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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4184 Data: 08 de
Maio de 2013
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NA RÁDIO MEMÓRIA COM O JAZZ
2ª PARTE
A vez retornou ao titular do programa.
-Eu trouxe um grande nome da música
norte-americana: Count Basie. Trata-se de um espetacular arranjo de Oliver Nelson.
-É uma gravação de “Afrik”.
Depois que a solicitação do Jonas Vieira
foi atendida, ele se voltou para o Dieckmann:
-E então?
-Senti-me como uma zebra tropeando pelas
estepes africanas.
Estepes africanas?... Levei um susto.
Será que o meu chefe do Departamento da Marinha Mercante cometeu um erro de
proporções geográficas, transportando as estepes da Ásia para a África? Eu estava, é verdade, sugestionado por uma
música, considerada do repertório clássico, “Nas Estepes da Ásia Central”, de
Alexander Borodin. Um russo, que deu mais atenção à química do que a música;
algo parecido, guardadas as devidas proporções, com Paulo Vanzolini, que, apesar
do seu talento para a música popular, foi um compositor bissexto, preferindo
dedicar a maior parte do seu tempo à zoologia.
-Vi, depois, que a definição de estepe é
esgarçada, podendo designar as pradarias estadunidenses e a caatinga
brasileira.
-Eu me senti um antropófago. - disse o
Jonas Vieira depois da zebra.
E acrescentou:
-Comendo os brancos.
Dieckmann riu, disse que não tinha
nenhum branco ali, fez piadas e eu pensei que o Sérgio Fortes estava sendo
engolido, pois não se falou mais dele, o que não aconteceu no domingo passado,
quando era lembrado a toda hora.
-Agora uma pausa para meditação; a
crônica de Fernando Milfont na voz de José Maurício. -anunciou.
E a crônica se iniciou com o título
“Frases Históricas” e uma delas foi citada: “Tudo que é sólido se desmancha no
ar.” Então, o colunista enveredou pelo Manifesto Comunista de Karl Marx e na
exploração do homem pelo homem, na destruição do capitalismo pelas suas
contradições internas e outras chorumelas que o tempo se encarregou de
derrubar. Afinal, o filósofo alemão, que cunhou o termo capitalismo, estava
limitado ao sistema econômico que adveio da Revolução Industrial na Inglaterra,
quando as condições de trabalho eram realmente horrorosas. Mas o capitalismo se
mostraria, com o correr dos anos, flexível: trabalho de oito horas diárias,
férias de um mês, salários condignos, aposentadoria, com os próprios
trabalhadores, em alguns casos, podendo se tornar sócios da empresa em que
trabalhavam através de fundos de ação. Enfim, o capitalismo é um processo,
enquanto o comunismo foi um processo que deu com os burros na água.
Quando a palavra retornou aos
apresentadores da Rádio Memória, Jonas Vieira foi de encontro ao que dissera a
sonora voz do José Maurício.
-Essa crônica está sujeita a chuvas e
trovoadas. Não concordo com isso não. Todo o progresso vem do capitalismo americano:
o rádio, a televisão, o automóvel...
-Isso (o texto da crônica) está
estereotipado. Sem o capitalismo, não estaríamos aqui, fazendo este programa. -
interveio o Dieckmann.
-Nem haveria nem rádio. - acrescentou o
Jonas Vieira, que prosseguiu:
-A natureza é hierárquica; vem o gênio,
depois o geniozinho, o inteligente, o inteligentezinho...
Entrou uma demanda comercial e os
ouvintes deduziram que, nesse tempo, eles desceram até os burros. Quando
retornaram, riam, mas só falaram que se referiam a um país de cabeça pra baixo,
ou seja, onde a hierarquia se dá às avessas.
-Hoje, ouvi uma ótima. - animou-se a voz
do Dieckmann.
-Os presidiários deveriam ir para os
asilos e os velhinhos para os presídios, pois, assim, os velhinhos teriam cinco
refeições por dia, direito a banhos de sol, auxílio reclusão...
Depois de o seu interlocutor aprovar a
ideia, Dieckmann garantiu que a surpresa que trazia era belíssima: “Peggy and Benny”.
-Duke Ellington disse: “Se eu sou duque,
a Peggy Lee é a rainha.” Por sua vez, Benny Goodman era filho de um alfaiate de
Varsóvia. Não é qualquer um que é filho de alfaiate de Varsóvia.
-E qual é a música, Dieckmann?
-“On
the sunny side of the street.”
Depois do deleite proporcionado a todos
pelo clarinetista e a cantora, Dieckmann informou que essa indicação viera da
sua mulher, Branca.
-Branca está de parabéns. -
congratulou-se o Jonas Vieira.
-Eu estive em Nova Orleans , em 2001
e pedi aos músicos de rua que tocassem “On the sunny side of the street.”, mas
eles diziam que tocavam “When the saints
go marching in” e não houve um que atendesse ao meu pedido. - registrou
o Dieckmann. (*)
Como há no programa comentários sobre
alguma notícia atual, Jonas Vieira investiu contra o desembargador Siro Darlan,
que mandou soltar a bandidagem que invadiu um hotel. E completou com uma
palavra que retirou do fundo do baú depois de espanar a poeira dela por algum
tempo:
“Fiquei pebado”.
Estivesse o Sérgio Fortes presente e
diria:
-Pebado, às 8h 40 min da manhã, pode.
Voltamos à música e àquele que dá nome
ao estúdio da Roquette Pinto com suas candelas.
-Nos anos 60, uma orquestra de que eu
gosto muito, fez um enorme sucesso na televisão, na TV Tupi, se não me engano.
Trata-se da Orquestra Simonetti.
-Lembro- disse o Dieckmann.
-Enrico Simonetti veio para o Brasil e
aqui se radicou. A gravação que vou solicitar
é “Love's Theme”, do Barry White.
Atendido o pedido, a voz do Dieckmann se
tornou enfática:
-Eu trago agora uma surpresa, mas uma
surpresa mesmo.
-Qual? - despertou ele a curiosidade de
todos.
-A
dupla Slim & Slam. Slim Gaillard
& Slam Stewart.
-É uma surpresa mesmo. - ratificou o
Jonas Vieira.
-É uma dupla dos anos 30, que eu ouvia
na velha JB. Hoje, graças à internet, podemos capturar essas maravilhas.
Depois, coube ao Jonas Vieira a escolha
da música derradeira do programa. Fez, antes, uma pequena introdução. Disse que
a maior invenção do gênero humano é a orquestra, que a sua preferida é a de
Andre Kostelanetz, o russo que escapou da revolução comunista fugindo para os
Estados Unidos. No que concerne aos band leaders mais populares, citou Duke
Ellinghton.
A música, para o deleite dos ouvintes,
era “Hey Baby”, com a deslumbrante cantora – palavras retumbantes dele - Rosemary
Clooney.
-A sua voz parece que sai de dentro da
orquestra. - afirmou.
Escutamos, então, o piano de Duke
Ellington e a voz de Rosemary Clooney, mas não foi só isso naqueles 3 minutos
intensos, haja vista o talento dos músicos liderados por Duke Ellington.
-O programa termina com um gosto de
quero mais.
E foi adiante:
-O BISCOITO MOLHADO não pode reclamar do
programa de hoje.
Dieckmann acertou em cheio.
(*) “Anos
depois, em Paris – conta o Dieckmann a este Distribuidor – também perambulando
na Place des Vosges, encontrei um grupo de 4 ou 5 músicos tocando jazz, meio
que desanimados. Quando pararam, fui e pedi “On the Sunny Side...”. O líder fez
um doce, mas deixou perceber que sabia, o que foi remediado com 5 Euros na
ocasião. E tocaram. E, entusiasmado com a grana do cachê, o bandleader ainda
cantou. Foi um sucesso e com dois ou três passos que ensaiei, a praça toda se
animou, a francesada toda sambou. Pensando bem, devia ter mais turistas que
franceses e digamos então que, sendo assim, o mundo inteiro sambou...”
Cansado desta
demonstração explícita de megalomania e perambulação, encerrei meu diálogo com
o Dieckmann e tratei da Distribuição de mais um exemplar do seu O BISCOITO
MOLHADO.
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