------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4187 Data: 11 de
Maio de 2013
-------------------------------------------------------------
FRASES E COMENTÁRIOS
“Agora é entre nós dois.”
A frase acima, em tom desafiador, foi
dita por um dos personagens mais significativos criado por Balzac, Eugène de
Rastignac, no romance “O Pai Goriot”.
Eugène de Rastignac encarna o jovem
provinciano no ambiente da grande metrópole, no caso, a Paris do século XIX.
Ele se muda para a capital da França, como estudante e vê seus valores morais
pulverizados na grande cidade babilônica.
Na pensão Vauquer, onde se hospeda, Eugène
se relacionará com Vautrin, ex-prisioneiro foragido que chefia o submundo
parisiense. Ele, que Balzac sugere ser homossexual, abre os olhos do estudante
provinciano para o funcionamento da sociedade parisiense.
Na pensão, também vive Goriot, um velho
que sofre o desprezo dos demais hóspedes, mas cujo processo de empobrecimento
material e embotamento mental Rastignac descobre ser devido ao amor doentio que
devota às duas filhas, ambas da alta sociedade, que sugam todos os seus bens e
renda.
Eugène de Rastignac se enamora de uma
delas, Delphine de Nuncigen, mas motivado pela ambição de integrar o mundo de
luxo e esplendor. A sua visão negativa dos valores da metrópole se consolida
quando acompanha o abandono e a agonia do Pai Goriot e, ao enterrar o velho,
também enterra junto todo o romantismo que ainda lhe restava. Olha, então, para
a cidade de Paris, tomado pela ambição e diz:
-“Agora é entre nós dois.”
Ele estava pronto para conquistar a cidade.
Referindo-se ao “aprendizado” de
Rastignac, escreveu o ensaísta Philippe Berthier: em vez do espetáculo
comovente de uma crisálida que se torna borboleta, assistimos, como em um filme
de terror, a metamorfose maléfica de um monstro que nasce.
Dizem que o mundo ainda é balzaquiano e
faltam argumentos para discordar.
É significativo, a nosso ver, reproduzir,
a título de comparação com a resenha do romance de Balzac, esse trecho de Stan Laurel,
o magro da mais famosa dupla de comediantes do cinema, sobre a viagem que
jovens artistas ingleses fizeram aos Estados Unidos.
“O Crainrona era um navio de gado, mas
não levava nenhum gado, a não ser que você queira nos chamar de gado e, às
vezes, era assim que nos sentíamos. Por sinal, a comida na maioria dos casos
tinha gosto de ração e o clima era bem ruim. Mas nós nos divertíamos, porque
participávamos todos de um grande negócio, éramos jovens e estávamos encantados
de ir para onde estávamos indo. Certa manhã, ouvimos que podia ser vista terra
a distância. Eu nunca me esquecerei dos detalhes do que aconteceu a seguir.
Estávamos sentados no convés, vendo a terra em meio à neblina. De repente,
Charlie correu até a amurada, tirou o chapéu, acenou com ele e gritou: América,
estou indo conquistar você ! Todos os homens, mulheres e crianças terão nos
lábios o meu nome – Charles Spencer Chaplin! Todos o vaiamos afetuosamente, ele
fez uma mesura muito formal para nós e se sentou novamente. Anos depois, sempre
que encontrava alguém da velha trupe [de Fred Karno], essa era a única coisa
daquela época de que lembrávamos melhor e costumávamos ficar encantados com
como Charlie estava certo.”
Não era como um filme de terror, como
escrevera Berthier sobre Eugène Rastignac, pelo contrário, o filme ou os filmes
são de alegria. Stan Laurel, naquela
ocasião do navio de gado, também poderia falar para a América:
-“Agora é entre nós dois.”
Na verdade, os dois conquistaram não só
a América, como o mundo.
Chaplin, depois de conquistada a América, foi expulso
pela intolerância, voltou com 83 anos de idade para ser consagrado pelos bons.
Dois errados não fazem um certo, mas
fazem uma boa desculpa.
A frase é de Thomas Stephen Szasz;
húngaro nascido em Budapeste, em 1920, que viveu nos Estados Unidos como psiquiatra e acadêmico.
Criticou o uso da expressão “doença
mental” como um conceito legal, em 1958, em artigo editado pela Columbia Law
Review. Argumenta ele que doença mental denota uma teoria, não um fato.
Portanto, não é mais nem menos factual do que seria acusar alguém de estar
possuído pelo demônio. Em 1961, Szasz testemunha perante um comitê do Senado
dos Estados Unidos que o uso de hospitais americanos para encarcerar pessoas
definidas como doentes mentais violava as premissas do relacionamento entre paciente
e médico e transforma o médico em guarda de prisão, em carcereiro.
Em 1973, foi eleito “Humanista do Ano”
pela American Humanist Association.
Sobre a sua frase, vem-me à mente a
matemática, quando aprendi no livro do Ary Quintela do 1º anos ginasial que
menos multiplicado com menos dá mais, mas, no caso da frase dos “errados”,
soma-se menos com menos e não dá um positivo, ou seja, um certo.
Reconheço que essa minha comparação é
rombuda. Melhor eu recordar o caso de quatro estudantes que, antes da prova,
saíram da universidade e esticaram os dias de folga na farra. Quando
retornaram, a hora da prova já havia passado, combinaram a mesma desculpa a ser
dita ao professor: o pneu do carro em que viajavam furou no meio da estrada,
por isso, mereciam uma segunda chamada. O professor concordou e, depois de
deixar os quatro bem distantes um do outro, em cada canto da sala, deu a prova
com apenas uma questão:
-Qual dos quatro pneus do carro furou?
Concordo inteiramente com o humanista húngaro: médico
não é carcereiro.
Nunca me esqueço de um rosto, mas no
seu caso vou abrir uma exceção.
Mais uma das espirituosas frases do
Groucho Marx.
Elogiam a minha memória, mas no que diz
respeito a guardar na cabeça as fisionomias, reconheço a minha quase amnésia.
Para piorar, não sou seletivo como o Groucho Marx: recordo-me de algumas caras
que queria esquecer...
Certa vez, no cinema, quase perdi as
tramas do enredo, porque me torturava com um dos artistas: “Ele não me é
desconhecido... Em que filme eu o vi mesmo?... Depois de umas vinte cenas,
murmurei o eureca de Arquimedes: “É o imperador austríaco José, do Amadeus, de
Milos Forman.” Mas o meu obstáculo é esse: a fisionomia; pedissem-me para
contar esse filme, e eu chegaria aos menores detalhes.
Certa vez, na Avenida Rio Branco, um
sujeito barrou minha passagem com uma pergunta: “Não se lembra de mim?” Depois
da minha negativa, identificou-se como um dos peladeiros, como eu, do campo do
Cachambi, que acabou em 1974 ou 1975.
Devido ao meu serviço, vou a muitas
empresas de navegação, onde eu conheço muitas pessoas. E muitas delas, em sua
maioria, também vão ao meu trabalho para reuniões com os chefes. Então, é comum
eu apertar mãos estendidas efusivamente, com sorrisos generosos, sem saber de
quem se trata realmente.
E eu vou decorar a fisionomia de uma
pessoa que sumiu junto com o campo de peladas do Cachambi?..
Não posso dizer, como Groucho Marx, que
nunca me esqueço de um rosto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário