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quarta-feira, 8 de maio de 2013

2373 - Jajá de Garcenil, com bismuto


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4173                                  Data:  15 de  Abril de 2013
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NOSTALGIAS DA RÁDIO MEMÓRIA

Arrolando coisas da  nossa meninice e da juventude do Jonas Vieira, Sérgio Fortes citou a operação de amígdalas.
-É verdade, Sérgio; não se fala mais em operação de amígdalas. - concordou o radialista.
Eu, minutos antes, me lembrava do Caporal Amarelinho, cigarro que um tio me pedia para comprar no meio de um jogo de víspora na casa da minha avó; eu pegava o dinheiro que vinha da sua mão estendida e, meio contrariado por sair no meio do jogo, ia adquirir o mata-rato. Aliás, não se fala mais em víspora. Mas voltemos à operação de amígdalas.
Em 1981, no meio do expediente, minha papada inchou repentinamente e eu me senti um sapo sem a poesia do Manuel Bandeira.
Meus colegas de trabalho, confirmando o velho ditado que de louco e médico cada um tem um pouco, diagnosticaram logo o meu problema: caxumba.
-Mas eu já tive caxumba. - retruquei.
Na verdade, eu fizera confusão com catapora que, segundo a minha mãe, eu pegara do meu pai.
Fui ao médico pelo meu plano de saúde da época, CASME. Atendeu-me o doutor Heráclito, não me esqueço do seu nome por vários motivos mnemônicos, o principal deles era a sua fixação no bisturi.
-O seu problema são as amígdalas e terei de lhe fazer uma pequena cirurgia.
Pequena cirurgia?... Minha Nossa Senhora, um jogador do Flamengo, dos melhores, por sinal, falecera numa operação de garganta, em 1976 e ninguém se esquecia disso, passados cinco anos. Mostrei-lhe a minha apreensão:
-Doutor, o Geraldo, que praticava um excelente futebol, era até da seleção brasileira, morreu com 22 anos na extração das amígdalas.
Com a tranquilidade dos que estão certos que lhe vão cortar a garganta, ele se pôs a explicar a causa da morte daquele que, pelo seu futebol moleque, era chamado de Geraldo Assoviador.
-Esse jogador era viciado em drogas e o anestesista não sabia. Ele, por isso, deu uma dosagem de Valium no paciente, que não fez efeito. Então, aumentou a dose...
-E isso matou o Geraldo?
-As drogas que o jogador consumira foi que provocou todo o problema que culminou na sua morte.
E, certo que me convencera, indicou-me os consultórios dos médicos em que eu deveria fazer os exames  pré-cirúrgicos.
 Geraldo morreu de médico. - escrevo agora, reportando a frase do Paulo Francis quando comentou, na televisão, a morte do Otto Lara Rezende: morreu de médico.
Larguei o otorrinolaringologista e procurei um médico, velho conhecido, formado desde 1954.
-Cirurgia?... Que cirurgia?!  Compre um vidro de Garcenil e faça gargarejos com água morna durante alguns dias.
Segui a prescrição médica e a papada nunca mais voltou, pois sempre que me sentia meio combalido, seguindo as suas recomendações, recorria  aos gargarejos.
Num dia, procurei o remédio numa drogaria e o vendedor me informou que não era mais fabricado. Levei a má notícia ao meu médico, que desancou a retirada desse produto do mercado.
-O Garcenil tem bismuto, que é ótimo. - salientou.
Sim, o bismuto é tão considerado pelos médicos que, mesmo atuando como escritor, Guimarães Rosa, que era formado em medicina, falou, no conto “O burrinho pedrês”, em olhos remelentos, cor de bismuto...
Sérgio Fortes, no Rádio Memória, pode citar o Garcenil, que muitos, como eu, o terão nas suas reminiscências.
Recordo que as pessoas que operavam a garganta tinham de tomar sorvete. Não sei se, por isso, o Sérgio Fortes, no Rádio Memória, evocou o Jajá de coco. 
Não tenho a pretensão de comparar o meu Jajá de coco com o bolo Madeleine de Proust, mas um passado de muitos anos foi convocado na minha mente.  Mal eu saía da escola primária, pedia à minha mãe um picolé de Jajá de coco. Esse pedido era tão certo quanto a presença do vendedor da Kibon, com sua carrocinha, no portão de saída do colégio.
Às vezes, a fábrica da Kibon recorria a promoções; se o palito coberto pelo sorvete estivesse marcado, tinha-se o direito de chupar outro de graça. Isso não me fazia ansioso, eu degustava o gelado com a placidez que uma mãe lambe a cria.
Com a formidável bagagem de lambidas que adquiri, eu estava em perfeitas condições em desconcordar do Luís Fernando Veríssimo quando, numa crônica dos anos 90, ele escreveu Jajá de maracujá. Para ser mais fiel aos fatos, era uma crônica que aludia a outra em que ele escrevera essa marca do picolé, que originou controvérsias. No texto que li, o escritor gaúcho argumentava, em sua defesa, que houve leitores que lhe deram razão: existiu o jajá de maracujá.
Levei o caso para alguns colegas de trabalho, mas, infelizmente, as marcas de sorvete já estavam derretidas nas suas memórias; só se lembraram do Chicabon, que persiste até hoje firme e gelado. Uma colega – diga-se a seu favor – não era do tempo em que proliferaram as carroças de Kibon, mas ficou de consultar a tia quando a visse, pois ela entesourava as boas coisas de outrora no cérebro.
Feita a consulta, a sobrinha reproduziu o que lhe foi dito: existiram o Jajá de coco, o Kalu de abacaxi, o Ton-bon de limão. O picolé de maracujá não tinha outro nome para reforçar seu sabor.
Como o brasileiro é criativo e gosta de rimas, talvez alguns pedissem um picolé de Jajá de maracujá.
É bom assinalar que tudo isso aconteceu antes do advento do Google.
Depois da operação de garganta, do Jajá de coco da Kibon, as lembranças do Sérgio Fortes chegaram aos revólveres de espoleta e cartucheira.
Hoje não, mas quando criança, eu gostava de sentir o cheiro da pólvora que vinha do revólver de espoleta. Brinquei até a última bala de bandido e mocinho. Para ser fidedigno à verdade, fui além da falta de munição; transformei, nos momentos críticos, o dedo em cano de revólver e, com ele, dei muitos tiros, pois eu não morria como nos desenhos animados.
Nos tiroteios que começavam no nosso edifício da Rua Cachambi e, às vezes, alcançavam o terreno baldio ao lado, para o desespero da minha mãe (fazer o quê, os bandidos não podiam escapar da lei), eu me sentia o John Wayne, o Gary Cooper, o Alan Ladd e tantos outros que me entusiasmavam na tela de cinema. Sem falar do Roy Rogers, cujo seriado na televisão, eu não perdia.
Matei mais índio que a cavalaria americana (Que o Dieckmann não distribua esta BM na FUNAI). (*)

(*) pedido do redator, o Distribuidor cumpre na marca. Nem pensar em mostrar pro Dieckmann

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