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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4178
Data: 25 de Abril de 2013
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160ª CONVERSA
DE TÁXI
Nunca mais peguei o táxi do
Botafoguense, não porque ele mudou o horário de trabalho, mas por desencontro
mesmo. Quando eu apareço no ponto da Domingo de Magalhães, há quatro ou cinco
colegas dele na frente, e eu tenho de ir num desses carros.
E logo agora que o Botafogo passou a
vencer?!... Com o título da taça Guanabara e a chegada às semifinais da Copa
Rio, ele expressaria toda a sua alegria para mim. Tem ele, então de transportar
passageiros que, diferentemente de mim, são flamenguistas, vascaínos,
tricolores ou, na sua maioria, indiferentes às pelejas de futebol.
Quando o Botafogo perdia, sempre calhava
de, pelo menos uma vez na semana, ele me conduzir até a minha casa. Lamentava,
então, a falta de um ou outro jogador que estava contundido, e os erros dos
árbitros. Quando eu saltava na Rua Modigliani, ele, porém, expressava o seu
otimismo:
-Vai melhorar.
Agora, que as jeremiadas foram
substituídas pelo entusiasmo, não consigo falar com ele.
Outro desencontro tem acontecido com o
009, o táxi do Gaguinho. Contava-me, a
cada corrida, a saga do filho para conseguir uma bolsa de estudos de chefe de
família. Quando a bolsa parecia certa no Colégio Castelo Branco, os corruptos,
que se acham em todos os lugares, enfiaram as mãos nos cofres da instituição de
ensino e o Colégio viu-se, então, obrigado, a cortar a verba dos esportes.
Tentou-se, então, o Colégio São José; o técnico da garotada talentosa que joga
handebol disse para o Gaguinho, que havia grandes possibilidades de se
conseguir nessa escola a tão almejada bolsa de estudos.
Conheço a história até aqui, pois, como
disse, os desencontros me impedem de entrar no seu táxi e ouvir a continuação
dessa saga.
Estava difícil também pegar o táxi do
Paizão. Via-o quase sempre na fileira de carros do ponto da Domingo de
Magalhães, pois ele começa seu trabalho às 16h 30mim, encerrando por volta da
meia-noite, mas sempre havia algum colega seu na dianteira e houve até casos de
aparecer passageiro para ele segundos antes de eu chegar.
Gosto de prosear com o Paizão, pois é
daquelas pessoas que, próximas de nós, nos anima. Traz bons fluidos, como se
diz corriqueiramente.
Na semana passada, quarta ou
quinta-feira, não me lembro bem, tive, finalmente, a sorte de entrar no seu
táxi.
-Poxa, já fazia um bom tempo...
-Fazia mesmo. - concordou.
Pouco depois, ele revelava a sua idade:
79 anos.
-Mas o senhor está muito bem. -
surpreendi-me.
-E daqui a poucos meses, chego aos 80.
-Sem parar de trabalhar; faz muito bem.
-Eu já lhe disse: não saio no meu táxi
com preocupação de embolsar um valor em dinheiro, o que eu ganhar está bom.
-Sei, e que, geralmente, eu sou a sua
primeira viagem.
-Hoje, você é o primeiro. Lá pelas 11
horas da noite, meia-noite, no mais tardar, eu recolho o carro. Então, vou
assistir a um bom filme. É verdade que disputo a televisão com a minha neta,
que é notívaga.
-O senhor não se estressa, nunca o vi
zangado nas inúmeras vezes que peguei seu táxi... É por isso que o senhor chega
aos 80 tão bem.
-O médico me recomendou que eu
caminhasse três vezes por semana, pelo menos e é o que eu faço.
Essas palavras foram ditas quando eu já saltava do seu
carro na Modigliani.
Uma semana antes, ou quase isso, no
almoço de domingo de Páscoa, deu-se a corrida de táxi mais inusitada. Não
tentei chamar um pelo telefone porque não me saía da mente o almoço de Natal:
três cooperativas foram acionadas por mim e nenhuma delas conseguiu um veículo para
me levar ao Méier. A maioria dos taxistas também almoçava com a família e os
poucos que foram trabalhar escolheram as corridas longas, haja vista que a
oferta de passageiros crescera exponencialmente.
Assim, nesse domingo de Páscoa fui para
a rua, no caso a Avenida Suburbana, pegar um táxi “na maçaneta”, termo que o
Bob Esponja usa quando relega para o segundo plano as chamadas pelo rádio e sai
em busca de clientes que sinalizam na rua.
Não esperei três minutos e veio um táxi.
-Rua Ajuratuba, ali entre o Méier e
Todos os Santos. - disse o meu destino logo que me acomodei no cinto de
segurança.
-Não conheço.
-E a Rua Santos Titara?
-Essa, eu sei...
-Então, chegaremos lá.
Depois dessas palavras, expressei a
minha surpresa de ver tantos táxis rodando naquela hora.
-Imaginei que teria a mesma dificuldade
do Natal, quando minha sobrinha teve de vir até a minha casa, no carro dela,
para buscar a mim e à minha mãe para o almoço.
-Amigo, desde às 7h da manhã que estou
na praça. Guiei por toda a Zona Sul, Glória, Flamengo, Botafogo, Copacabana,
Leblon, Gávea, Lagoa. Vim, então, para a zona norte e peguei o meu primeiro
passageiro na Marechal Rondon; o meu segundo,
foi na Abolição. Agora, 11h 30min, pego meu terceiro passageiro: você.
-Eu imaginei que os táxis hoje seriam
requisitados a todo o momento.
-Mesmo pensamento meu, mas aconteceu
isso. Afinal, a Páscoa é mais importante do que o Natal, pois confirma a
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Depois de uma pausa, ele passou a falar
de amenidades e, em seguida, de assuntos da família. Era um tagarela. Falou do
dia a dia em casa, dos filhos, da dificuldade em colocar os netos, que só
pensam em joguinhos de computador, para estudar e da imprescindível ajuda que
recebe da patroa (a esposa) para levar as coisas como deve.
Apesar dos netos, aparentava pouco mais
de 50 anos, não bastasse a aparência física, a energia que demonstrava era de
um pessoa mais jovem.
O toque do celular cessou o fluxo do seu
discurso.
-Com licença. - pediu-me.
E mudou de interlocutor.
-Alô. É você.
Ouvi, então, uma voz feminina, não
porque apurasse os ouvidos: ele pusera o celular no viva-voz.
-Comprei
um ovo de Páscoa para você, daquele chocolate gostoso.
E aquela voz melíflua de mulher
prosseguiu:
-Você não vem aqui buscar?
E ele não desliga o viva-voz. - disse
comigo mesmo, surpreendido.
-Eu estou lhe esperando.
-Assim que puder, estarei aí.
Feita a promessa nada católica,
desligou. E prosseguiu a falar das trapalhadas dos seus parentes como se aquele
telefonema de segundos antes não existisse.
-A Rua Santos Titara é aquela. -
indiquei.
E deixou-me, pouco depois, na Rua
Ajuratuba, sem antes contar o caso de uma passageira que levou para Vila
Valqueire que tinha como referência o muro verde de uma casa.
-Pintaram o muro de outra cor e foi um
martírio encontrar a tal casa.
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