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quarta-feira, 29 de maio de 2013

2387 - como era gostoso o meu francês

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4187                                  Data:  11 de  Maio de 2013
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FRASES E COMENTÁRIOS

“Agora é entre nós dois.”
A frase acima, em tom desafiador, foi dita por um dos personagens mais significativos criado por Balzac, Eugène de Rastignac, no romance “O Pai Goriot”.
Eugène de Rastignac encarna o jovem provinciano no ambiente da grande metrópole, no caso, a Paris do século XIX. Ele se muda para a capital da França, como estudante e vê seus valores morais pulverizados na grande cidade babilônica.
Na pensão Vauquer, onde se hospeda, Eugène se relacionará com Vautrin, ex-prisioneiro foragido que chefia o submundo parisiense. Ele, que Balzac sugere ser homossexual, abre os olhos do estudante provinciano para o funcionamento da sociedade parisiense.
Na pensão, também vive Goriot, um velho que sofre o desprezo dos demais hóspedes, mas cujo processo de empobrecimento material e embotamento mental Rastignac descobre ser devido ao amor doentio que devota às duas filhas, ambas da alta sociedade, que sugam todos os seus bens e renda.
Eugène de Rastignac se enamora de uma delas, Delphine de Nuncigen, mas motivado pela ambição de integrar o mundo de luxo e esplendor. A sua visão negativa dos valores da metrópole se consolida quando acompanha o abandono e a agonia do Pai Goriot e, ao enterrar o velho, também enterra junto todo o romantismo que ainda lhe restava. Olha, então, para a cidade de Paris, tomado pela ambição e diz:
-“Agora é entre nós dois.”
Ele estava pronto para conquistar a cidade.
Referindo-se ao “aprendizado” de Rastignac, escreveu o ensaísta Philippe Berthier: em vez do espetáculo comovente de uma crisálida que se torna borboleta, assistimos, como em um filme de terror, a metamorfose maléfica de um monstro que nasce.
Dizem que o mundo ainda é balzaquiano e faltam argumentos para discordar.
É significativo, a nosso ver, reproduzir, a título de comparação com a resenha do romance de Balzac, esse trecho de Stan Laurel, o magro da mais famosa dupla de comediantes do cinema, sobre a viagem que jovens artistas ingleses fizeram aos Estados Unidos.
“O Crainrona era um navio de gado, mas não levava nenhum gado, a não ser que você queira nos chamar de gado e, às vezes, era assim que nos sentíamos. Por sinal, a comida na maioria dos casos tinha gosto de ração e o clima era bem ruim. Mas nós nos divertíamos, porque participávamos todos de um grande negócio, éramos jovens e estávamos encantados de ir para onde estávamos indo. Certa manhã, ouvimos que podia ser vista terra a distância. Eu nunca me esquecerei dos detalhes do que aconteceu a seguir. Estávamos sentados no convés, vendo a terra em meio à neblina. De repente, Charlie correu até a amurada, tirou o chapéu, acenou com ele e gritou: América, estou indo conquistar você ! Todos os homens, mulheres e crianças terão nos lábios o meu nome – Charles Spencer Chaplin! Todos o vaiamos afetuosamente, ele fez uma mesura muito formal para nós e se sentou novamente. Anos depois, sempre que encontrava alguém da velha trupe [de Fred Karno], essa era a única coisa daquela época de que lembrávamos melhor e costumávamos ficar encantados com como Charlie estava certo.”
Não era como um filme de terror, como escrevera Berthier sobre Eugène Rastignac, pelo contrário, o filme ou os filmes são de alegria.  Stan Laurel, naquela ocasião do navio de gado, também poderia falar para a América:
-“Agora é entre nós dois.”
Na verdade, os dois conquistaram não só a América, como o mundo.
Chaplin, depois de conquistada a América, foi expulso pela intolerância, voltou com 83 anos de idade para ser consagrado pelos bons.

Dois errados não fazem um certo, mas fazem uma boa desculpa.
A frase é de Thomas Stephen Szasz; húngaro nascido em Budapeste, em 1920, que viveu nos Estados Unidos  como psiquiatra e acadêmico.
Criticou o uso da expressão “doença mental” como um conceito legal, em 1958, em artigo editado pela Columbia Law Review. Argumenta ele que doença mental denota uma teoria, não um fato. Portanto, não é mais nem menos factual do que seria acusar alguém de estar possuído pelo demônio. Em 1961, Szasz testemunha perante um comitê do Senado dos Estados Unidos que o uso de hospitais americanos para encarcerar pessoas definidas como doentes mentais violava as premissas do relacionamento entre paciente e médico e transforma o médico em guarda de prisão, em carcereiro.
Em 1973, foi eleito “Humanista do Ano” pela American Humanist Association.
Sobre a sua frase, vem-me à mente a matemática, quando aprendi no livro do Ary Quintela do 1º anos ginasial que menos multiplicado com menos dá mais, mas, no caso da frase dos “errados”, soma-se menos com menos e não dá um positivo, ou seja, um certo.
Reconheço que essa minha comparação é rombuda. Melhor eu recordar o caso de quatro estudantes que, antes da prova, saíram da universidade e esticaram os dias de folga na farra. Quando retornaram, a hora da prova já havia passado, combinaram a mesma desculpa a ser dita ao professor: o pneu do carro em que viajavam furou no meio da estrada, por isso, mereciam uma segunda chamada. O professor concordou e, depois de deixar os quatro bem distantes um do outro, em cada canto da sala, deu a prova com apenas uma questão:
-Qual dos quatro pneus do carro furou?
Concordo inteiramente com o humanista húngaro: médico não é carcereiro.

Nunca me esqueço de um rosto, mas no seu caso vou abrir uma exceção.
Mais uma das espirituosas frases do Groucho Marx.
Elogiam a minha memória, mas no que diz respeito a guardar na cabeça as fisionomias, reconheço a minha quase amnésia. Para piorar, não sou seletivo como o Groucho Marx: recordo-me de algumas caras que queria esquecer...
Certa vez, no cinema, quase perdi as tramas do enredo, porque me torturava com um dos artistas: “Ele não me é desconhecido... Em que filme eu o vi mesmo?... Depois de umas vinte cenas, murmurei o eureca de Arquimedes: “É o imperador austríaco José, do Amadeus, de Milos Forman.” Mas o meu obstáculo é esse: a fisionomia; pedissem-me para contar esse filme, e eu chegaria aos menores detalhes.
Certa vez, na Avenida Rio Branco, um sujeito barrou minha passagem com uma pergunta: “Não se lembra de mim?” Depois da minha negativa, identificou-se como um dos peladeiros, como eu, do campo do Cachambi, que acabou em 1974 ou 1975.
Devido ao meu serviço, vou a muitas empresas de navegação, onde eu conheço muitas pessoas. E muitas delas, em sua maioria, também vão ao meu trabalho para reuniões com os chefes. Então, é comum eu apertar mãos estendidas efusivamente, com sorrisos generosos, sem saber de quem se trata realmente.
E eu vou decorar a fisionomia de uma pessoa que sumiu junto com o campo de peladas do Cachambi?..
Não posso dizer, como Groucho Marx, que nunca me esqueço de um rosto.


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