário