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segunda-feira, 6 de maio de 2013

2372 - tarde demais para esquecer


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4172                                  Data:  14 de  Abril de 2013
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86ª VISITA À MINHA CASA

-Cary Grant, você chega no exato momento em que leio o Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia,  dizendo que as artistas Gal Costa e Maria Betânia deveriam assumir a homossexualidade.
Notei, então, que recebia o grande ator com um assunto inteiramente intempestivo.
-Perdão, minha surpresa com a sua presença é tamanha, que saí de órbita.
-Esqueça que morri em 1986 e que só me preocupava, quando vivo, em termos de Brasil, com o meu sucesso.  Prossiga, pois o tema me interessa.
E voltei à homossexualidade das cantoras.
-Os cidadãos que me parecem mais lúcidos, saíram em defesa das duas, argumentando que elas tem o direito de não expor a sua privacidade.
-É evidente que elas têm esse direito. - afirmou Cary Grant com veemência.
-Seu colega de Hollywood, David Niven, que foi, algumas vezes, indiscreto, no seu livro Bring On The Empty Horses, não agiu assim com você, descrevendo-o como seus admiradores o viam na tela.
-Éramos ingleses.
-Você não foi sempre Cary Grant?
-Não; fui batizado com o nome Archibald Alexander Leach, em Bristol, onde nasci em 18 de janeiro de 1904.
-Você foi muito ligado à sua mãe?
-Sim; ela me vestia de menina quando eu era criança.
-Sei que isso era comum na França, nessa época. Há quadros de Renoir com seus filhos, ainda pequerruchos, vestidos como se suas filhas fossem. Uma das crianças pintadas foi Jean Renoir, que viria a ser um dos maiores cineastas da sétima arte.
-Na América, quando souberam da minha meninice vestido de mulher, cresceram os boatos sobre as minhas preferências sexuais.
-E a sua atração pela carreira artística?
-Com seis anos de idade, meu pai me levou para assistir a um espetáculo de pantomima. Fiquei alucinado. Como o produtor necessitava de mais uma criança em cena, falou com meu pai que, então, assinou uma guarda provisória, colocando-me sob sua responsabilidade.
-Assim, você ficou atuando pela Inglaterra?
-Mais do que isso; segui com a trupe até a Alemanha. Lá, fomos vistos pelo empresário Jesse Lasky, que nos chamou para apresentações em Nova York. Fui para a Broadway com sete anos de idade.
-E a sua família em Bristol, na Inglaterra?
-Encerrada a temporada internacional, voltei para casa e fui matriculado na escola. Aos nove anos, passei a viver apenas com meu pai, pois minha mãe, disseram-me, foi cuidar da saúde no litoral.
-Esconderam-lhe que ela foi internada num hospital para doentes mentais.
-Eu era muito novo para encarar essas más notícias, mas não para seguir minha vocação.
-Pelo que David Niven escreveu, você, com doze anos de idade, fugiu do colégio e se juntou a uma trupe de acrobatas.
-Falsifiquei a assinatura do meu pai para conseguir entrar na trupe do comediante Bob Pender. Atuamos pelas mais diversas cidades inglesas, durante dois anos. Depois disso, fui escolhido para uma turnê pelos Estados Unidos por igual período. Decidi, então, não retornar mais para o meu país.
-Saiu em busca do sonho americano, Cary Grant?
-Sonhei enquanto trabalhava como lanterninha de cinema, vendedor de gravatas e artista de espetáculos mambembes de variedade. Então, um executivo da Paramount gostou da minha aparência e se dispôs a abrir o meu caminho até Hollywood desde que eu não me chamasse mais Archibald.
-Assim, nasceu Cary Grant. - bradei.
-Minha estreia na tela ocorreu em 1932, no musical “Esposa Improvisada”, que não fez sucesso. Todavia, nesse mesmo ano, o diretor Josef von Sternberg me escolheu como parceiro da Marlene Dietrich em “Vênus Loira”.
-No ano seguinte, num almoço na Paramount, você conheceu o ator Randolph Scott.
-Foi um grande amigo meu.
-Diziam que ele era um caso amoroso do megaempresário Howard Hughes. Estranhei, pois o milionário conquistou as maiores estrelas do cinema, com poucas exceções. Por que iria se envolver, então, com uma pessoa do seu sexo?... Como a vida, ao contrário das obras de ficção, é implausível...
-Sei que fui muito amigo de Randolph Scott.
-Dizem que o “cowboy” morou com você.  E que os produtores, com medo da sua imagem diante do público feminino, obrigaram-no a se afastar dele, se não sua carreira cinematográfica estava encerrada.
-Avisei minha esposa, quando já passava dos 80 anos de idade, que diriam coisas horríveis de mim depois que eu morresse, pois mortos não podem se defender.
-Eram tempos difíceis em que se intrometiam na privacidade alheia; hoje, as próprias pessoas expõem a sua privacidade. Não sei se isso representa um avanço.
-Depois desse meu comentário, prossegui:
-Em 1934, aconteceu o seu primeiro casamento?
-Falaram que os executivos da Paramount me forçaram a casar com a atriz Virginia Cherrill.
-Foi quando você tentou o suicídio com uma overdose de pílulas para dormir?
-Ainda bem que escapei com vida dessa crise de loucura.
-Imagino que fizeram a analogia com o caso de Tchaikovsky, que tentou o suicídio logo depois que casou com uma aluna.
-Casei-me cinco vezes: Virgínia Cherrill, Barbara Hutton, Betsy Drake, Dyan Cannon e Barbara Harris. - reagiu com veemência, depois de eu lhe lembrar que o compositor russo se casara uma só vez.
Veio-me à mente o escritor Marcel Proust que, através de malabarismos literários, transformou seus amantes, entre eles um motorista, em mulheres, na obra-prima “Em Busca do Tempo Perdido”, porém, não verbalizei meu pensamento.
-David Niven escreveu um livro, que sei que você leu, em que ele assinala que eu buscava a perfeição em todas as coisas, principalmente em três...
-Filmes, aptidão física e mulheres.
-Isso. - aprovou com um sorriso.
-Ele escreveu que, nos intervalos de um casamento para o outro, você se apaixonava pela maioria das artistas que atuavam nos seus filmes.
-Quando Sofia Loren veio estrelar uma fita na América, pela primeira vez, procurei ser o seu protetor. Naquela selva desconhecida da linda atriz italiana, eu a instruí como se conduzir da melhor maneira possível. Percebi, então, que estava apaixonadíssimo por ela.
-Mas ela se casou com o calvo e feioso Carlo Ponti. - intervim.
-David Niven dizia que não perdi tempo com esse tropeço: procurei uma edição mais recente da Sofia Loren e a encontrei na voluptuosa Luba, uma jogadora iugoslava de basquete, alta e vigorosa.
Um sorriso se esboçou na comissura dos lábios do grande ator, e eu prossegui:
-Você dedicou 70 anos, pelo menos, à vida artística, Cary Grant.
-Dei por encerrada a minha carreira no cinema em 1966 com o filme Walk, D'ont Run, pois estava velho para ser protagonista e não admitia que os meus admiradores me vissem como ator coadjuvante, embora eu respeitasse muito os comprimários.
-Mas o seu amor pela representação perdurava.
-E porque perdurava, voltei-me para o teatro. Quase morri no palco, durante um ensaio do espetáculo “Uma conversa com Cary”. Foi uma hemorragia cerebral; eu tinha 82 anos de idade.
-Acredito que você seja o primeiro galã a ser citado por todos os amantes do cinema.
Foi-se sem que eu soubesse se tinha me ouvido.


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