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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4192 Data: 21 de
Maio de 2013
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RÁDIO MEMÓRIA DA BABÁ AOS UIVOS
A primeira obra musical (e que obra
musical!) a ser citada na abertura do programa desse domingo, 19/05, foi o “O Rapto
no Serralho” de Mozart. Isso porque o Jonas Vieira deu início aos trabalhos
informando que o Luzer Machtyngier voltaria a ser um dos substitutos do Sérgio
Fortes, enquanto reportava-se à apresentação da OSB em que seu convidado foi um
dos violinistas do singspiel do divino Mozart.
Coube ao Dieckmann indicar a primeira
gravação do Rádio Memória e ele não voltou muito no passado, optando pela
“Diana”, com Paul Anka, que alcançou grande sucesso nos anos 60. Antes,
explicou que a inspiradora dessa canção foi a sua babá. (*)
Logo me veio à mente o escândalo que
Freud provocara quando palestrou para os seus pares sobre a sexualidade
infantil. Reagiu o pai da psicanálise à indignação geral com uma frase apenas:
“As babás sabem do que estou falando.”
Luzer foi para os Estados Unidos, sem
recuar muito no tempo e solicitou uma gravação que juntou, em 1967, para o
nosso regalo, dois dos maiores expoentes do século XX: Duke Ellington e Frank
Sinatra. Com destacados instrumentistas
na orquestra do mestre do Jazz, Frank Sinatra teve de ceder espaço para alguns
solos que abrilhantaram ainda mais “I like the Sunrise”. O arranjo era de Billy
May. (**)
A gravação solicitada depois, pelo
titular do programa, robusteceu ainda mais a minha decisão de sintonizar a
Rádio Memória. Disse o Jonas essas palavras que tento reproduzir fielmente,
embora saiba que a tentativa é vã:
-Luiz Barbosa era um cantor estilista.
Hoje, está esquecido, mas foi ele que influenciou as interpretações de Ciro
Monteiro e Moreira da Silva. Boêmio inveterado, morreu cedo. O samba que vamos
ouvir, “Sou jogador” é do próprio Luiz Barbosa, e a letra é tão boa que vou
lê-la.
E eu que não sabia até então da
existência de tamanho talento!...Reconheci, enquanto o samba soava, que, em
matéria de cultura popular brasileira, havia, em mim, uma lacuna que, agora,
começava a ser preenchida.
A bola voltou para o Dieckmann, que,
além de não sair do Brasil, continuou com outro grande sambista, Ismael Silva.
Optou pela música dele de que eu mais gosto, “Se você jurar”, mas sem se
esquecer de falar do “Antonico”. Nesse samba, sem alterar uma letra de uma
frase do Pixinguinha, Ismael Silva transformou-a em verso: “faça por ele como
se fosse por mim”. Com essas palavras, Pixinguinha encerrou uma carta, de 1939,
em que pedia ao historiador Mozart de Araújo/Antonico ajuda a um amigo (Ismael
Silva), que passava por grandes dificuldades financeiras.
Houve uma pausa para a meditação (não
sei se nesse momento) e foi lida pela voz empostada do José Maurício, a resenha
de Quincas Borba, do grande Machado de Assis.
Luzer quis ouvir Scott Joplin, o
compositor mais representativo do ragtime, que morreu louco, devido à
sífilis, em 1917. A música era “The
Cascades”, inspirada na Exposição Internacional de Saint Louis, em 1904.
Enquanto o Dieckmann, além de ligar
“Cascades” ao filme “O Golpe de Mestre”, dissertava sobre o Palácio Monroe, que
foi edificado no Brasil graças a essa exposição, eu me recordava do programa da
Rádio MEC do João Carlos Carino em que ele comparou “The Cascades” de Scott
Joplin com “Ubiratan” de Pixinguinha. E concluiu-se que as duas composições
eram primas, ou seja, tinham a mesma origem, era africana. Certo, mas que o
Choro de Pixinguinha tem mais malemolência, não há dúvidas.
Jonas Resende me surpreendeu mais uma
vez. Agora, com o trompetista Rafael
Mendez que transpôs do violino para o seu instrumento a peça mais difícil do
mais virtuose violinista de todos os tempos, Nicolò Paganini, que é o “Moto
Perpétuo”. Todos ficaram assombrados com o fôlego do trompetista; Luzer,
encarregado pelo titular do programa a dar uma explicação, considerou que uma
junta médica, com pneumologistas, seria mais indicada do que ele para explicar.
Eu, até aquela hora, conhecia apenas o
“Moto Perpétuo” transcrito pelo Edu da Gaita.
O músico brasileiro precisou de onze anos de estudo, segundo o seu
filho, para adaptar as mil e duzentas notas para a gaita e tocá-la em 3 minutos
e 21 segundos. Conseguiu a façanha em 1956, acompanhado pelo piano do maestro
Leo Peracchi.
Nos áureos tempos do Pasquim, Edu da
Gaita concedeu uma entrevista e disse que orientou Villa Lobos, no concerto que
este compôs para Gaita e Orquestra, mais foi ludibriado – garante – pois ele
dedicou a obra ao conhecido, internacionalmente, como mestre da harmônica, o americano
John Sebastian. Restou-lhe o consolo de ganhar a dedicatória do concerto para
Gaita e Orquestra de Radamés Gnatalli. Mas isto é outra história.
Eu não sabia que Les Paul fora o
inventor da guitarra elétrica, instrumento
que deixa o José Ramos Tinhorão de cabelo em pé. E
a música que soou ficara célebre com Glenn Miller; “In the mood” que, na versão
de humorística de Aloysio de Oliveira, transformou-se em “Edmundo”.
Antes de a guitarra elétrica vibrar,
há, na gravação de 1961, um falatório entre Les Paul e sua mulher, Mary Ford,
que o manda arrumar um emprego.
Na vez do Luzer, ele apresentou uma das
muitas obras-primas de Noel Rosa, “Pra que mentir?”, com a parceria do Vadico,
compositor a quem cabia colocar música na peça em versos de Vinícius de Moraes,
“Orfeu no Carnaval”. Ele declinou do convite por causa da sua agenda repleta, cabendo
a missão a um jovem que iniciava na carreira, Antonio Carlos Jobim.
A letra de Noel Rosa confirma o Poeta
da Vila como aquele que elevou as letras das canções populares a um patamar de
excelência.
A
gravação era com Paulinho da Viola, cuja voz acaricia os nossos ouvidos.
A última música do programa desse
domingo estava a cargo do Jonas Vieira e ele, antes de mostrá-la, discorreu
sobre o apogeu e nadir das orquestras. O desaparecimento se deu nos anos 60,
mas uma delas ainda resistiu bravamente, “Tijuana Brass”. A gravação era “A Taste of Honey”.
Depois de tocada, Dieckmann comentou
que ele e o Luzer se reportaram ao triunvirato Henry Mancini, Burt Bacharach e
Herb Alpert.
Como a finalidade do programa é ativar
as nossas reminiscências, sinto-me encorajado a dizer que eu, ao contrário dos
dois, reportei-me ao Big e Veludo, cachorros da nossa casa da Rua Cachambi.
Meu irmão Claudio tinha o LP Herb Alpert
& Tijuana Brass e predileção pela faixa “A Taste of Honey”, mas sempre que
a colocava na vitrola, a nossa dupla canina uivava como lobos solitários à lua.
Até então, Big e Veludo só uivavam com a sirene do bombeiro, mas o instinto
melancólico, ou lá o que seja, passou a ser deflagrado também com o trompete de
Herb Alpert. Era constrangedora a barulheira dos nossos cães, pois não havia o
encanto dos uivos do coiote que Ennio Morricone transformou em notas musicais
na trilha sonora do filme “Três Homens em Conflito”.
A coisa ficou tão séria que nossos pais
proibiram a audição do “A Taste of
Honey” em casa. Não
adiantou muito, pois eles passaram a uivar com a protofonia da ópera “O
Guarany”, de Carlos Gomes, mais uma razão para que o rádio fosse desligado na
“Voz do Brasil.”
E vieram as despedidas e alusão às
férias do Sérgio Fortes na Europa que, caso não sejam férias de almirante, se
encerram nos próximos dias. (***)
Bem, foi mais um Rádio Memória que
cumpriu o seu objetivo: levar os ouvintes aos bons momentos do passado.
(*) Se o seu
O BISCOITO MOLHADO fosse escrito em latim, a construção da frase não deixaria dúvidas.
A babá em questão é a do Paul Anka.
(**) o
redator deste periódico devia estar sonolento. Luzer foi bem enfático quando
disse que Sinatra fez o Billy May maneirar. Deixa os caras tocarem!
(***) Sérgio
Fortes já voltou! Sérgio Fortes já voltou!
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