-----------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4172 Data: 14 de
Abril de 2013
---------------------------------------------------------------
86ª VISITA À MINHA CASA
-Cary Grant, você chega no exato momento
em que leio o Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia,
dizendo que as artistas Gal Costa e Maria Betânia deveriam assumir a
homossexualidade.
Notei, então, que recebia o grande ator
com um assunto inteiramente intempestivo.
-Perdão, minha surpresa com a sua
presença é tamanha, que saí de órbita.
-Esqueça que morri em 1986 e que só me
preocupava, quando vivo, em termos de Brasil, com o meu sucesso. Prossiga, pois o tema me interessa.
E voltei à homossexualidade das cantoras.
-Os cidadãos que me parecem mais
lúcidos, saíram em defesa das duas, argumentando que elas tem o direito de não
expor a sua privacidade.
-É evidente que elas têm esse direito. -
afirmou Cary Grant com veemência.
-Seu colega de Hollywood, David Niven,
que foi, algumas vezes, indiscreto, no seu livro Bring On The Empty Horses,
não agiu assim com você, descrevendo-o como seus admiradores o viam na tela.
-Éramos ingleses.
-Você não foi sempre Cary Grant?
-Não; fui batizado com o nome Archibald
Alexander Leach, em Bristol, onde nasci em 18 de janeiro de 1904.
-Você foi muito ligado à sua mãe?
-Sim; ela me vestia de menina quando eu
era criança.
-Sei que isso era comum na França, nessa
época. Há quadros de Renoir com seus filhos, ainda pequerruchos, vestidos como
se suas filhas fossem. Uma das crianças pintadas foi Jean Renoir, que viria a
ser um dos maiores cineastas da sétima arte.
-Na América, quando souberam da minha
meninice vestido de mulher, cresceram os boatos sobre as minhas preferências
sexuais.
-E a sua atração pela carreira
artística?
-Com seis anos de idade, meu pai me
levou para assistir a um espetáculo de pantomima. Fiquei alucinado. Como o
produtor necessitava de mais uma criança em cena, falou com meu pai que, então,
assinou uma guarda provisória, colocando-me sob sua responsabilidade.
-Assim, você ficou atuando pela
Inglaterra?
-Mais do que isso; segui com a trupe até
a Alemanha. Lá, fomos vistos pelo empresário Jesse Lasky, que nos chamou para
apresentações em Nova
York. Fui para a Broadway com sete anos de idade.
-E a sua família em Bristol, na
Inglaterra?
-Encerrada a temporada internacional,
voltei para casa e fui matriculado na escola. Aos nove anos, passei a viver
apenas com meu pai, pois minha mãe, disseram-me, foi cuidar da saúde no
litoral.
-Esconderam-lhe que ela foi internada
num hospital para doentes mentais.
-Eu era muito novo para encarar essas más
notícias, mas não para seguir minha vocação.
-Pelo que David Niven escreveu, você,
com doze anos de idade, fugiu do colégio e se juntou a uma trupe de acrobatas.
-Falsifiquei a assinatura do meu pai
para conseguir entrar na trupe do comediante Bob Pender. Atuamos pelas mais
diversas cidades inglesas, durante dois anos. Depois disso, fui escolhido para uma
turnê pelos Estados Unidos por igual período. Decidi, então, não retornar mais
para o meu país.
-Saiu em busca do sonho americano, Cary
Grant?
-Sonhei enquanto trabalhava como
lanterninha de cinema, vendedor de gravatas e artista de espetáculos mambembes
de variedade. Então, um executivo da Paramount gostou da minha aparência e se
dispôs a abrir o meu caminho até Hollywood desde que eu não me chamasse mais
Archibald.
-Assim, nasceu Cary Grant. - bradei.
-Minha estreia na tela ocorreu em 1932,
no musical “Esposa Improvisada”, que não fez sucesso. Todavia, nesse mesmo ano,
o diretor Josef von Sternberg me escolheu como parceiro da Marlene Dietrich em
“Vênus Loira”.
-No ano seguinte, num almoço na
Paramount, você conheceu o ator Randolph Scott.
-Foi um grande amigo meu.
-Diziam que ele era um caso amoroso do
megaempresário Howard Hughes. Estranhei, pois o milionário conquistou as
maiores estrelas do cinema, com poucas exceções. Por que iria se envolver,
então, com uma pessoa do seu sexo?... Como a vida, ao contrário das obras de
ficção, é implausível...
-Sei que fui muito amigo de Randolph
Scott.
-Dizem que o “cowboy” morou com
você. E que os produtores, com medo da
sua imagem diante do público feminino, obrigaram-no a se afastar dele, se não
sua carreira cinematográfica estava encerrada.
-Avisei minha esposa, quando já passava
dos 80 anos de idade, que diriam coisas horríveis de mim depois que eu
morresse, pois mortos não podem se defender.
-Eram tempos difíceis em que se intrometiam
na privacidade alheia; hoje, as próprias pessoas expõem a sua privacidade. Não
sei se isso representa um avanço.
-Depois desse meu comentário, prossegui:
-Em 1934, aconteceu o seu primeiro
casamento?
-Falaram que os executivos da Paramount
me forçaram a casar com a atriz Virginia Cherrill.
-Foi quando você tentou o suicídio com
uma overdose de pílulas para dormir?
-Ainda bem que escapei com vida dessa
crise de loucura.
-Imagino que fizeram a analogia com o
caso de Tchaikovsky, que tentou o suicídio logo depois que casou com uma aluna.
-Casei-me cinco vezes: Virgínia Cherrill,
Barbara Hutton, Betsy Drake, Dyan Cannon e Barbara Harris. - reagiu com
veemência, depois de eu lhe lembrar que o compositor russo se casara uma só
vez.
Veio-me à mente o escritor Marcel Proust
que, através de malabarismos literários, transformou seus amantes, entre eles
um motorista, em mulheres, na obra-prima “Em Busca do Tempo Perdido”, porém,
não verbalizei meu pensamento.
-David Niven escreveu um livro, que sei
que você leu, em que ele assinala que eu buscava a perfeição em todas as
coisas, principalmente em três...
-Filmes, aptidão física e mulheres.
-Isso. - aprovou com um sorriso.
-Ele escreveu que, nos intervalos de um
casamento para o outro, você se apaixonava pela maioria das artistas que
atuavam nos seus filmes.
-Quando Sofia Loren veio estrelar uma
fita na América, pela primeira vez, procurei ser o seu protetor. Naquela selva
desconhecida da linda atriz italiana, eu a instruí como se conduzir da melhor
maneira possível. Percebi, então, que estava apaixonadíssimo por ela.
-Mas ela se casou com o calvo e feioso
Carlo Ponti. - intervim.
-David Niven dizia que não perdi tempo
com esse tropeço: procurei uma edição mais recente da Sofia Loren e a encontrei
na voluptuosa Luba, uma jogadora iugoslava de basquete, alta e vigorosa.
Um sorriso se esboçou na comissura dos
lábios do grande ator, e eu prossegui:
-Você dedicou 70 anos, pelo menos, à
vida artística, Cary Grant.
-Dei por encerrada a minha carreira no
cinema em 1966 com o filme Walk, D'ont Run, pois estava velho para ser
protagonista e não admitia que os meus admiradores me vissem como ator
coadjuvante, embora eu respeitasse muito os comprimários.
-Mas o seu amor pela representação
perdurava.
-E porque perdurava, voltei-me para o
teatro. Quase morri no palco, durante um ensaio do espetáculo “Uma conversa com
Cary”. Foi uma hemorragia cerebral; eu tinha 82 anos de idade.
-Acredito que você seja o primeiro galã
a ser citado por todos os amantes do cinema.
Foi-se sem que eu soubesse se tinha me
ouvido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário